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06 nov 24 13:58

Parecer CNE/CP 050, de 05/11/2024 – Orientações Específicas para o Público da Educação Especial: Atendimento a Estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA)

  ESSE PARECER SUBSTITUI O  Parecer CNE/CP 050, de 05/12/2023 – Orientações Específicas para o Público da Educação Especial: Atendimento de Estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA)

 

  I – RELATÓRIO

 O Conselho Nacional de Educação (CNE) foi criado pela Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995, com a missão de assegurar a participação da sociedade no desenvolvimento, aprimoramento e consolidação da educação nacional de qualidade. Compete ao CNE e às suas Câmaras de Educação Básica (CEB) e de Educação Superior (CES) cumprir os preceitos legais, emitindo pareceres e decidindo privativa e autonomamente sobre os assuntos que lhe são pertinentes.

Uma importante missão do CNE é atender às demandas, dúvidas e pedidos de orientação da sociedade, constituindo um espaço de fortalecimento das relações com os demais sistemas de ensino, em sua função indutora e orientadora. Uma das demandas mais recorrentes da sociedade, tanto no âmbito público quanto no privado, refere-se à modalidade de Educação Especial, que é frequentemente discutida em amplos debates sobre a inclusão educacional. Esses debates levantam questões de grande interesse e muitas dúvidas relativas ao atendimento, considerando principalmente a diversidade do nosso país, no contexto de uma política nacional equitativa e inclusiva ao longo da vida.

Podemos constatar que a educação, enquanto direito humano intransferível, impõe às escolas brasileiras e aos sistemas educacionais inclusivos o dever de garantir as condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem para as pessoas com deficiência, transtornos do espectro autista e altas habilidades ou superdotação, em seus sistemas e instituições públicas e privadas, em salas de aula comum. Nos últimos anos, observamos um aumento na demanda por orientações e informações encaminhadas ao CNE relacionadas aos estudantes com transtorno do espectro autista (TEA).

Quando falamos de inclusão educacional, é importante ressaltar que sua materialidade exige ações de envolvimento e engajamento de toda a comunidade escolar, incluindo gestores, docentes, técnicos, famílias e discentes, com ou sem deficiência. Nosso país já trilha o caminho da escola inclusiva desde 1988, com a Constituição Federal, e precisamos reconhecer que ainda temos uma grande dívida social com esse público, resultado da herança histórica de exclusão, que demanda ações e políticas afirmativas para ser superada.

             Essa questão também é destacada pela Organização das Nações Unidas, por meio do Comentário Geral nº 4 de 2016, elaborado pelo Comitê de Monitoramento da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, que aponta o maior risco de exclusão da educação de grupos específicos, a saber:

O Comitê reconhece que alguns grupos estão mais suscetíveis à exclusão da educação do que outros, tais como: pessoas com deficiência intelectual ou múltiplas deficiências, pessoas com surdo-cegueira, pessoas com autismo e pessoas com deficiência em situação de emergência humanitária.

E, nesse mesmo sentido, avança:

Em relação ao artigo 24, parágrafo 3, muitos Estados Partes estão falhando em fornecer condições adequadas às pessoas com deficiência, particularmente as pessoas no espectro do autismo, com deficiências de comunicação e deficiências sensoriais, para que adquiram habilidades de vida diária, de linguagem e sociais essenciais para a participação na educação e em suas comunidades.

             Assim, ao considerar as orientações da Organização das Nações Unidas no monitoramento da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e com o objetivo de cumprir sua missão orientadora e indutora, a Comissão Bicameral de Educação Especial, criada pelo Conselho Nacional de Educação, dedicou-se a elaborar as orientações organizadas neste parecer, em resposta à demanda da sociedade.

             Recomposta pela Portaria CNE/CP nº 6, de 19 de janeiro de 2023, a Comissão Bicameral de Educação Especial passou a integrar os seguintes conselheiros: Amábile Aparecida Pacios (Presidente), Suely Melo de Castro Menezes (Relatora), Fernando Cesar Capovilla, Ilona Maria Lustosa Becskehazy Ferrão de Sousa, José Barroso Filho e Tiago Tondinelli (membros).

             Na reunião do Conselho Pleno realizada em 2 de julho de 2024, conforme registro na Ata CNE/CP 31/2024, a Comissão foi novamente recomposta pelos seguintes conselheiros: Paulo Fossatti (Presidente) e Mauro Luiz Rabelo (Relator).

             Após a posse de novos conselheiros e o término do mandato de outros, foram incluídas como membros na Comissão, em setembro de 2024, as conselheiras: Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva e Mariana Lúcia Agnese Costa e Rosa.

  1. Do ordenamento legal e normativo

A promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe ganhos políticos na luta pelos direitos da pessoa com deficiência em várias áreas de atenção, entre eles inclui-se o campo da educação que, enquanto dever do Estado e realidade social, não foge ao controle do Direito. Na verdade, é a própria Constituição Federal de 1988 que a enuncia como direito de todos, dever do Estado e da família, com a tríplice função de garantir a realização plena do ser humano, inseri-lo no contexto do Estado Democrático e qualificá-lo para o mundo do trabalho. Em um só tempo, a educação representa tanto mecanismo de desenvolvimento pessoal do indivíduo, como da própria sociedade em que ele se inclui. Prevê ainda, em seu artigo 208, a garantia de “III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”.

Assim, percebemos a importância de, junto com o sistema já existente (a norma, o jurídico e o administrativo), preservarmos e ampliarmos os espaços para que a dinâmica social possa produzir movimentos instituintes de novas normas, novos processos administrativos e novas formas de justiça inclusiva[1]. No caso brasileiro, a edição de outras normas complementa as previsões constitucionais, conforme abaixo.

Um dos primeiros documentos legais que tratam de forma específica o tema do direito humano à educação inclusiva é a Portaria MEC nº 1.793, de 27 de dezembro de 1994, que recomenda a inclusão de conteúdos relativos aos aspectos éticos, políticos e educacionais da integração da pessoa portadora de necessidades especiais nos currículos de formação de docentes.

A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), define a Educação Especial e assegura o atendimento aos estudantes com TEA e/ou com outras necessidades especiais, e estabelece critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em Educação Especial para fins de apoio técnico e financeiro pelo poder público.

No ano de 1999, houve 2 (dois) instrumentos legais de referência ao tema. Um deles é o Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que dispõe sobre a “Política Nacional para a integração da Pessoa Portadora de Deficiência”. A Educação Especial é definida como uma modalidade transversal a todos os níveis e modalidades de ensino. O outro é a Resolução CNE/CEB nº 4, de 8 de dezembro de 1999, que institui “as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico”, a qual também aborda, no artigo 16, a organização do sistema nacional de certificação profissional baseado em competências.

Com a Resolução CNE/CEB nº 2, de 11 de setembro de 2001, são instituídas as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. O documento afirma que os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos estudantes com TEA e necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos.

Já o Parecer CNE/CP nº 9, de 8 de maio de 2001, institui as Diretrizes Curriculares para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica em Cursos de Nível Superior e estabelece que a Educação Básica deve ser inclusiva para atender a uma política de integração dos estudantes com necessidades educacionais especiais nas classes comuns dos sistemas de ensino. Isso exige que a formação dos docentes das diferentes etapas inclua conhecimentos relativos à educação desses alunos.

Por outro lado, o Parecer CNE/CEB nº 17, de 3 de julho de 2001, institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, destaca-se por sua abrangência, indo além da Educação Básica, por se basear em vários documentos sobre a Educação Especial. No item “4. Construindo a inclusão na área educacional”, temos:

A política de inclusão de alunos que apresentam necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino não consiste apenas na permanência física desses alunos junto aos demais estudantes, mas representa a ousadia de rever concepções e paradigmas, bem como de desenvolver o potencial dessas pessoas, respeitando suas diferenças e atendendo suas necessidades.

 No ano de 2002, foi publicada a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre Língua brasileira de Sinais (Libras) e a reconhece como meio legal de comunicação e expressão, bem como outros recursos de expressão a ela associados. Na sequência, editou-se a Portaria MEC nº 2.678, de 24 de setembro de 2002, que aprova o projeto da grafia Braille para a língua portuguesa, recomenda seu uso em todo o território nacional e estabelece diretrizes e normas para a utilização, o ensino, a produção e a difusão do Sistema Braille em todas as modalidades de ensino.

Em 2003, a Portaria nº 3.284, de 7 de novembro de 2003, dispõe sobre os “requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências, para instruir os processos de autorização e de reconhecimento de cursos e de credenciamento de instituições”.

Em 2004, é criado o Programa Universidade para Todos (Prouni), iniciativa que concede bolsas de estudo em instituições privadas de Educação Superior, em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, possibilitando que pessoas com deficiência pudessem concorrer a bolsas integrais.

Dando continuidade às ações de inclusão, no ano de 2005, foi criado o Programa de Acessibilidade no Ensino Superior (Programa Incluir), que visa fomentar ações que asseguram o acesso pleno de pessoas com deficiência às Instituições Federais de Educação Superior (Ifes). O programa tem como principal objetivo fomentar a criação e a consolidação de núcleos de acessibilidade nessas unidades, os quais respondem pela organização de ações institucionais que garantam a integração de pessoas com deficiência à vida acadêmica, eliminando barreiras comportamentais, pedagógicas, arquitetônicas e de comunicação.

No mesmo ano, o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, regulamentou a Lei nº 10.436/2002, que dispõe sobre a Libras, e o artigo 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, dispondo sobre a inclusão da Libras como disciplina curricular; a formação e a certificação do professor, instrutor, tradutor e intérprete; o ensino de língua portuguesa como segunda língua para alunos surdos e a organização da educação bilíngue no ensino regular.

No ano de 2007, foi implementado o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que recomenda a acessibilidade arquitetônica dos prédios escolares, a implantação de salas de recursos multifuncionais e a formação docente para o Atendimento Educacional Especializado (AEE).

No mesmo período, o Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007, implementa o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, que destaca a garantia do acesso e permanência no ensino regular e o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos para fortalecer a inclusão educacional nas escolas públicas.

O ano de 2008 é de especial importância para o estudo da educação inclusiva. Nele é criada a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da educação inclusiva. O documento fundamenta a política nacional educacional e enfatiza o caráter de processo da inclusão educacional desde o título: “na perspectiva da”, ou seja, ele indica o ponto de partida (Educação Especial) e assinala o ponto de chegada (educação inclusiva).

Também no ano de 2008, foi publicado o Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, que aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. O artigo 24 da Convenção aborda a educação inclusiva e seu texto serve de base para a Lei Brasileira de Inclusão, aprovada em 2015, como veremos a seguir.

Publicado em 2009, o Decreto Executivo nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, promulga a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo. Similarmente, a Resolução CNE/CEB nº 4, de 2 de outubro de 2009, institui as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial, afirmando que o Atendimento Educacional Especializado (AEE) deve ser oferecido no turno inverso ao da escolarização, prioritariamente nas salas de recursos multifuncionais da própria escola ou em outra escola de ensino regular.

Em 2010, a Nota Técnica MEC/SEESP/GAB/Nº 11/2010 traz Orientações para a Institucionalização na Escola, da Oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE) em Salas de Recursos Multifuncionais, enquanto a Nota Técnica MEC/CGPEE/GAB/Nº 15/2010 apresenta Orientações sobre Atendimento Educacional Especializado na Rede Privada e a Nota Técnica MEC/SEESP/GAB/Nº 19/2010  trata dos Profissionais de apoio para alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento matriculados nas escolas comuns da rede pública de ensino.

Para o ano de 2011, dá-se continuidade às políticas públicas sobre inclusão com a criação do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Viver Sem Limite), que, em seu artigo 3º, estabelece a garantia de um sistema educacional inclusivo como uma de suas diretrizes. O Plano baseia-se na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que recomenda a equiparação de oportunidades.

Já o Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011, declara que é dever do Estado garantir um sistema educacional inclusivo em todos os níveis e em igualdade de oportunidades para alunos com deficiência; aprendizado ao longo da vida; oferta de apoio necessário no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação, entre outras diretrizes.

Enquanto isso, a Nota Técnica MEC/SEESP/GAB/Nº 6, de 11 de março de 2011, dispõe sobre avaliação de estudante com deficiência intelectual. Estabelece que cabe ao professor do AEE a identificação das especificidades educacionais de cada estudante de forma articulada com a sala de aula comum. Por meio de avaliação pedagógica processual, esse profissional deverá definir, avaliar e organizar as estratégias pedagógicas que contribuam com o desenvolvimento educacional do estudante, que se dará junto com os demais na sala de aula. É, portanto, importantíssima a interlocução entre os professores do AEE e da sala de aula regular e este também é caminho apresentado na Nota Tecnica MEC/SECADI/DPEE/Nº 62/2011, que traz orientações aos Sistemas de Ensino acerca do Decreto 7.611/2011.

Em 2012, o Decreto nº 7.750, de 8 de junho de 2012, regulamenta o Programa um Computador por Aluno (PROUCA) e o Regime Especial de Incentivo a Computadores para uso Educacional (REICOM), estabelecendo como objetivo promover a inclusão digital nas escolas das redes públicas de ensino federal, estadual, distrital, municipal e nas escolas sem fins lucrativos de atendimento a pessoas com deficiência, mediante a aquisição e a utilização de soluções de informática.

  1. Dos direitos das pessoas com transtorno do espectro autista

2.1 A garantia dos direitos à pessoa com transtorno do espectro autista: a importância da Lei nº 12.764/2012

Ainda no ano de 2012, há importante avanço no que concerne aos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista com a edição da Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com transtorno do espectro autista, a primeira a considerar o autista como pessoa com deficiência. Conforme artigo 1º dessa Lei, considera-se pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de síndrome clínica caracterizada na forma dos incisos I e II:

[…]

I– deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento;

II– padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos.

 A Lei prevê a participação da comunidade na formulação das políticas públicas voltadas para os autistas, além da implantação, acompanhamento e avaliação da Lei.

Por considerar os autistas como pessoas com deficiência, todos os direitos das pessoas com deficiência também passam a acolher as pessoas com autismo. Com essa Lei, a pessoa com transtorno do espectro autista terá garantido o acesso à educação e ao ensino profissionalizante, à moradia, ao mercado de trabalho, à previdência e assistência social. Fica também assegurado o acesso a ações e serviços de saúde, incluindo: o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional, a nutrição adequada e a terapia nutricional, os medicamentos e as informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento. Assim, todas as legislações expostas aqui passam a ser aplicadas também às pessoas com transtorno do espectro autista.

A regulamentação dessa Lei foi estabelecida no Decreto nº 8.368, de 2 de dezembro de 2014, dispondo essencialmente sobre competências e atuação intersetorial na garantia dos direitos previstos na Lei nº 12.764/2012.

Dando continuidade à construção histórico-legislativa deste tópico, cabe mencionar o Parecer CNE/CEB nº 2, de 31 de janeiro de 2013, que responde à consulta sobre a possibilidade de aplicação de “terminalidade específica” nos cursos técnicos integrados ao Ensino Médio: “O Ifes entende que a “terminalidade específica”, além de se constituir como um importante recurso de flexibilização curricular, possibilita à escola o registro e o reconhecimento de trajetórias escolares que ocorrem de forma especifica e diferenciada”.

Já a Nota Técnica  MEC/SECADI/DPEE/Nº 24/2013 trata da Orientação aos Sistemas de Ensino para a implementação da Lei nº 12.764/2012. Em 2014, são apresentadas 4 notas técnicas relevantes ao tema deste parecer a saber: Nota Técnica MEC/SECADI/DPEE Nº4/2013, que trata das orientações quanto a documentos comprobatórios do cadastro de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação no Censo Escolar, a Nota Técnica  MEC/SECADI/DPEE2/Nº29/2013, que apresenta o termo de Referência para aquisição de brinquedos e mobiliários acessíveis. As outras duas notas técnicas MEC/SECADI/DPEE/ Nº 38 e 73/2013 tratam de dados e indicadores.

 2.2 O Avanço da Lei Brasileira de Inclusão: um marco na história da luta pelos direitos da pessoa com deficiência

O ano de 2015 é novamente um capítulo relevante no histórico de legislações sobre o direito humano à inclusão. Nele é publicada a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI). Uma de suas mais relevantes funções é harmonizar as leis à Convenção Internacional de Nova York, auxiliando na compreensão de vários direitos que se encontram espalhados em diferentes normas como visto anteriormente. Esta Lei tramitou durante 15 (quinze) anos no Congresso Nacional e entrou e vigor após 6 (seis) meses de aprovação.

Além disso, prevê uma mudança de paradigma quanto ao conceito de pessoa com deficiência, cuja caracterização não está mais somente na condição da pessoa, mas, sim, na interação desta condição com as barreiras impostas pela sociedade. Nesse sentido, a deficiência deixa de ser um atributo da pessoa e passa a ser o resultado da falta de acessibilidade que a sociedade e o Estado dão às características de cada um (a deficiência está no meio).

Portanto, quanto mais acessos e oportunidades uma pessoa dispõe, menores serão as dificuldades consequentes de sua característica. O artigo 2º da LBI traz a definição de pessoa com deficiência:

[…]

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

 Quanto ao conceito de “barreiras”, estas estão descritas no artigo 3º da LBI e significam “qualquer obstáculo que impeça de alguma forma a pessoa de acessar algum espaço, serviço ou produto”.

Traz, ainda, a garantia de prioridade (artigo 9º) e o direito à habilitação e reabilitação (artigo 14 e seguintes), garantindo o diagnóstico e intervenção precoce (artigo 15, inciso I), a oferta de rede de serviços articulados com atuação intersetorial (artigo 5, inciso IV) e a garantia de tecnologias assistivas (artigo 16, inciso III).

A concepção de uma educação para o desenvolvimento, igualdade e liberdade também vem protegida enquanto direito na Lei Brasileira de Inclusão, que dispõe em seu artigo 27:

[…]

Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.

 Considerando o profundo impacto legal trazido pela aprovação da Lei Brasileira de Inclusão e seu marco enquanto política de inclusão, apresentamos na sequência pontos considerados essenciais no processo de inclusão de estudantes com Transtorno do Espectro do Autismo.

  1. Do acesso: matrículas e formação de turmas

O artigo 9º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), estabelece o Direito à Prioridade, que é descrito como:

Artigo 9º A pessoa com deficiência tem direito a receber atendimento prioritário, sobretudo com a finalidade de:

I – proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

II – atendimento em todas as instituições e serviços de atendimento ao público;

(..)

VI – recebimento de restituição de imposto de renda;

VII – tramitação processual e procedimentos judiciais e administrativos em que for parte ou interessada, em todos os atos e diligências. (grifos nossos)

A matrícula nos estabelecimentos de ensino tem sido objeto de muitos questionamentos por parte de gestores, famílias e pessoas com transtorno do espectro autista. A dúvida central é se é legal dar prioridade de matrícula a pessoas com deficiência, incluindo aquelas com transtorno do espectro autista, antes dos demais estudantes da rede.

Nesse sentido, é essencial destacar o artigo 9º mencionado anteriormente, que oferece duas alternativas para responder à questão levantada. A primeira alternativa está no artigo 9º, inciso II, que estabelece a prioridade de atendimento em todas as instituições e serviços de atendimento ao público. Isso inclui as instituições de ensino, que prestam um importante serviço público educacional.

Além disso, também podemos utilizar o artigo 9º, inciso VII, que prevê prioridade na tramitação processual e procedimentos judiciais e administrativos em que a pessoa com deficiência seja parte ou interessada, abrangendo todos os atos e diligências. Nesse sentido, considerando que a matrícula é ato administrativo resultante de um procedimento, deve-se garantir a prioridade na matrícula de alunos com deficiência, podendo ser aberto um período específico para este público antes dos demais estudantes.

Essa decisão, além de cumprir o que determina a legislação, como visto acima, também contribui para uma melhor organização dos sistemas de ensino e das escolas.

Por outro lado, o disposto no artigo 8º da Lei nº 7.583/1989, que também é mencionado na Lei nº 13.456/2015, tem sido alvo de questionamentos:

Artigo 8º (Lei nº 7.583/1989): Constitui crime punível com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa:

I – recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência; (grifos nossos)

             Ou seja, de acordo com a legislação atual, não apenas a negativa de matrícula constitui crime, mas também a cobrança de valores adicionais. Além disso, a procrastinação no processo de matrícula — manifestada muitas vezes por meio de exigências como entrevistas, testes, avaliações e documentos extras — também configura crime.

A Lei nº 12.764/2012 também prevê punição nesse sentido ao afirmar:

Artigo 7º O gestor escolar, ou autoridade competente, que recusar a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro tipo de deficiência, será punido com multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários-mínimos.

§1º Em caso de reincidência, apurada por processo administrativo, assegurado o contraditório e a ampla defesa, haverá a perda do cargo.

O Decreto nº 8.368/2014 regulamenta a Lei nº 12.764/2012 e determina como deve ser a apuração da infração prevista no artigo 7º acima citado:

Artigo 5º Ao tomar conhecimento da recusa de matrícula, o órgão competente ouvirá o gestor escolar e decidirá pela aplicação da multa

de que trata o caput do artigo 7º da Lei nº 12.764, de 2012.

§1º Caberá ao Ministério da Educação a aplicação da multa de que trata o caput, no âmbito dos estabelecimentos de ensino a ele vinculados e das instituições de educação superior privadas, observado o procedimento previsto na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.

§2º O Ministério da Educação dará ciência da instauração do processo administrativo para aplicação da multa ao Ministério Público e ao Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Conade.

§3º O valor da multa será calculado tomando-se por base o número de matrículas recusadas pelo gestor, as justificativas apresentadas e a reincidência.

Artigo 6º Qualquer interessado poderá denunciar a recusa da matrícula de estudantes com deficiência ao órgão administrativo competente.

Artigo 7º O órgão público federal que tomar conhecimento da recusa de matrícula de pessoas com deficiência em instituições de ensino vinculadas aos sistemas de ensino estadual, distrital ou municipal deverá comunicar a recusa aos órgãos competentes pelos respectivos sistemas de ensino e ao Ministério Público.

Além disso, a Nota Técnica nº 20/2015/MEC/SECADI/DPEE apresenta orientações aos sistemas de ensino para o cumprimento do artigo 7º da Lei nº 12.764/2012, regulamentada pelo Decreto nº 8.368/2014 mencionado anteriormente.

Observa-se, portanto, que garantir o acesso de alunos com transtorno do espectro autista às escolas é um dever tanto de instituições privadas quanto públicas. A negativa desse direito, além de constituir crime, pode resultar em multas administrativas e em ações por danos morais individuais e coletivos.

Outro tema frequentemente levantado por gestores da educação, professores, pesquisadores, famílias e pessoas com transtorno do espectro autista diz respeito à formação das turmas. Muitos estados e municípios possuem regulamentações sobre o assunto, estabelecendo limites percentuais para o número de alunos com deficiência em cada sala de aula.

É necessário considerar que essas resoluções não devem ser interpretadas de forma isolada das demais normas existentes. Assim, ao formar turmas, o gestor educacional deve levar em conta as necessidades que garantam as melhores condições de aprendizado para todos os alunos.A depender da avaliação dos talentos e das habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais dos estudantes — considerando suas características, interesses e necessidades de aprendizagem, conforme o artigo 27 da Lei nº 13.146/2015 —, os estudantes podem ser distribuídos de modo a melhor aproveitar o ambiente da sala de aula. Isso evita, por exemplo, que todos os alunos com autismo sejam colocados em uma única sala, situação que caracterizaria exclusão ou segregação. Nesse sentido, o gestor educacional deve buscar contemplar as habilidades, potencialidades e necessidades dos estudantes, promovendo uma distribuição equilibrada das turmas entre as salas.

No entanto, é essencial destacar que essa distribuição não pode resultar em negativa de matrícula. A distribuição dos alunos por sala de aula deve servir apenas como um referencial, sendo concretizada após uma avaliação pedagógica do perfil do estudante — levando em conta o grau de suporte necessário tanto para o estudante quanto para o professor.

Além disso, o artigo 4º da Lei nº 12.764/2012 estabelece que a pessoa com transtorno do espectro autista não sofrerá discriminação em razão da deficiência. Nesse contexto, a limitação do número de vagas com base na deficiência é claramente discriminatória e contrária às legislações que promovem um sistema educacional pautado na inclusão.

Quanto ao número máximo de alunos por turma, independentemente das condições apresentadas, as normas vigentes incluem resoluções dos conselhos de educação e acordos e convenções coletivas com sindicatos de professores de escolas particulares e públicas. No entanto, ainda não existe uma legislação nacional que uniformize o número de alunos por turma em todas as escolas públicas e privadas do Brasil.

Em resumo, o processo de formação de turmas é um momento significativo na gestão educacional e requer especial atenção dos sistemas educacionais, pois pode ser o primeiro passo para garantir um ambiente favorável ao desenvolvimento de pessoas com e sem deficiência. Assim, a gestão da escola e todo o seu corpo técnico devem estar atentos às dinâmicas estabelecidas por cada grupo, especialmente no que diz respeito à convivência e à aprendizagem.

  1. Da permanência e da importância do Projeto Político-Pedagógico

A forma de realização das ações de acesso, permanência, participação e aprendizagem também está prevista no artigo 28 da Lei nº 13.146/2015 – LBI, que indica o Projeto Político-Pedagógico como mecanismo de institucionalização das políticas de inclusão, conforme pode ser observado a seguir:

Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:

(…)

III – Projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes com deficiência e garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a conquista e o exercício de sua autonomia;

 Para que a proposta pedagógica não se torne apenas uma atividade burocrática e formal a ser cumprida por exigência legal, é necessário viabilizar as etapas necessárias para a sua implementação. Esse planejamento também envolve a análise das estruturas e ações necessárias para garantir, de forma efetiva, a inclusão dos estudantes com transtorno do espectro autista, não apenas nas salas de recursos multifuncionais, mas também na sala de aula comum e em todos os espaços que o estudante transita, como nas aulas de educação física e em atividades externas à escola.

Assim, um Projeto Político Pedagógico que contemple o atendimento educacional especializado deve não só priorizar a participação, mas também estimular a autonomia dentro e fora da escola. Estas são as orientações contidas na “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva” do ano de 2008 (PNEEPEI, 2008):

O atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas.

As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas da escolarização. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela.

É importante ressaltar que o planejamento de estudo de caso, o material didático e a elaboração de plano de atendimento educacional especializado estão previstos como direitos humanos à educação inclusiva na Lei nº 13.146/2015 – LBI, conforme estabelecido em seu artigo 28, inciso VI e VII:

VI – pesquisas voltadas para o desenvolvimento de novos métodos e técnicas pedagógicas, de materiais didáticos, de equipamentos e de recursos de tecnologia assistiva;

VII – planejamento de estudo de caso, de elaboração de plano de atendimento educacional especializado, de organização de recursos e serviços de acessibilidade e de disponibilização e usabilidade pedagógica de recursos de tecnologia assistiva;

O termo “tecnologia assistiva” também está descrito no artigo 3º da Lei nº 13.146/2015 – LBI, que, em seu inciso III, conceitua:

III – Tecnologia assistiva ou ajuda técnica: produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social;

Da mesma forma, a “adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência” é uma previsão constante do artigo 28, inciso V.

Assim, um Projeto Político-Pedagógico, além de avaliar todas as perspectivas mencionadas, deverá institucionalizar o Atendimento Educacional Especializado (AEE), conferindo organização e planejamento que contemplem os processos de acesso, permanência, participação e aprendizagem.

  1. Da participação

O artigo 28, inciso VIII, da Lei nº 13.146/2015 – LBI destaca a importância da participação dos estudantes e de suas famílias nas deliberações da comunidade escolar, conforme observado abaixo:

VIII – participação dos estudantes com deficiência e de suas famílias nas diversas instâncias de atuação da comunidade escolar;

Este inciso está em conexão com o princípio da gestão democrática da educação, previsto no artigo 206 da Constituição Federal de 1988, bem como com a luta histórica dos movimentos em prol dos direitos das pessoas com deficiência.

É importante mencionar que o tema também é abordado no Comentário Geral nº 4 de 2016, elaborado pelo Comitê de Monitoramento da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da Organização das Nações Unidas  (United Nations, 2016), conforme segue:

A plena participação na vida política e pública é reforçada através da realização do direito à educação inclusiva. Os currículos para todos os estudantes devem incluir o tema cidadania e as habilidades de autodefensoria e autorrepresentação como base fundamental para a participação em processos políticos e sociais. Os assuntos públicos incluem a formação e participação em organizações de estudantes, como grêmios estudantis, e os Estados Partes devem promover um ambiente em que as pessoas com deficiência possam participar plena e efetivamente dessas organizações estudantis através de todas as formas de comunicação e linguagem de sua escolha (artigo 29).

Além da participação da comunidade escolar na elaboração do projeto político-pedagógico da escola, conforme descrito anteriormente, cabe destacar que o Decreto nº 7.611/2011 orienta que o atendimento educacional especializado deve envolver a participação da família para garantir o pleno acesso e a participação dos estudantes, atender às necessidades específicas das pessoas que são o público-alvo da educação especial, e ser realizado em articulação com as demais políticas públicas.

Adicionalmente, deve-se incentivar a participação das famílias nos Conselhos Escolares e dos estudantes nos grêmios estudantis, a fim de não apenas fortalecer os princípios democráticos, mas também consolidar um ambiente de colaboração mútua na eliminação das barreiras e no combate às desigualdades.

  1. Da aprendizagem

Discutir o pilar da aprendizagem para o estudante público-alvo da Educação Especial (definido pela Lei nº 9.394/1996 – LDB como os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação) oferece uma nova perspectiva sobre as práticas escolares. Este público requer transformações nas práticas pedagógicas, no planejamento de atividades, na organização dos espaços escolares, nas escolhas metodológicas e nos procedimentos avaliativos, entre outros. Nesse sentido, o estudo de caso se apresenta como um requisito essencial para orientar as iniciativas e apoiar o planejamento.

O estudo de caso descreve o contexto educacional do estudante, abordando suas habilidades, preferências, desejos e outros aspectos relacionados ao seu cotidiano escolar. A coleta de dados para a descrição do caso pode ser realizada por meio de observações diretas, entrevistas, diálogos com a família, análise de documentos e pareceres pedagógicos. Além disso, poderão ser ouvidos profissionais de outros serviços setoriais, como assistência social e saúde, de forma complementar, quando considerado necessário pela equipe pedagógica.

Algumas categorias de análise, como as sugeridas a seguir, podem contribuir para seu aprofundamento:

A – Informações referentes ao aluno: idade, série, escolaridade, deficiência, outros.

B – Informações coletados do/sobre o aluno:

  • O aluno gosta da escola?
  • Tem amigos?
  • Tem um colega predileto?
  • Quais as atividades que ele gosta mais de fazer?
  • Para ele, que tarefas são mais difíceis? Por quê?
  • O aluno expressa suas necessidades, desejos e interesses? De que maneira?
  • O aluno costuma pedir ajuda aos professores? Por quê? Qual é a opinião do aluno sobre seus professores?
  • Por que ele acha importante vir à escola e estudar nela?
  • Está satisfeito com os apoios (material pedagógico especializado, equipamentos, informática acessível, intérprete, outros atendimentos) que dispõe no momento?
  • Desejaria ter outros? Quais?

C – Informações coletadas da/sobre a escola:

  • O aluno participa de todas as atividades e interage em todos os espaços da escola? Como? Se não participa, por quê?
  • Das atividades propostas para a turma, quais ele realiza com facilidade e quais ele não realiza ou realiza com dificuldades? Por quê?
  • Como é a participação do aluno nas atividades propostas à sua turma? Participa das atividades integralmente, parcialmente ou não participa?
  • Quais são as necessidades específicas do aluno? Quais são as barreiras impostas pelo ambiente escolar?
  • Que tipo de atendimento educacional e/ou clínico o aluno já recebe e quais são os profissionais envolvidos?
  • O que os professores pensam sobre interesses e expectativas do aluno em relação à sua formação escolar?
  • Como é esse aluno do ponto de vista social, afetivo, cognitivo, motor, familiar e outros?
  • Qual a avaliação que o professor de sala de aula faz sobre o desempenho escolar desse aluno?
  • Quais as preocupações apontadas pelo professor de sala de aula e quais os apoi- os que ele sugere para que o aluno atinja os objetivos educacionais traçados para sua turma?
  • Como a comunidade escolar percebe a interação do aluno com seus colegas de turma?
  • Quais as expectativas escolares do professor em relação a esse aluno?
  • Quais são as principais habilidades e potencialidades do aluno, segundo os professores?
  • Qual é o motivo que levou o professor de sala de aula solicitar os serviços do AEE para esse aluno?
  • A escola dispõe de recursos de acessibilidade para o aluno? Quais os recursos humanos e materiais de que a escola não dispõe e que são necessários para esse aluno?
  • Quem avaliou os recursos utilizados por esse aluno? Eles atendem às suas necessidades?
  • Como é o envolvimento afetivo, social da turma com o aluno?
  • Qual é a opinião da escola (equipe pedagógica, diretor, professores, colegas de turma) sobre seu desenvolvimento escolar?
  1. Informações coletadas da/sobre a família:
  • Qual é a opinião da família sobre a vida escolar do aluno?
  • A família se envolve com a escola? Participa de reuniões, de comemorações entre outras atividades da escola?
  • Tem consciência dos direitos de seu filho à educação inclusiva? Exige a garantia de seus direitos?
  • A família identifica habilidades, necessidades e dificuldades na vida pessoal e escolar do aluno? Quais?
  • Quais as expectativas da família com relação ao desenvolvimento e escolarização de seu filho?

A partir da proposição do estudo de caso, estabelecem-se, então, seus instrumentos: o Plano de Atendimento Educacional Especializado (PAEE) e o Plano Educacional Individualizado (PEI), ambos de natureza pedagógica, que compõem o projeto político-pedagógico da unidade escolar. Esses documentos devem orientar o trabalho a ser desenvolvido na sala de aula comum, no âmbito do AEE, nas atividades colaborativas da unidade educacional e nas demandas de articulação intersetorial.

O Atendimento Educacional Especializado (AEE) configura-se como um conjunto de atividades e de recursos de acessibilidade e pedagógicos, organizados de forma institucional e contínua, que podem ser ofertados enquanto serviço da Educação Especial, a partir das Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), no contexto escolar, ou em centros de AEE da rede pública, além de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos. O AEE deve ser articulado com o(s) professor(es) regente(s) e com toda a comunidade escolar.

A relevância deste serviço é tamanha que está prevista na Constituição Federal, no artigo 208, inciso II, o qual estabelece o dever do Estado em oferecer Atendimento Educacional Especializado (AEE), compreendido como o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados de forma institucional e contínua, e deve estar incluído no Projeto Político-Pedagógico da escola.

A função do AEE – obrigatório tanto nas escolas públicas quanto privadas – é identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem barreiras para a plena participação dos estudantes. Conforme o art. 6º da Resolução nº 2/2001 CNE/CEB, para “a identificação das necessidades educacionais especia queis dos alunos e a tomada de decisões quanto ao atendimento necessário, a escola deve realizar, com assessoramento técnico, avaliação do aluno no processo de ensino e aprendizagem”.

O Plano de Atendimento Educacional Especializado (PAEE) é um documento obrigatório que deve ser continuamente atualizado e conter: 1) registro do estudo de caso; 2) definição de materiais e recursos para eliminar ou minimizar as barreiras no contexto educacional; 3) avaliação da necessidade e disponibilização de recursos de tecnologia assistiva e comunicação aumentativa e alternativa; 4) avaliação da necessidade de oferta de profissionais de apoio escolar, intérpretes de Língua Brasileira de Sinais e guias-intérpretes; 5) demandas para a rede de proteção social e articulação intersetorial.

Quanto às atribuições do profissional de Atendimento Educacional Especializado (AEE), o professor deve ter formação inicial que o habilite para o exercício da docência, bem como formação específica em Educação Especial, de modo a atender às necessidades específicas dos alunos, acompanhar a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade em todos os ambientes da escola, além de estabelecer articulação com a família e os professores da sala de aula comum.

Já o Plano educacional individualizado (PEI) deve conter 1) um plano de acessibilização curricular, considerando as atividades desenvolvidas na sala de recursos multifuncionais e a articulação com o professor regente e demais profissionais da unidade escolar, nos diferentes espaços; 2) medidas individualizadas de acesso ao currículo para os estudantes autistas.

É fundamental destacar que a realização do estudo de caso/avaliação não está condicionada à existência de laudo médico do aluno, considerando seu caráter educacional, com foco na garantia do acesso, permanência, participação e aprendizagem, conforme disposto na Nota Técnica nº 04/2014/MEC/SECADI/DPEE.

Neste liame não se pode considerar imprescindível a apresentação de laudo médico (diagnóstico clínico) por parte do aluno com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação, uma vez que o AEE se caracteriza por atendimento pedagógico e não clínico. Durante o estudo de caso, primeira etapa da elaboração do Plano de AEE, se for necessário, o professor do AEE poderá articular-se com profissionais da área da saúde, tornando-se o laudo médico, neste caso, um documento anexo ao Plano de AEE. Por isso, não se trata de documento obrigatório, mas, complementar, quando a escola julgar necessário. O importante é que o direito das pessoas com deficiência à educação não poderá ser cerceado pela exigência de laudo médico.

  1. Do profissional de apoio

Ainda no campo dos profissionais que compõem o conjunto de atores envolvidos no atendimento ao estudante com transtorno do espectro autista, não menos relevante é o inciso XVII, que garante a oferta de profissionais de apoio escolar. Este profissional está descrito no artigo 3º, inciso III, da LBI:

III – profissional de apoio escolar: pessoa que exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária, em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas e privadas, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas;

 Além disso, o Decreto nº 8.368/2014, que regulamentou a Lei nº 12.764/2012, prevê, em seu artigo 4º:

Artigo 4º É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar o direito da pessoa com transtorno do espectro autista à educação em sistema educacional inclusivo, garantida a transversalidade da Educação Especial desde a educação infantil até a educação superior.

(…)

§ 2º Caso seja comprovada a necessidade de apoio às atividades de comunicação,  interação social, locomoção, alimentação e cuidados pessoais, a instituição de ensino em que a pessoa com transtorno do espectro autista ou com outra deficiência estiver matriculada disponibilizará acompanhante especializado no contexto escolar, nos termos do parágrafo único do artigo 3º da Lei nº 12.764, de 2012.

 No que concerne à descrição de “comprovada a necessidade”, sugerimos que este aspecto seja avaliado a partir da perspectiva pedagógica, tendo por base o estudo de caso do estudante com transtorno do espectro autista, e indicado no Plano de Atendimento Especializado (PAEE), tendo como premissa o disposto na Nota Técnica nº 4/2014/MEC/SECADI/DPEE.

No mesmo sentido, a Comissão Permanente de Educação – COPEDUC, que integra o Grupo Nacional de Direitos Humanos – GNDH, aprovou, no final do mês de novembro de 2022, o Enunciado nº 22, posteriormente homologado pelo Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça – CNPG e publicado em janeiro de 2023, referente à Educação Especial e à disponibilização de profissional de apoio ou acompanhante especializado com o seguinte teor:

A análise sobre a necessidade de oferta de profissional de apoio escolar ou acompanhante especializado deve se dar na perspectiva do conceito social de deficiência, preconizado pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e no bojo da elaboração de plano individual de atendimento educacional especializado, não sendo laudo ou prescrição médica fundamento para tal fim, pois essa análise é de cunho estritamente educacional. Assim, as estratégias pedagógicas e de acessibilidade deverão ser adotadas pela escola, favorecendo as condições de participação e de aprendizagem, conforme Notas Técnicas nº 19, de 8 de setembro de 2010, e nº 24, de 21 de março de 2013, do Ministério da Educação (MEC)12.

Ressaltamos que, em 2010, foi editada a Nota Técnica nº 19/2010 MEC/SEESP/GAB, que trata do papel do profissional de apoio escolar. Segundo essa Nota:

Na organização e oferta desses serviços, devem ser considerados os seguintes aspectos:

(…)

          • Os profissionais de apoio às atividades de locomoção, higiene, alimentação, prestam auxílio individualizado aos estudantes que não realizam essas atividades com independência. Esse apoio ocorre conforme as especificidades apresentadas pelo estudante, relacionadas à sua condição de funcionalidade e não à condição de deficiência.
          • A demanda de um profissional de apoio se justifica quando a necessidade específica do estudante público-alvo da Educação Especial não for atendida no contexto geral dos cuidados disponibilizados aos demais estudantes.
          • Em caso de estudante que requer um profissional “acompanhante” em razão de histórico segregado, cabe à escola favorecer o desenvolvimento dos processos pessoais e sociais para a autonomia, avaliando juntamente com a família a possibilidade gradativa de retirar esse profissional.
          • Não é atribuição do profissional de apoio desenvolver atividades educacionais diferenciadas, ao aluno público-alvo da educação especial, e nem se responsabilizar pelo ensino deste aluno.

 Somam-se a essas atribuições o apoio às atividades de comunicação e interação social, quando e se necessário, considerando-se a amplitude do espectro e as diversas possibilidades de desenvolvimento das pessoas com transtorno do espectro autista.

É de suma importância destacar que ainda não há regulamentação sobre alguns aspectos, especialmente referentes ao grau de formação do profissional de apoio. No momento da elaboração deste parecer, esse aspecto encontra-se em discussão no âmbito da SECADI/MEC, que publicará diretrizes específicas sobre o tema.

8 –  Da formação continuada e da articulação entre professor regente e professor de AEE

 A Lei nº 9.394/1996 prevê, em seu artigo 59, a importância da formação de professores para o atendimento do público-alvo da Educação Especial, conforme excerto abaixo:

Os sistemas de ensino assegurarão aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação:

III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses estudantes nas classes comuns.

No mesmo sentido, nos incisos XI e XIV do artigo 28 da Lei nº 13.146/2015, está presente a busca pela concretização da inclusão em todos os níveis da educação, em especial com a garantia de acesso à Educação Superior e à formação de professores, com vistas a garantir a preparação desses profissionais para atuação:

Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:

XI – formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e intérpretes de Libras, de guias intérpretes e de profissionais de apoio;

(…)

XIV – inclusão em conteúdos curriculares, em cursos de nível superior e de educação profissional técnica e tecnológica, de temas relacionados à pessoa com deficiência nos respectivos campos de conhecimento;

O papel do professor regente da sala de aula comum no atendimento aos estudantes com transtorno do espectro autista, nas redes públicas e privadas de ensino, é de extrema importância para garantir a inclusão e o desenvolvimento pedagógico desses alunos. Ele é responsável por planejar, adaptar e implementar estratégias pedagógicas que atendam às necessidades pedagógicas de toda a turma. Deve estar preparado para garantir a acessibilidade curricular e metodológica, como a utilização de recursos visuais, estratégias de comunicação alternativa e a organização do ambiente da sala de aula, entre outros, de acordo com as necessidades educacionais dos estudantes com transtorno do espectro autista. Para isso, deve ser apoiado pelo professor do AEE e pela equipe pedagógica da escola onde atua.

O professor regente também desempenha papel importante em aspectos que superam as questões relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem, ampliando-se para questões sociais e éticas da inclusão educacional e social. Ou seja, seu papel inclui criar um ambiente acolhedor e respeitoso, estimular a interação entre os alunos com transtorno do espectro autista e seus pares, promover o respeito às diferenças e protegê-los de qualquer forma de discriminação ou preconceito.

Por fim, ressalta-se a importância do papel do Estado na formação continuada de professores e sugere-se que, além de possuir Licenciatura Plena em sua área de atuação, busquem formação continuada em educação inclusiva, a partir da perspectiva do modelo social da deficiência. Tais conhecimentos são essenciais para que o professor possa eliminar barreiras que possam prejudicar ou impedir o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem dos estudantes.

Desse modo, apresentamos nos tópicos elencados a seguir sugestões de processos e ações que podem ser adotados pelos professores da sala de aula comum para possibilitar a efetividade do processo inclusivo do estudante com transtorno do espectro autista:

          • Mobilizar o estudante para a participação em todas as atividades escolares e proporcionar as melhores condições de aprendizagem;
          • Orientar o profissional de apoio, se necessário, quanto à sua atuação no acompanhamento e apoio ao estudante;
          • Reunir-se periodicamente e trabalhar de modo articulado com o professor do AEE, visando a produção de materiais, orientações para ajustes nos planejamentos, recursos e estratégias de ensino.
          • Organizar estratégias, metodologias e recursos que estejam de acordo com as singularidades do estudante, sem perder de vista a importância do estudante se reconhecer como parte da história coletiva da sala e de seus pares;
          • Incorporar ao seu planejamento de ensino elementos que possam contribuir para a compreensão da diversidade e dos princípios da inclusão, como valores importantes para a vida em sociedade.

A atuação articulada entre o professor regente, o professor do atendimento educacional especializado e o profissional de apoio se afigura como essencial no processo inclusivo.

II – VOTO-VISTA DO RELATOR

Diante dos argumentos e evidências apresentados, voto favoravelmente às Orientações Específicas para o Público da Educação Especial: Atendimento a Estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), na forma deste Parecer.

Essa aprovação reflete a necessidade urgente de assegurar que as políticas educacionais e práticas pedagógicas atendam adequadamente às especificidades dos alunos com TEA, promovendo sua inclusão e desenvolvimento em ambientes educacionais.

 

Brasília (DF), XXX de XXXX de 2024.

Conselheiro Mauro Luiz Rabelo  – Relator

III – DECISÃO DO CONSELHO PLENO

 O Conselho Pleno aprova, por XXXX, o voto do Relator.

Sala das Sessões, em XXX de XXXX de 2024.

 

[1] A Declaração de Salamanca (Unesco, de 1994) constituiu um marco internacional no tratamento deste tema, uma vez que conclamava os países a adotarem o princípio da educação inclusiva, que significa matricular todas as crianças em escola regular, salvo fortes e excepcionais razões impeditivas.