Jurisprudência
06 ago 20 15:26

DECISÃO LIMINAR SUSPENDE REABERTURA DE ESCOLAS NO MUNCÍPIO DO RIO DE JANEIRO

Agravo de Instrumento nº 0051770-32.2020.8.19.0000


NOTAS:

1 – SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO CONTRA DECISÃO QUE SUSPENDE DECRETO MUNICIPAL 47683 DO RIO DE JANEIRO

2 – TJRJ CASSA LIMINAR QUE SUSPENDIA AS AULAS NO MUNICÍPIO DO RJ E A VOLTA AS AULAS PODE SE DAR A PARTIR DE 01/10/2020


 

(RM) Secretaria da Terceira Câmara Cível

Agravantes: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO e DEFENSORIA PÚBLICA GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Agravado: MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
Relator: DESEMBARGADOR PETERSON BARROSO SIMÃO

D E C I S Ã O

Trata-se de Agravo de Instrumento contra decisão que, em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública em face do Município do Rio de Janeiro, indeferiu pedido de tutela de urgência, nos seguintes termos (ind. 109):

É o relatório. Analisando detidamente os autos, entendo que deve ser mantida a decisão proferida pelo magistrado de primeira instância. Isso porque, apesar de apresentar longa peça processual, narrando o histórico de decretos e leis durante o período da pandemia de COVID-19, o fato é que os recorrentes já tinham ciência do conteúdo de Decreto Municipal de nº 47.488 desde o dia de sua edição, ocorrida em 02/06/2020, estando correto o magistrado a quo ao afirmar que a questão não poderia ser classificada como fato novo para fins de plantão noturno. 

O argumento dos recorrentes no sentido de que teriam tentado obter da Prefeitura respostas sobre as medidas de retorno e que teriam recebido respostas superficiais, também não permite concluir, de forma certa e irrefutável, que a atuação do ente federativo municipal estaria sendo feita de forma açodada e pouco técnica. Tal situação (informação deficitária do órgão público), pode até revelar o descumprimento de normas relacionadas à transparência, mas não, necessariamente, comprovar que estaria havendo suposta conduta irresponsável do ente municipal, o qual, diga-se, sequer teve tempo de ser ouvido nos autos originários. 

Também não merece acolhida o argumento dos agravantes no sentido de que a situação seria recente em razão de ter sido editado novo decreto no dia 31/07/2020 (sexta-feira), confirmando as informações do retorno no dia 03/08/2020 (segunda-feira). Isso porque, como dito pelos próprios recorrentes, o novo decreto apenas reafirmou uma situação que já estava anunciada há bastante tempo, sendo perfeitamente possível aos recorrentes, ao perceberem certa demora da Prefeitura em responder suas indagações, ajuizarem de imediato as ações cabíveis e em tempo razoável, conferindo ao ente federativo municipal a possibilidade de ser ouvido nos autos antes da decisão liminar a ser proferida pelo Poder Judiciário.

Entretanto, não foi essa a atitude dos recorrentes, que, pelo contrário, aguardaram o último dia para ajuizar, em plantão, uma enorme peça processual (de cinquenta laudas), contendo, ainda, vários documentos e pareceres que tratam sobre tema extremamente sensível (educação infantil e saúde pública). Ao que parece, tal conduta foi adotada justamente para impedir que o réu (ora agravado) tivesse qualquer oportunidade de ser ouvido nos autos, vindo a ser surpreendido com a prolação de uma decisão judicial desfavorável (fato que não passou desapercebido nem pelo juiz de plantão, tampouco por esta magistrada que ora redige a presente decisão).

No que se refere ao laudo da Fiocruz, indicando que não seria recomendável o retorno das atividades escolares neste momento, convém salientar que, em análise perfunctória (única que é possível fazer diante do curtíssimo tempo disponível para análise do caso), o referido documento faz projeções pessimistas de contaminação considerando genericamente um retorno obrigatório de todas as turmas de todos os níveis, o que, repita-se, não é o que está sendo feito pelo agravado. Nesse sentido, convém transcrever pequeno trecho do referido laudo, juntado à fl. 124 (indexador 000113 – dos autos originários – processo nº. 0150943-26.2020.8.19.0001). Confira-se: Ou seja, o trecho acima transcrito afirma ser arriscado o retorno das “atividades escolares” (sem especificar os segmentos desta atividade, o que leva à conclusão de que a análise da Fiocruz considerou o retorno integral e obrigatório de todos os alunos); menciona, ainda, a necessidade de se estabelecerem três fases para um retorno geral; indicando, por fim, a possibilidade de serem adotados fechamentos de grupos, de turnos e de determinadas escolas, tudo a depender do surgimento de algum caso da doença. Entretanto, no próprio decreto editado pela Prefeitura do Rio de Janeiro, pode-se constatar que não houve uma ordem de retorno obrigatório e geral, mas a mera possibilidade de retorno (portanto, voluntária) de algumas séries do segmento fundamental, que deverão, ainda, observar sistema de rodízio e evitar aglomerações. Nesse sentido, transcrevo pequeno trecho do Anexo II, do referido decreto. Confira-se: Sobre o argumento no sentido de que a Prefeitura não estaria adotando medidas técnico-científicas para garantir o retorno seguro das atividades escolares, entendo, ainda uma vez, que não houve convincente comprovação do fato. Pelo contrário, da leitura dos artigos 15, 16 e 18 do Decreto nº. 47.683/20, pode-se constatar que a Prefeitura estabeleceu sim várias regras a serem rigorosamente observadas por todos os estabelecimentos econômicos, prevendo, inclusive, sanção administrativa em caso de descumprimento. 

Nesse sentido, convém transcrever os referidos dispositivos. Confira-se: Art. 15. No curso do processo de retomada das atividades econômicas, a partir do Plano de Retomada, serão observadas as “Regras de Ouro”, entendidas como as ações que deverão ser rigorosamente observadas pelos estabelecimentos e prestadores de serviços, visando à mitigação da transmissão pelo novo Coronavírus. Art. 16. Para efeito do disposto no art. 15, constituem-se como “Regras de Ouro”, dentre outras: I – higienização das mãos, preferencialmente com água e sabão líquido, ou com álcool em gel setenta por cento; II – uso da máscara facial em todas as áreas comuns, e só retirá-la durante as refeições; III – observância do distanciamento de dois metros entre pessoas ou de ocupação máxima de uma pessoa a cada quatro metros quadrados nos ambientes fechados de acesso público, devendo ser evitado o uso de elevador e limitada a sua ocupação; IV – manutenção dos ambientes arejados, com janelas e portas abertas e sistemas de ar condicionado com manutenção e controle em dia; V – disponibilização de máscaras, luvas, toucas e outros equipamentos de proteção individual para as equipes de limpeza e demais funcionários, de acordo com a atividade exercida; VI – sensibilização quanto à etiqueta respiratória; VII – restrição de acesso às dependências dos estabelecimentos industriais, comerciais e de prestação de serviço, de clientes e colaboradores em estado febril ou com sintomas de contaminação; VIII – limpeza concorrente de todas as superfícies nos estabelecimentos industriais, comerciais e de prestação de serviço, a cada três horas, e a limpeza terminal após o expediente, com atenção à necessidade da limpeza imediata; IX – divulgação, em pontos estratégicos, de materiais educativos e de outros meios de informação sobre as medidas de prevenção à Covid-19, como as Regras de Ouro e o número de telefone da Central de Atendimento 1746. Parágrafo único. Para efeito do disposto neste Decreto, entende-se por: I – limpeza concorrente – o processo para a manutenção da limpeza realizado durante o funcionamento do estabelecimento, com frequência recomendada de, no mínimo, três horas; II – limpeza terminal – o processo mais completo e cuidadoso realizado de forma mais abrangente, antes ou após o encerramento das atividades; III – limpeza imediata – a que deve ser realizada no momento da ocorrência de uma possível contaminação de ambiente ou superfície. Grifos apostos. (…) Art. 18. A inobservância às Regras de Ouro de que trata este Decreto constituirá infração de natureza sanitária, na forma disposto no inciso IX, do art. 30, do Decreto Rio nº 45.585, de 27 de dezembro de 2018, que dispõe sobre o regulamento administrativo do Código de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária, de que trata a Lei Complementar nº 197, de 27 de dezembro de 2018, no tocante ao licenciamento sanitário e aos procedimentos fiscalizatórios, e dá outras providências, com a aplicação das sanções administrativas cabíveis, bem como poderá ensejar a configuração do crime previsto no art. 268 do Código Penal Brasileiro. Parágrafo único. O descumprimento reiterado das Regras de Ouro poderá ensejar, além das medidas sancionatórias previstas no caput, a cassação do licenciamento. Grifos apostos. Ou seja, mesmo ainda não tendo havido adequada resposta do agravado nestes autos, pode-se perceber, de forma bastante clara, que a conduta do ente federativo municipal está longe de ser considerada irresponsável, haja vista ter ele estabelecido “regras de ouro”
aplicáveis para todos os estabelecimentos econômicos que pretendem retomar suas atividades, prevendo, ainda, sanções severas em caso de descumprimento.

No que se refere ao argumento dos agravantes no sentido de que decisões estaduais mais restritivas deveriam prevalecer sobre decisões municipais menos restritivas, entendo, também, que não merece acolhida o ponto. Isso porque, em um estado democrático de direito a validade das normas decorre da competência constitucionalmente conferida a cada um dos entes federativos e não com base no maior ou menor grau de restrição do ato publicado. A intensidade de determinado ato administrativo, por óbvio, é um fator posterior à análise da competência, sendo, pois, descabida tal alegação.

No que se refere à questão da competência municipal para dispor sobre ensino fundamental particular, entendo que, em homenagem ao princípio do contraditório e da ampla defesa, faz-se necessário aguardar a manifestação do agravado, valendo-se salientar, todavia, que, apesar do disposto os artigos 16 a 18 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o artigo 211, § 2º, da CRFB/88, é bastante claro ao afirmar que os municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil,o que é justamente o caso do decreto que ora se pretende suspender. Portanto, diante de todos os argumentos acima explicitados, não há como, sem observância de princípios processuais basilares e, ainda, em decisão liminar e unipessoal, suspender os efeitos de um decreto editado pelo Chefe do Poder Executivo do Município do Rio de Janeiro, que, diga-se, é o segundo maior município do país e, evidentemente, conta com robusto corpo de especialistas nas diversas áreas do conhecimento humano, os quais são aptos a justificar a adoção das medidas de retorno especificadas em decreto.

Por essas razões, INDEFIRO O PEDIDO LIMINAR.

Rio de Janeiro, 03/08/2020. Tereza Cristina Sobral Bittencourt Sampaio – Desembargador do Plantão.

Alega a parte agravante que o Prefeito do Município do Rio de Janeiro editou decreto autorizando o retorno gradual de aulas presenciais a partir de 01/08/2020, no entanto, a determinação contraria as recomendações da Fiocruz, que é órgão credenciado pela Organização Mundial da Saúde. Informa que a Lei nº 13.979/2020 estabeleceu medidas para o enfrentamento da pandemia de COVID-19, sendo certo que o Ministério da Saúde editou a Nota Técnica de nº 9/2020 – CGPROFI/DEPROS/SAPS/MS. Informa que no Estado do Rio de Janeiro foram editados os Decretos de nº 46.970, de 13 de março de 2020, de nº. 46.973, de 16 de março de 2020, e de nº 46.984/2020 (decretação de , ocasião em que foram implementados vários atos por parte do governo do Estado do Rio de Janeiro, visando a minimizar a disseminação da doença. Salienta que, no dia 21/07/2020, o governador do Estado do Rio de Janeiro editou o Decreto nº. 47.176, determinando a suspensão, até 05/08/2020, das aulas presenciais nas unidades das redes pública e privada de ensino, sendo certo, que, no dia 02/06/2020, foi publicado o Decreto de nº. 47.488, estabelecendo seis fases para reabertura das diferentes atividades, que deveriam ocorrer após análise do “nível de
transmissão” e, também, da “capacidade de resposta do sistema de saúde”.

Esclarece que, percebendo a tentativa de reabertura das atividades presenciais de forma pouco técnica, o Ministério Público editou a Recomendação Conjunta nº 001/COVID/2020, solicitando maiores informações sobre o plano de retorno das atividades, bem como sobre a necessidade de manter o isolamento social, haja vista a recomendação dada pela Fiocruz, em 29/07/2020. Esclarece que, antes mesmo de apresentar respostas às perguntas feitas pelo Ministério Público, a Prefeitura, em 20/07/2020, anunciou, por meio do Decreto nº. 47.683, de 22/07/2020, o retorno das aulas presenciais para o 4º, o 5º, o 8º e o 9º ano, a ocorrer, de forma facultativa, nas escolas particulares da capital do Rio de Janeiro, a partir de 03/08/2020. Salienta que, somente no dia 23/07/2020, a Prefeitura respondeu às indagações feitas pelo Ministério Público e, mesmo assim, de forma bastante superficial. Destaca que o novo Decreto Municipal contraria as considerações feitas pelo próprio Comitê Científico da Prefeitura, uma vez que o Município ainda está na fase quatro do plano de flexibilização. Aduz que, no dia 31/07/2020, foi publicado o Decreto nº. 47.721/2020, que manteve a autorização para abertura das escolas privadas. Acrescenta que que o Município do Rio de Janeiro apresenta ainda indicadores elevadíssimos da contaminação, alcançando, em 23/07/2020, a marca de 68.334 casos confirmados, tendo uma taxa de letalidade de 11,54%, com o número de 7.887 óbitos, com mortalidade de 1100 por milhão de habitantes, enquanto que no Estado do Rio de Janeiro é de 742 por milhão. Aduz que cada escola deve ter políticas específicas para controle do contágio, realizadas por etapas e com a participação da comunidade escolar, sendo que o ensino à distância pode bem ser utilizado como forma de complementação da aprendizagem ou durante situações de emergência. 

Finalmente, alega que, na ADI 6.341, o Ministro Dias Toffoli afirmou a impossibilidade de decretos regulamentares confrontarem decretos estaduais, uma vez que os municípios não podem contrariar as determinações municipais, apenas suplementá-las, inclusive porque que cabe ao Estado (não ao município) legislar sobre o retorno do ensino fundamental e médio da rede privada de educação, conforme dispõem os artigos 16 a 18 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

São pedidos da parte agravante:

seja deferida liminar para antecipar os efeitos da tutela recursal e deferir todas as medidas de urgência requeridas na petição inicial; e (ii) ao final, seja conhecido e provido o presente recurso para o fim de reformar a decisão agravada, DEFERINDO-SE a TUTELA DE URGÊNCIA requerida na petição inicial.

Interposição de agravo interno (ind. 131).

É o relatório.

Pretende a parte agravante, em sede de tutela recursal, a obtenção de decisão judicial que suspenda os efeitos do Decreto Municipal de nº 47.683/20, e impeça a retomada imediata das aulas presenciais nas creches e escolas particulares, tendo em vista que tais atividades seriam capazes de causar aglomeração de pessoas, aumentando o risco de contaminação pelo Coronavírus.

De preâmbulo, registro: em que pese o brilhantismo da Excelentíssima Senhora Desembargadora Tereza Cristina Sobral Bittencourt Sampaio, que tanto admiro e respeito, a gravidade do cenário adverso à população faz com que este Magistrado, na qualidade de Relator Natural, reexamine a matéria em sede de recebimento deste recurso, não podendo aguardar pelo Colegiado, pois há precisão do poder de decidir agora.

Assim, melhor analisando o caso em comento, reconsidero a decisão de ind. 109, para deferir parcialmente a tutela recursal até o julgamento do mérito do presente agravo de instrumento por considerar prematuro, nesse momento, o retorno das aulas presenciais na rede privada, visto que não há recomendação proferida por autoridade médica ou sanitária nesse sentido.

Na origem, cuida-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro em face do Município do Rio de Janeiro, com o objetivo de suspender os efeitos do Decreto Municipal de nº 47.683/20, no ponto em que autoriza a reabertura, de forma voluntária, de creches e escolas privadas, até que haja comprovação técnico-científica, emitida por autoridade médica ou sanitária, no sentido de que é possível o retorno seguro das atividades escolares presenciais.

É inegável a complexidade das questões fáticas que envolvem o tema, sendo imperiosa a preservação do direito fundamental à saúde, com adoção de ações preventivas que dificultem ou retardem a disseminação da COVID-19, a fim de evitar o colapso do sistema de saúde. 

Sabe-se que o isolamento social, segundo a ciência, é a forma mais eficaz de combate à pandemia, visto que ainda não há vacina para a doença. O confinamento, por sua vez, pode impactar a saúde das crianças e adolescentes, alterando o comportamento, o sono e as emoções, notadamente porque estão há quase cinco meses sem o convívio no ambiente escolar.

Quando se fala em retomada das atividades escolares, cabe ressaltar que o Município possui competência para impor medidas protetivas aos estudantes, com o estabelecimento de planos e protocolos a serem adotados pelos estabelecimentos de ensino, devendo a conveniência e oportunidade, que fundamentam a escolha da administração, estar atreladas à tutela de saúde pública e amparadas em critérios técnicos.

Isso porque, acima do poder discricionário do Excelentíssimo Senhor Prefeito, encontra-se a supremacia e preservação da vida e saúde populacional em momento de extrema cautela e nunca de celeridade em busca de prematura normalidade. E, por esta razão constitucional, o Poder Judiciário pode, de forma legal e excepcional, intervir em políticas públicas sanitárias.

Tecnicamente, baseando-se nos estudos realizados, é fácil constatar que não estamos preparados para combater e vencer este super vírus altamente contagioso responsável por milhares de mortes. Por outro lado, nosso sistema de saúde não é tão eficiente como se deseja. Ainda, não existem vacinas e remédios precisos e até mesmo os diagnósticos não são rápidos como se espera.

Portanto, a prevenção, por ora, torna-se o melhor caminho a seguir, pois a saúde do ser humano será sempre a prioridade. E, a prevenção colide com a aglomeração de pessoas tal como ocorrerá se o decreto for cumprido nos seus exatos termos.

Confira-se trecho do recente laudo emitido pela Fiocruz, datado de 20/07/2020 (ind. 113 – fls. 123/125 – autos originários):

RETOMADA DAS ATIVIDADES ESCOLARES
[…]
Alguns critérios devem ser reforçados para o retorno, critérios que já foram colocados em documentos da Ensp/Fiocruz que devem ser considerados para o retorno das atividades escolares e orientados por especialistas e o setor saúde do estado ou do município, conforme listados abaixo: 

1. A transmissão da doença deve estar controlada. O município deve ter disponibilidade de pelo menos 30% de leitos disponíveis. Diminuição constante do número de hospitalizações e internações em UTI de casos confirmados e prováveis pelo menos nas últimas duas semanas. Diminuição do número de mortes entre casos confirmados e prováveis pelo menos nas últimas três semanas. O sistema de saúde deve estar pronto para detectar, testar, isolar e tratar pacientes e rastrear contatos. 2. Medidas preventivas devem ser adotadas nas escolas – apresentar um plano detalhado de medidas sanitárias, higienização e garantia de distanciamento entre as pessoas, de 2 metros, no ambiente escolar e salas de aula. Adotar medidas individuais com uso de máscaras para todos os alunos, trabalhadores e profissionais da educação, não sendo indicado para crianças abaixo de 2 anos e observando o aprendizado para o uso nas crianças entre 2 e 10 anos. 3. Controle dos transportes públicos e escolares para garantir o distanciamento social 4. Controle do risco de importação de doença, vinda de outros lugares. 5. Comunidades escolares devem ser capacitadas, engajadas e empoderadas para se adaptar às novas regras. Os pais, sempre que possível, através de suas organizações, trabalhadores da educação e professores devem estar participando no planejamento do retorno 6. Atenção para estudantes especiais. 7. Atenção para o bem-estar psicológico e socioemocional para toda a comunidade. Ao reabrir as escolas, os professores precisam lidar com os riscos à saúde e com o aumento da carga de trabalho para ensinar de maneiras novas e desafiadoras. As autoridades precisam garantir que os professores e toda a equipe recebam apoio psicossocial contínuo para alcançar seu bem-estar socioemocional. Isso será especialmente crítico para os professores encarregados de fornecer o mesmo apoio aos alunos e famílias. 8. Inclusão de professores e suas organizações representativas nas discussões sobre o retorno à escola. As organizações devem estar envolvidas para identificar os principais objetivos da educação, reorganizar os currículos e alinhar a avaliação com base no calendário escolar revisado. Devem ainda ser consultados sobre questões relacionadas à reorganização da sala de aula. 9. Trabalhadores da educação e Professores acima de 60 anos ou com comorbidades devem permanecer no isolamento social. 10. Garantir melhores condições de trabalho para toda a comunidade escolar. O retorno às atividades escolares pode revelar lacunas nos recursos humanos e criar horários e rotinas de trabalho difíceis. Os professores e suas organizações representativas devem ser incluídos no diálogo sobre o desenvolvimento de estratégias de recrutamento rápido, respeitando as qualificações profissionais mínimas e protegendo os direitos e as condições de trabalho dos professores. 11. Ampliar e manter recursos financeiros. Para garantir a continuidade da aprendizagem, as autoridades educacionais precisarão investir em professores e trabalhadores de apoio à educação, não apenas para manter os salários, mas também para fornecer capacitação essencial e apoio psicossocial. É importante que os governos resistam a práticas que possam prejudicar a atividade didática e a qualidade da educação, como aumentar as horas de ensino ou recrutar professores não capacitados.

RECOMENDAÇÕES E CONCLUSÕES

A maioria das pessoas que se contaminam, em torno de 80 %, são assintomáticas ou cursam com sintomas muito leves, em torno de 20% apresentam sintomas gripais e 5% agravam o estado de saúde, podendo necessitar de internação em leitos intermediários ou UTI. Crianças e jovens são menos propensos a quadros graves e podem ser portadores do coronavírus na cadeia de transmissão, o que coloca em risco de gravidade e morte as populações adultas, idosos e portadores de comorbidades. Mesmo crianças e jovens podem adoecer e evoluir necessitando de internação e UTI infantil. 

O Município do Rio de Janeiro precisa garantir que as escolas públicas e privadas apresentem seus planos específicos para abertura. O plano deve ter 3 momentos, antes de reabrir, monitoramento durante abertura e a abertura com as  possibilidades de retorno ao isolamento. É necessário a construção de diretrizes e protocolos rígidos para monitoramento e controle de casos, atenção redobrada para os alunos especiais e política de abordagem psicossocial e saúde mental.

Diante do exposto e da possibilidade de possível recrudescimento de casos e óbitos no município do Rio de Janeiro, ainda parece prematuro a abertura das escolas, no atual momento da pandemia pelo SARS-CoV2. É necessário que especialistas, epidemiologistas, infectologistas, pneumologistas, pediatras e outros acompanhem e monitorem todo o processo pandêmico. Principalmente para avaliar o impacto no número de casos e mortes com a reabertura dos outros processos produtivos na cidade do Rio de Janeiro.

Cabe assinalar que o Estado do Rio de Janeiro, conforme dados divulgados pelos órgãos oficiais na data de 05/08/2020, conta com 168.911
casos confirmados e 13.715 mortes (https://coronavirus.rj.gov.br/boletim/boletimcoronavirus-04-08-13-715-obitos-e-168-911-casos-confirmados-no-rj/). Já o Município do Rio de Janeiro registra 72.722 infectados e 8.419 óbitos (http://www.data.rio/datasets/painel-rio-covid-19).

Destaca-se que o número de contaminados pode ser bem maior do que o divulgado, uma vez que a testagem não é realizada em grande escala no Estado do Rio de Janeiro. 

Ademais, segundo orientação do Ministério da Educação, o ensino à distância tem sido amplamente adotado pela rede privada de ensino, como solução emergencial durante a pandemia do novo Coronavírus.

A tecnologia passou a fazer parte da rotina de milhares de alunos, sendo uma importante aliada no processo de aprendizagem, visto que a ferramenta, embora não substitua o ensino presencial, aproxima o aluno, a família e o professor, minimizando os prejuízos emocionais e educacionais em tempos de crise.

Nesse contexto, em juízo de cognição sumária, entendo que é precipitada a retomada das aulas presenciais, devendo ser desconsiderados os critérios utilizados pela Municipalidade, que não se mostram eficientes, por enquanto, para o controle da propagação da COVID-19, não obstante a adoção pelas escolas de rodízio de alunos e medidas de higiene.

Por tudo isso, há sérios indícios de que o referido decreto, como editado, pode efetivamente e de forma concreta prejudicar e colocar em perigo a vida e a saúde da população, que são garantidas pela Constituição Federal e pelas leis.

Finalmente, é de bom alvitre registrar que os autores recorrentes representam instituições de altíssimo nível de confiança e são exemplares no trabalho de proteção à sociedade, sendo o propósito neste litígio garantir a vida e a saúde das pessoas, anexando para tanto estudos científicos sobre a matéria.

Ante o exposto, com base no art. 1.019, inciso I, do CPC, 

DEFIRO PARCIALMENTE A TUTELA DE URGÊNCIA, até o julgamento do mérito recursal pelo Colegiado, para:

1) suspender os efeitos do Decreto Rio nº 47.683, de 22 de julho de 2020, Anexo II, na parte em que autoriza a reabertura das escolas privadas, de forma voluntária, para o 4º, 5º, 8º e 9º anos na Fase 5 (a partir de 1º de agosto de 2020);

2) determinar ao Município do Rio de Janeiro que se abstenha de expedir qualquer ato administrativo no sentido de promover o retorno às atividades educacionais presenciais nas creches e escolas da rede privada de ensino, ainda que facultativamente, em qualquer etapa, sob pena de multa diária, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser imposta pessoalmente ao Exmo. Sr. Prefeito do Rio de Janeiro e revertida em favor do Fundo previsto no artigo 13, da Lei 7.347/85.

Intime-se pessoalmente, por mandado, o Exmo. Sr. Prefeito do Rio de Janeiro para cumprimento da determinação acima.

Intimem-se os agravantes (Defensoria Pública: Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e Coordenação de Infância
e Juventude; e Ministério Público: 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Proteção à Educação da Capital).

Intime-se o Município do Rio de Janeiro, nos termos do art.1.019, II, CPC, para oferecer resposta no prazo de 15 dias. 

Intime-se a Procuradoria de Justiça.

Rio de Janeiro, data da assinatura eletrônica.

Desembargador PETERSON BARROSO SIMÃO
Relator

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