Artigos
12 jul 24 08:00

A Lei 9870/1999, utilizada na Defesa dos Direitos das Escolas Privadas

O exercício do direito com observância às leis é de grande relevância para as escolas. Por outro lado, a defesa desses direitos necessita de especialistas em Direito Educacional e, em alguns casos, da representatividade para acessar o Supremo Tribunal Federal com ações de inconstitucionalidade.

Recentemente, noticiamos mais uma vitória alcançada pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) julgada a favor das escolas, ADI 7.657, movida pela Confenen (Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino). Nessa ação, o STF concedeu liminar suspendendo um dispositivo da lei estadual do Rio de Janeiro que obrigava as instituições privadas de ensino a concederem aos clientes antigos os mesmos benefícios e promoções oferecidos aos novos.

A ADI contestou um dispositivo da Lei nº 10.327/24, que alterou a Lei Estadual nº 7.077/15, impondo a obrigação às instituições privadas de educação, em todos os níveis, de oferecerem aos clientes antigos os mesmos benefícios e promoções dados aos novos alunos. Destaca-se do Acórdão as breves considerações do Ministro Gilmar Mendes, que afirmou:

“Legislações como a ora impugnada – que versam sobre a obrigatoriedade de estender a clientes preexistentes os benefícios de promoções voltadas aos novos clientes – dispõem sobre direito civil, visto que impõem condições contratuais e, portanto, são formalmente inconstitucionais por violação ao art. 22, I, da Constituição Federal.”

Para o Ministro Alexandre de Moraes, relator da ADI, a lei fluminense extrapolou a competência estadual concorrente para legislar sobre consumo e contrariou as regras aplicáveis aos preços dos serviços prestados por instituições de ensino privado, conforme previsto na Lei federal 9.870/1999, norma que permite às instituições de ensino privado oferecer benefícios e vantagens de pagamento com condições contratuais diferentes entre si. Vejamos:

“A Lei nº 9.870/99 se estabelece como norma geral para a definição das mensalidades escolares em todo o país, autorizando as instituições de ensino privado a fixarem valores distintos para estudantes de diferentes anos ou semestres, proporcionais à variação de custos a título de pessoal e de custeio (art. 1º, § 3º), devendo comprovar a justa causa dessas variantes e novos reajustes, que podem ocorrer no ato da matrícula ou da sua renovação.”

Diante da assertiva contida no Acórdão, podemos concluir pelo menos três pontos: primeiro, que as escolas possuem autonomia para fixar seus preços com base em planilhas de custos; segundo, que as instituições de ensino podem estabelecer preços diferentes para diferentes anos ou semestres; e terceiro, a necessidade de renovação contratual anual ou semestral.

Para melhor entender essa assertiva de estabelecer preços diferentes para diferentes anos ou semestres, voltemos ao Acórdão que apresenta as seguintes considerações:

“…nesse contexto, os gastos que as instituições de ensino têm com as turmas de cada período letivo diferem entre si de acordo com o número de alunos, disciplinas e material exigido nos diferentes momentos do curso. Há também outras condições que justificam preços contratuais diferentes, como necessidades de aprimoramento do processo de ensino e pagamento de despesas como luz, água, tributos, salários de professores, reformas e outras despesas extraordinárias estipuladas para aquele ano ou semestre.”

Quer dizer, as planilhas de custos podem ser realizadas por classes, anos ou semestres letivos, e devem considerar o número de alunos matriculados por sala-classe (ano ou semestre), o aprimoramento pedagógico por série/ano ou semestre. Assim, o número de alunos por sala-classe é certamente um critério que pode pesar ou diferenciar a precificação por série-ano ou série-semestre, bem como o aprimoramento pedagógico.

Não obstante, o Acórdão traz também informações não só sobre os planos alternativos de pagamento, mas também quanto à renovação do contrato que deve se dar periodicamente, o que nos leva a afirmar que esta renovação não é automática como algumas instituições vêm realizando. Vejamos o Acórdão:

“Ainda, apesar da determinação de um valor anual ou semestral fixado periodicamente a cada contrato, a própria Lei Federal faculta à instituição de ensino privado ‘a apresentação de planos de pagamento alternativos, desde que não excedam ao valor total anual ou semestral apurado na forma dos parágrafos anteriores’ (§5º do art. 1º), possibilitando-lhe, nesse contexto, a oferta de benefícios e vantagens de pagamento a seus alunos de acordo com as especificidades dos períodos letivos, cada qual possuindo variáveis temporais que os tornam próprios, com condições contratuais diferentes entre si.”

A ADI 7.657 ataca apenas o item VI do Art. 1º da lei mencionada, de modo que a declaração de inconstitucionalidade beneficia apenas as instituições de ensino privadas, não os demais prestadores de serviços.

Segundo Alexandre de Moraes, a Constituição distribui entre os entes federativos a competência legislativa em diversas matérias, entre as quais o consumo e a educação foram reservados à União federal. Segundo o ministro relator, a legislação estadual contém:

“…disposições de natureza essencialmente consumerista que são conflitantes, no ponto, com o regime aplicável aos preços dos serviços prestados por instituições de ensino privado em âmbito nacional.”

Diante dessa assertiva, o ministro reafirma que a Lei Federal 9.870/1999 estabelece normas gerais para a definição das anuidades e semestralidades escolares em todo o país.

Assim, as escolas privadas estão autorizadas a fixar seus preços de acordo com a variação dos custos com pessoal e custeio, devendo os preços serem comprovados por planilhas de custos, bem como os reajustes, que devem, em teoria, ocorrer ao final de cada ano, período de recebimento de matrículas novas e renovações. Com base no disposto, o ministro argumenta:

“…não faz sentido que um desconto de mensalidade conferido espontaneamente pela escola ou universidade a determinado aluno que passa por dificuldades financeiras em virtude de uma situação excepcional alcance todos os estudantes com realidades financeiras diversas, ou que uma bolsa de estudos conquistada por um aluno de destaque seja estendida a todos os demais estudantes…”

“…não se pode obrigar que a instituição de ensino aplique o mesmo desconto fornecido a um calouro de determinado curso também a outro estudante universitário, de outro ano e/ou curso acadêmico, considerados os diferentes custos assumidos para a prestação de serviços em cada caso.”

Com base no disposto na Lei 9.870/1999, o ministro considera a inconstitucionalidade do dispositivo atacado na ADI:

“…plausíveis os argumentos apresentados pela requerente a respeito da incompatibilidade, em relação às instituições de ensino privado, da obrigação prevista na norma impugnada, e constato, nesse específico ponto, a aparente extrapolação da competência estadual concorrente para legislar sobre a matéria…”

A decisão favorece a norma geral que trata da fixação dos preços de anuidades e semestralidades escolares, Lei 9.870/1999, e nos incentiva a afirmar, ano após ano, que as escolas devem aprimorar seus processos de controle financeiro, planejamento para estabelecer preços, que devem ser comprovados por planilhas de custos.

Por fim, cumpre-nos destacar que a Confenen ajuizou várias outras ADIs relacionadas ao mesmo assunto, e todas foram julgadas procedentes. Vejam a relação abaixo:

Assunto

Resultado

6333/2020

PE – Lei 16.559/2019 – Determina extensão benefícios (descontos) a alunos preexistentes.

Procedente

6435/2020

MA – Lei 11.259/2020 – Determina redução mensalidade durante a pandemia.

Procedente

6448/2020

RJ – Lei 8.864/2020 – Dispõe sobre a redução das mensalidades durante a pandemia.

Procedente

6575/2020

BA – Lei 14.279/2020 – Desconto mensalidades durante a pandemia.

Procedente

6614/2020

RJ – Lei 8.573/2019 – Determina extensão benefícios (descontos) a alunos preexistentes.

Procedente

7104/2022

RJ – Lei 8.915/2020 – Obriga matrícula de inadimplente sem cobrança de juros.

Procedente

7179/2022

RJ – Apensada à 7104 – Obriga matrícula de inadimplente s/cobrança de juros

Procedente

7657/2024

RJ – Lei Nº 10.327, de 10 de abril de 2024 – restabeleceu a obrigação de os fornecedores de serviços de educação privadas, em todos os níveis (artigo 1º, parágrafo único, VI, da Lei Estadual nº 7.077/2015, modificada pela Lei Impugnada)

Procedente

 

Por: Dr. Ricardo Furtado – Consultor Jurídico Educacional, Tributário, Especialista em Ciências Jurídicas – 8/7/2024


Leia Mais: Governo do RS lança consulta pública sobre privatização de escolas estaduais