Os impactos da decisão do STF no critério de fixação de indenização por danos morais trabalhistas
Estamos vivendo um momento de mudanças no qual debates, questionamentos e reivindicações são conduzidos com o objetivo de tornar nossa sociedade mais igualitária, inclusiva, consciente e sustentável.
Estimulado por esses anseios, o Poder Público tem reagido por meio de um incremento na sua ação legislativa envolvendo a repercussão dessas questões na esfera das relações de trabalho. Assim, temos leis recentes que reforçam, algumas inclusive com penalidades mais severas, a importância de um olhar atento a esses temas. É o caso da Lei 14.457/2022 (implementa o Programa Emprega + Mulheres), da Lei 14.532/2023 (tipifica a injúria racial como crime de racismo), da Lei 14.611/2023 (dispõe a igualdade salarial e critérios remuneratórios entre homens e mulheres) e da Lei 14.612/2023 (inclui o assédio moral, assédio sexual ou discriminação entre as infrações disciplinares no âmbito da OAB).
O fato de a Resolução CVM 59/2021 estabelecer regras para que as empresas de capital aberto divulguem sua agenda de governança ambiental, social e corporativa (Environmental, Social and Corporate Governance – ESG), reportando de forma mais completa quais as medidas incorporadas à sua gestão, por exemplo, relativas à diversidade de gênero e racial na composição de empregados, também contribui para esse cenário.
Diante desse contexto, deixa de ser tolerável – muito menos aceitável – qualquer prática, ativa ou passiva, de cunho discriminatório ou ofensivo. Atitudes dessa natureza não apenas geram críticas e os temidos “cancelamentos”, mas verdadeiros impactos reputacionais.
Na perspectiva dos empregados, a alternativa para tentar se ressarcir de ofensas morais ou existenciais que entendem ter sofrido é, como regra, valer-se da Justiça do Trabalho. Nesse sentido, destaca-se que a discussão envolvendo indenizações por danos morais é o sétimo tema mais recorrente apenas no Tribunal Superior do Trabalho (TST), envolvendo aproximadamente 7.260 processos até maio deste ano.
Pela literalidade da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em especial o artigo 223-G, §1º, o juiz que entender pela existência de um dano moral deverá fixar a respectiva indenização com base na gravidade da ofensa e observados os seguintes “tetos” (os “Critérios de Quantificação”): em casos de ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido; em casos de ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido; em casos de ofensa de natureza grave, até 20 vezes o último salário contratual do ofendido; e em casos de ofensa de natureza gravíssima, até 50 vezes o último salário contratual do ofendido.
A constitucionalidade desse artigo foi recentemente apreciada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No julgamento finalizado em 23 de junho, a maioria dos ministros do STF seguiu o entendimento do relator, ministro Gilmar Mendes, no sentido de que é constitucional a possibilidade de quantificar os danos morais, utilizando-se o salário do trabalhador como valor de referência.
Os Critérios de Quantificação, no entanto, não devem ser considerados como “teto”, mas como um parâmetro orientador para os juízes. Em outras palavras, os valores previstos na CLT podem ser ultrapassados, com base nas especificidades da situação concreta, e desde que feito de forma fundamentada.
É preciso que se tenha em vista a relevância desse julgamento. As estatísticas demonstram a tendência crescente no número de processos chegando ao TST para discutir especificamente o valor das indenizações por danos morais fixado pelas instâncias inferiores. Só nos cinco primeiros meses deste ano, 20.134 processos sobre o tema foram distribuídos ao TST. Número esse acima do registrado em todo o ano de 2021 (20.079) e quase o mesmo número de 2022 (20.568).
Considerando o posicionamento do STF, perde força o usual argumento de defesa das empresas na busca da limitação do valor de eventuais indenizações por danos morais arbitradas pela Justiça do Trabalho, com fundamento no artigo 223-G da CLT.
Não obstante, em termos práticos, acredita-se que o racional que vinha sendo adotado pela Justiça do Trabalho para a fixação de indenização por dano moral permanecerá aplicável, ou seja, dependerá do caso concreto e observará circunstâncias como: a) gravidade do dano, b) o grau de culpa do ofensor, c) a capacidade econômica da empregadora e d) o nível socioeconômico da vítima. Tudo isso com o objetivo de compensar a ofensa e inibir a conduta do empregador (aspecto pedagógico), sem gerar um enriquecimento sem causa do ofendido.
Assim, para a redução efetiva de riscos, é essencial que as empresas continuem se atentando e adotando medidas eficazes de prevenção contra práticas com potencial de ofender moral ou existencialmente seus profissionais.
Entre elas podemos citar: 1) a realização de treinamentos, inclusive, com o envolvimento/reforço da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (Cipa), diante das novas atribuições introduzidas pelo Programa Emprega + Mulheres; 2) a implementação de políticas antidiscriminatórias e de igualdade de oportunidades; 3) a conscientização de toda a empresa sobre a importância do tema, por exemplo, por meio da divulgação de matérias jornalísticas e informativos periódicos; 4) a instituição de um canal de denúncias eficaz, empático, sigiloso e ágil, capaz de proporcionar um ambiente seguro e não retaliativo aos denunciantes de boa-fé; 5) a aplicação, sempre que necessária, de medidas disciplinares proporcionais à gravidade da ofensa; e, principalmente, 6) trabalhar para um ambiente de trabalho concretamente preparado para receber e incluir pessoas com diferentes perfis e ideologias, proporcionando a elas uma sensação de pertencimento.
Através dessas medidas, as empresas não apenas mitigam potenciais riscos trabalhistas futuros (ou, ao menos, sua eventual exposição financeira), mas também passam a ser referências no mercado, com a atração e fidelização de clientes, fornecedores e empregados, e respondendo com aos atuais anseios da sociedade.
Fonte: Jota, acesso em 28/07/23
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