TJRJ – Protocolo de segurança nas escolas que proibiram celulares ganha força para 2025
A proibição do uso de celulares nas escolas se tornou realidade em muitas instituições do ensino público e privado do Estado do Rio de Janeiro. No Município do Rio de Janeiro, o uso dos smartphones já é proibido, mas a Secretaria Municipal de Educação autoriza que fiquem guardados nas mochilas. O assunto deixou de ser mera preocupação dos pais e profissionais de Educação e gerou uma mobilização contrária ao uso do aparelho dentro de sala de aula em grupos virtuais e presenciais – e a expectativa é de que, no ano letivo de 2025, mais colégios implementem essa prática.
A conscientização da queda no desempenho escolar, ansiedade, baixa autoestima e bullying são algumas das justificativas, sendo que alguns pais já têm postergado a compra do aparelho. É o caso de Raul Moraes, que tem uma filha de 11 anos matriculada numa escola da Zona Sul do Rio onde não é permitido o uso de celular desde 2023. Ele participa do “Movimento Desconecta”, que une quem concorda em adiar a entrega dos smartphones para as crianças, ajudando as famílias a lutarem contra o argumento de que “todo mundo tem menos eu”.
“Decidimos adiar esse momento para quando ela estiver mais madura e for capaz de enfrentar os desafios da vida coletiva através das redes sociais. Ela pede e diz que ‘todas’ as amigas têm. Eu e minha esposa sempre conversamos sobre os celulares, como as crianças ficam alheias ao mundo real e só querem saber do celular e das últimas trends. As ‘tretas’ que acontecem naturalmente na escola passaram a invadir as casas através dos celulares após o horário escolar. Sem esse tempo longe dos problemas, as crianças não conseguem relaxar e esquecer do problema, refletir sobre ele e pensar nas situações e voltarem renovadas no dia seguinte. O problema te persegue. Acho que o principal sinal de alerta é quando a criança não quer mais conversar com os pais, deixa de brincar ou sair de casa preferindo ficar colada na tela do celular. E, ao ter o acesso ao celular limitado, tem comportamentos agressivos. Esses são sinais que mostram que se trata de um vício, que foi muito planejado pelas grandes empresas de tecnologia para fazer com que as pessoas passem cada vez mais tempo acessando as propagandas. Infelizmente, as crianças são muito mais suscetíveis a esse vício e ainda não tem desenvolvimento para avaliar os danos e como se defender deles”, avalia.
A juíza Vanessa Cavalieri, há nove anos titular da Vara da Infância e da Juventude da Capital e, também, coordenadora do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) de Justiça Restaurativa do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), é responsável por julgar casos envolvendo menores infratores. Ela observa que o uso de redes sociais sem controle adequado de pais levou a uma mudança no perfil dos jovens que passam pelo Tribunal, com o aumento expressivo de casos envolvendo alunos de escolas de elite em crimes como violência de gênero e pornografia infantil.
“Hoje, eu tenho um número altíssimo, crescente, de adolescentes de classe média e classe alta. Em quase todas as melhores escolas do Rio de Janeiro têm casos e num contexto de uma violência que vem através do uso da internet sem supervisão. Por causa do uso excessivo do celular nas escolas, as crianças e os adolescentes estão deixando de conviver e de estabelecer boas relações. Isso gera bullying, exclusão e violência. O Pisa (avaliação internacional de aprendizagem) mostra que a sensação de solidão na escola disparou desde 2012. Com o celular na mão, as crianças não convivem. A convivência é imprescindível para estabelecer boas relações. Por isso, tem que ser proibido a todos, inclusive no Ensino Médio”, ressalta.
A magistrada conta que, inicialmente, a preocupação veio de uma experiência pessoal, mas, depois, passou a ser uma meta para prevenir a violência nas escolas com o aumento de casos e, por isso, criou o “Protocolo Eu te Vejo” no Instagram para conscientizar famílias, escolas e o sistema de Justiça sobre o tema e transformar as relações dentro das escolas, tornando o ambiente mais respeitoso, acolhedor e inclusivo.
“Comecei a ter essa visão de que o celular era prejudicial quando as minhas filhas, que hoje são adolescentes e, na época, ainda eram crianças, passaram para o Fundamental II. Na escola que elas estudavam passou a ser permitido usar o celular nos horários de intervalo, de recreio, e eu comecei a observar que as crianças paravam de brincar e ficavam no celular. Como minhas filhas ainda não tinham celular, elas começaram a pedir porque ficavam no recreio sem ter com quem brincar. Depois, eu comecei a estudar sobre o assunto e comecei a ver as evidências científicas de que o uso precoce de telas e o uso dos celulares nas escolas acabava prejudicando a convivência e aumentando a violência escolar, a indisciplina, piorando o clima da escola.”
No caso de Fernanda de Oliveira Martins Vieira, mãe de uma criança de sete e outra de quatro anos, a escolha do colégio para matricular os filhos, em 2024, foi decidida ao saber que o celular é proibido durante o período escolar (inclusive nos momentos de pátio). Segundo ela, o colégio proporciona espaço para palestras sobre o tema com os pais, inclusive com participação da juíza Vanessa Cavalieri – para todas as turmas do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio.
“As palestras foram muito positivas e abriram os olhos de muitas famílias para as consequências do uso precoce e indiscriminado de smartphone por crianças e adolescentes. Minha preocupação é a dependência, acesso a conteúdo impróprio ou inapropriado para a idade, cyberbullying e, principalmente, perda de experiências importantes na vida real por estarem na tela. Por enquanto, meus filhos não têm celular, estamos sempre equipados com jogos e papéis para desenhar. Em outra ocasião, tive uma experiência com um encontro de pais num piquenique com várias crianças que precisei brincar com a minha filha porque era a única que não tinha celular e estava sendo excluída, enquanto os pais bebiam e conversavam entre si”, relata.
“Desde que eu comecei a fazer palestras nas escolas, tenho notado um avanço na proibição, no banimento do uso de celular. E, a partir daí, o feedback das escolas que proibiram os celulares mostra que o clima tem melhorado, os alunos estão convivendo mais, estão brincando, estão conversando, estão jogando, estão passando o recreio interagindo uns com os outros, a atenção na sala de aula melhorou, as notas melhoraram, então o desempenho acadêmico melhorou e a violência na escola, o bullying e os atritos entre os alunos tem sido menos frequente”, revela a juíza Vanessa Cavalieri.
Para Valéria Picorelli Walte, coordenadora do Instituto Nossa Senhora da Piedade, localizada no Flamengo, a decisão pela proibição que passou a valer a partir de março de 2024 trouxe resultados positivos. Ela percebeu a mudança no comportamento das crianças e adolescentes dentro de sala de aula. De acordo com a coordenadora, o apoio dos pais contribuiu muito.
“A proibição ocorreu após analisarmos dados sobre a dispersão durante as aulas, resultado acadêmico, o aumento dos conflitos virtuais e a pouca interação entre eles. Os pais reagiram muito bem e apoiaram a escola. Essa parceria foi fundamental. A importância da concentração, atenção durante as aulas e a socialização entre eles são prioridades que não podemos abrir mão. Nós valorizamos esse contato real e para que a adaptação fosse favorável, levamos informação aos alunos, famílias, professores e funcionários com dados estatísticos, palestras sobre os prejuízos e, principalmente, os ganhos que teríamos com o ‘detox’ do celular neste tempo primordial da vida deles. Criamos mais atividades de convivência durante as aulas e recreios. A cada etapa letiva percebíamos a evolução através do relato dos professores e dos próprios alunos de que estavam com mais foco e atentos nas aulas”, esclareceu.
Mas para a juíza Vanessa Cavalieri, a solução para minimizar os efeitos nocivos da introdução precoce das telas na vida cotidiana passa pela regulamentação das redes sociais.
“As plataformas de redes sociais precisam ser obrigadas a ter moderação ativa do conteúdo, seja com algoritmos ou com funcionários, excluindo o conteúdo criminoso que é postado. Além disso, tornar obrigatória a identificação facial do usuário, porque essa é a forma mais segura de evitar que crianças e pessoas nessa idade mínima acabem por utilizar as redes sociais declarando uma idade falsa. A gente tem hoje muitas redes sociais que são usadas por criminosos para postar conteúdo de abuso sexual infantil, conteúdo de instigação ao suicídio, transtornos alimentares, enfim, vários conteúdos que são criminosos e prejudiciais para crianças e adolescentes”, alerta a magistrada.
Fonte: Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, acesso em 07/01/24