Jurisprudência
24 jun 16 15:32

RECUSA DE RENOVAÇÃO DE MATRÍCULA DE ALUNO COM NECESSIDADE ESPECIAL (F)

Recusa de instituição de ensino em proceder à rematrícula de aluno que, no ano letivo anterior, apresentou sérios problemas disciplinares, com comportamento ofensivo aos demais colegas e professores e episódios de violência física.

A decisão do juízo de origem que determinou a rematrícula em antecipação dos efeitos da tutela, não caracterizada a fumaça do bom direito, que seria requisito para a concessão da tutela liminar – direito fundamental à educação que não justifica a supressão da autonomia de instituição privada de ensino de dispor sobre regras disciplinares e zelar pela segurança e bem-estar dos demais alunos e funcionários.

O fato de sofrer o menor de déficit de atenção e hiperatividade não permite configurar automaticamente comportamento discriminatório por parte da escola. Questão que apenas pode ser esclarecida em sede de cognição exauriente.


INTEIRO TEOR

AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 0014999-94.2016.8.19.0000 – 23ª Câmara Cível- Consumidor

 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 23ª CÂMARA CÍVEL-CONSUMIDOR

 AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 0014999-94.2016.8.19.0000

 Agravante: COLÉGIO NOVO RIO – ETERJ

Agravado: LUCAS GOMES DE ARAUJO MIRANDA

Relator: Desembargador CELSO SILVA FILHO

 AGRAVO DE INSTRUMENTO. Recusa de instituição de ensino em proceder à rematrícula de aluno que, no ano letivo anterior, apresentou sérios problemas disciplinares, com comportamento ofensivo aos demais colegas e professores e episódios de violência física. A decisão do juízo de origem que determinou a rematrícula em antecipação dos efeitos da tutela, não caracterizada a fumaça do bom direito, que seria requisito para a concessão da tutela liminar – direito fundamental à educação que não justifica a supressão da autonomia de instituição privada de ensino de dispor sobre regras disciplinares e zelar pela segurança e bem-estar dos demais alunos e funcionários. O fato de sofrer o menor de déficit de atenção e hiperatividade não permite configurar automaticamente comportamento discriminatório por parte da escola. Questão que apenas pode ser esclarecida em sede de cognição exauriente. RECURSO PROVIDO.

 ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do agravo de instrumento 0014999-94.2016.8.19.0000, em que figuram, como agravante, COLÉGIO NOVO RIO – ETERJ e como agravado LUCAS GOMES DE ARAUJO MIRANDA.

 ACORDAM   os Desembargadores  que compõem a 23ª Câmara Cível, por unanimidade de votos, em DAR PROVIMENTO ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator.

RELATÓRIO

 Adoto o relatório de fls. 29/30 – IE 29, na forma regimental (art. 92, o RITJRJ).

 VOTO

 O recurso apresenta todos os seus requisitos de admissibilidade, pelo que dele conheço.

 O cerne do recurso consiste em saber se o menor faz jus a ter sua matrícula liminarmente restabelecida junto à instituição de ensino Agravante, em sede de antecipação de efeitos da tutela.

 Assiste razão ao Agravante.

 Baseou-se a decisão interlocutória ora agravada na invocação do direito fundamental à educação.

 Trata-se, porém, de previsão constitucional que determina ao Estado a garantia da existência de vagas nos bancos escolares para todas as crianças e adolescentes em idade escolar, que não se confunde, em absoluto, com um suposto dever oponível à iniciativa privada de aceitar, em instituição de ensino particular, qualquer aluno que nela deseje se matricular.

 O regimento interno de uma instituição de ensino, particularmente no que tange à disciplina de seus alunos, mostra-se de fundamental importância, ao menos, por duas ordens de razão.

 Do ponto de vista da qualidade do serviço oferecido, não apenas garante a segurança dos alunos em face do comportamento dos seus colegas, como ainda oferece a esses alunos uma educação em nível mais amplo, no sentido de observar a disciplina, a hierarquia escolar, o respeito aos colegas e o comportamento responsável, valores cada vez menos ministrados aos menores pelas respectivas famílias na sociedade atual.

Do ponto de vista estritamente jurídico, por outro lado, resguarda-se a escola da eventual responsabilidade por danos de natureza moral ou material que seus alunos possam vir a causar enquanto estejam sob sua vigilância, responsabilidade esta que lhe poderia ser atribuída à luz dos arts. 932 e 933 do Código Civil.

Não se trata, portanto, de regra de menor importância aquela estabelecida pelo regimento da escola, que não pode ser desconsiderada, sobretudo em sede de medida liminar.

Além disso, invoca a decisão ora agravada o Estatuto da Pessoa com Deficiência, aludindo ao dever das escolas de promover uma educação inclusiva.

 Ocorre que o menor, ora Agravado, não foi discriminado, a julgar pelas alegações da escola, por qualquer condição pessoal sua; ao contrário, o motivo da não renovação da matrícula decorre de comportamento agressivo e desrespeitoso dirigido contra os demais alunos e os funcionários da instituição.

Não há cabimento em se impor, em nome de uma inclusão a todo custo, risco aos demais alunos e funcionários, nem em se aniquilar a autonomia da instituição de ensino e esvaziar sua autoridade na estipulação de normas disciplinares aos alunos, o que poderia acontecer caso se difundisse a prática de concessão judicial liminar de manutenção de matrícula de alunos recusados por problemas comportamentais.

A questão, como se percebe, apenas pode ser resolvida de forma adequada em sede de cognição exauriente do caso, quando poderá o magistrado aferir se, de fato, ocorreu discriminação ou recusa injusta do aluno pela instituição de ensino.

Neste momento, porém, o que se tem é um relato detalhado da instituição de ensino de comportamentos inadequados, tais como brigas em sala de aula, ofensas e xingamentos dirigidos a alunos e professores, agressões físicas como “soco na cara de outro colega” (fl. 9) e chutes desferidos contra outro colega e assim por diante, reiterados quase todos os meses do ano de 2015.

Nesse cenário, não restam verificados os requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela previstos pelo art. 273 do CPC/1973, que regia a relação processual ao tempo em que foi proferida a decisão recorrida.

De fato, não se vislumbra no caso a fumaça do bom direito do Agravado, uma vez que não apenas parece ter sido motivada a recusa à rematrícula como, por evidente, o direito fundamental à educação não se confunde com um suposto direito fundamental a ser educado em uma instituição de ensino privada específica.

O alegado direito do Agravado torna-se ainda menos caracterizado em caso de rematrícula para início de novo ano letivo, uma vez que, nesse caso, não há interrupção do ano escolar do menor, com menor prejuízo à sua formação.

Ademais, como já afirmado, o fato de o aluno sofrer de déficit de atenção e hiperatividade e depender de medicamentos não torna automaticamente discriminatória a recusa à rematrícula, não sendo de se afastar a autonomia da escola para avaliar se a admissão do aluno pode gerar risco para os demais alunos e para os funcionários.

Vale destacar, nesse ponto, que o laudo médico de fl. 58 esclarece que os referidos medicamentos têm sido usados de forma irregular pelo menor.

Ante o exposto, o voto é pelo PROVIMENTO DO RECURSO, para reformar a decisão que concedeu tutela liminar ao Agravado, afastando-se o dever do Agravante de proceder à rematrícula do aluno até o julgamento definitivo da controvérsia.

Rio de Janeiro-RJ, na data da assinatura digital.

CELSO SILVA FILHO

Desembargador Relator

 

 


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