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16 jul 24 08:00

Questões Problemáticas que Incidem sobre o Projeto da Reforma Tributária Aprovada na Câmara dos Deputados

O Relatório do Projeto de Lei Complementar – PLP 68/2024, em nosso entendimento, é extremamente mal redigido, e as escolas terão sérios problemas com o disposto nos artigos da Reforma. Vejamos:

O artigo 5º dispõe que o IBS e CBS incidirão sobre as operações, ainda que não onerosas. Nesse sentido, a primeira questão é: a prestação do serviço educacional com a concessão de bolsas de estudo é não onerosa? Vejamos o artigo 5º:

Art. 5º O IBS e a CBS também incidem sobre as seguintes operações, ainda que não onerosas: I – fornecimento não oneroso ou a valor inferior ao de mercado de bens e serviços para uso e consumo pessoal: a) do próprio contribuinte, quando este for pessoa física; b) das pessoas físicas que sejam sócios, acionistas, administradores e membros de conselhos de administração e fiscal e comitês de assessoramento do conselho de administração do contribuinte previstos em lei; c) dos empregados dos contribuintes de que tratam as alíneas “a” e “b” deste inciso.

Em uma simples leitura do dispositivo, poderíamos dispor que a bolsa de estudo é uma prestação de serviços não onerosa ou com valor inferior ao de mercado a pessoa física, ou mesmo a empregados da escola. Assim, diante do caput do artigo, inciso e alíneas, as escolas estariam obrigadas ao pagamento do IVA (IBS e CBS) sobre as bolsas concedidas.

Entretanto, o inciso III, do parágrafo 1º, do artigo 5º, excetua as bolsas de estudo do pagamento do IBS e CBS, remetendo o leitor à Seção X desse capítulo. Essa seção trata da incidência do IBS e CBS. Vejamos o que determina o inciso III do parágrafo 1º do artigo 5º:

Art. 5º …

§ 1º A incidência de que trata o inciso I do caput: I – se dará na forma do disposto na Seção X deste Capítulo; II – também se aplica ao fornecimento não oneroso ou a valor inferior ao de mercado de bens e serviços para uso e consumo pessoal de cônjuges, companheiros ou parentes, consanguíneos ou afins, até o terceiro grau, das pessoas físicas referidas nas alíneas “a”, “b” e “c” do inciso I do caput; e III – não se aplica aos benefícios educacionais concedidos por instituições de ensino a seus empregados e dependentes, inclusive mediante concessão de bolsas de estudo ou de descontos na contraprestação, desde que tais benefícios sejam oferecidos a todos os empregados, autorizada a diferenciação em favor dos empregados de menor renda ou com maior núcleo familiar.

 

Com base nesse inciso III, poderíamos dispor que os benefícios educacionais concedidos, como bolsas de estudo a empregados e dependentes, não estariam sob a incidência do IBS e CBS, pois foram excluídos. Corroborando com esse pensamento, podemos destacar o disposto no artigo 7º que dispõe:  O IBS e a CBS não incidem sobre: I – fornecimento de serviços por pessoas físicas em função de: a) relação de emprego com o contribuinte;…

Todavia, como vimos anteriormente no artigo 5º, parágrafo 1º, o IBS e CBS incidirão na forma da Seção X do capítulo, nas operações não onerosas ou valor não inferior ao de mercado de bens e serviços. Em uma leitura do dispositivo, surge novamente a seguinte questão: bolsas de estudo são prestação de serviço não oneroso, seja ela parcial ou não? Vejamos o artigo 39, da Seção X do capítulo:

Seção X – Do Fornecimento de Bens e Serviços para Uso e Consumo Pessoal

Art. 39. A incidência do IBS e da CBS sobre o fornecimento não oneroso ou a valor inferior ao de mercado de bens e serviços para uso e consumo pessoal de pessoas físicas, de que tratam o inciso I do caput e o inciso II do § 1º, ambos do art. 5º, se dará na forma do disposto nesta Seção.

§1º Os bens e serviços fornecidos para uso e consumo pessoal de que trata o caput abrangem, inclusive:

I – a disponibilização de bem imóvel para habitação, bem como despesas relativas à sua manutenção;

II – a disponibilização de veículo, bem como despesas relativas à sua manutenção, seguro e abastecimento;

III – a disponibilização de equipamento de comunicação;

IV – serviço de comunicação;

V – serviços de saúde;

VI – educação; e

VII – alimentação e bebidas.

Estamos diante de uma contradição ou uma aparente contradição dos dispositivos do artigo 5º, que exclui as bolsas de estudo do IBS e CBS, com o artigo 39, que dispõe sobre a incidência desses tributos sobre o fornecimento não oneroso ou a valor inferior ao de mercado, inclusive para educação.

Quer dizer, o artigo 5º, inciso III, parágrafo 1º, ao excluir as bolsas de estudo da incidência do IBS e CBS para pessoas físicas, inclusive funcionários, colide com a determinação do disposto no artigo 39, parágrafo 1º, IV, que dispõe que o fornecimento de serviços não onerosos ou a valor inferior ao de mercado para uso e consumo pessoal deve incidir o IBS e CBS.

A resposta a essa questão não nos parece simples, pois as bolsas de estudo, em nosso entender, são uma prestação de serviços não onerosa, com menor preço se observado os demais alunos que pagam valores integrais. Todavia, visando uma resposta plausível para a questão, podemos dispor que o texto trata dos descontos comerciais ou descontos por pontualidade, e, sobre estes, incidirão o IBS e o CBS. Todavia, isso não está claro no texto e essa omissão pode levar os intérpretes a diversos caminhos e conflitos judiciais.

Outros intérpretes poderiam dispor que o texto trata de uma isenção, o que nós ousamos discordar, pois isso não está claro no texto legislativo. Preferimos dispor que o texto excetuou a incidência do IBS e CBS sobre as bolsas de estudo, contudo, estamos diante de uma contradição devido à falta de definições claras.

Para não ser muito extenso nas colocações, poderíamos dispor ainda que a prestação não onerosa poderia se dar no âmbito, por exemplo:

  1. Dos Cursos Livres e Oficinas Gratuitas: Muitas instituições educacionais oferecem cursos livres ou oficinas gratuitas para a comunidade. Exemplos incluem aulas de idiomas, cursos de informática, oficinas de arte e música.
  2. Os Programas de Extensão Universitária: Universidades privadas frequentemente oferecem programas de extensão que são gratuitos ou a preço reduzido, como palestras, workshops e minicursos abertos ao público em geral.
  3. Escolas Filantrópicas, Fundações e Comunitárias: Escolas filantrópicas, fundações e comunitárias oferecem educação a preço reduzido ou mesmo gratuita para populações de baixa renda. Essas instituições são imunes ou isentas de certos tributos, mas se enquadram na prestação de serviços educacionais.

Em nossa visão, o texto deixa dúvidas na sua aplicação. É necessário que o Senado Federal corrija essa distorção. Por ser mal escrito, existe, sim, uma contradição, pois deixa margem a diversas interpretações.

Caso não seja possível a correção, as escolas deverão já estar pensando em deixar de utilizar o desconto promocional e, ainda, deixar de oferecer cursos gratuitos à sociedade, seja ele de qualificação ou outro qualquer.


Por: Dr. Ricardo Furtado – Consultor Jurídico Educacional, Tributário, Especialista em Ciências Jurídicas – 12/07/2024