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18 set 23 07:24

Educação sexual nas escolas: entenda por que Unesco e especialistas dizem que ela deve ser tema na sala de aula

 

Embora grupos defendam que só a família converse sobre sexualidade, especialistas recomendam que professores participem do processo, ensinando, por exemplo, nomes das partes do corpo e respeito à privacidade.

O que se espera das escolas, quando psicólogos e entidades como a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) defendem educação sexual para crianças? Por que eles recomendam que o tema seja abordado pelos professores desde cedo?

Fique tranquilo: são conteúdos que passam longe de qualquer risco de erotização precoce. A intenção é ensinar seu filho ou filha a: se cuidar, entender como fazer a higiene íntima, conhecer o próprio corpo e se proteger de casos de abuso.

Nesta reportagem, entenda:

 

Por que a escola deve participar do processo;

As razões de a educação sexual não “adultizar” as crianças;

A forma de trazer abordagens leves e lúdicas para temas “pesados”;

A importância da parceria com a família;

A melhor solução para as dúvidas (repetidas) dos alunos;

O aspecto fundamental de formar professores.

 

 

Quer um exemplo de dinâmica? No Instituto Criança é Vida, que promove atividades de educação sexual no contraturno escolar para crianças em vulnerabilidade, os alunos de 7 a 9 anos aprendem o que é menstruação.

“Compramos tinta guache vermelha para fazer uma atividade. Alguns colocam algumas gotinhas no absorvente, outros, mais, para aprenderem que as mulheres têm diferentes fluxos menstruais”, explica Regina Stella, diretora superintendente. “Depois, ensinamos a descartar direitinho, sem deixar o absorvente aberto no lixo.”

Os resultados do projeto ficaram evidentes quando uma das meninas menstruou na escola e sujou o uniforme – os meninos, que também haviam participado da dinâmica, em vez de fazerem piadas inapropriadas, acolheram a amiga e arranjaram um casaco para ela amarrar na cintura e cobrir a mancha de sangue.

“Misturar os educandos é importante, porque todos precisam aprender a se colocar no lugar do outro”, afirma a psicóloga Ana Cláudia Bortolozzi, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

“Defendo que a educação sexual esteja presente sempre no currículo: é com informação que vamos ensinar noções de prevenção e respeito. Sexualidade é uma dimensão humana – desde cedo, as crianças devem saber os nomes das partes do corpo e distinguir se um toque [de alguém] é errado ou não”.

Mas é papel da escola?

Há grupos de pais que defendem a educação sexual como dever apenas da família, e não da escola. As próprias políticas do Ministério da Educação (MEC) nos últimos governos sofreram um vaivém de posicionamentos quanto à inclusão do tema em sala de aula.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), por exemplo, – aquele documento que prevê os conteúdos mínimos que devem ser ofertados pelas redes de ensino -, tinha, em suas três primeiras versões, menções a “sexualidade e gênero” de uma forma mais crítica e reflexiva. Diante da resistência de certos setores da sociedade, o MEC retirou o conteúdo da versão oficial da BNCC.

Atualmente, o documento restringe-se a conteúdos sobre puberdade, métodos contraceptivos e mudanças hormonais (e apenas a partir do 8º ano do ensino fundamental). Com exceção do trecho que fala “nas múltiplas dimensões da sexualidade humana”, todas as referências ao tema são focadas em aspectos biológicos.

Outro exemplo de divergência em políticas públicas é o Programa Saúde na Escola, iniciado em 2006, com o objetivo de levar às escolas públicas ações de prevenção, promoção e atenção à

Trabalho conjunto

 

Para os especialistas é importante que as famílias estejam ao lado das escolas na tarefa de ensinar as crianças a conhecer o próprio corpo, a entender as noções de intimidade e a se proteger de casos de abuso.

“Na realidade brasileira, as crianças vão muito cedo para a escola e passam a maior parte do tempo lá. Entra aí a responsabilidade da educação infantil de ensinar as noções de autocuidado para os pequenos. Não ensinamos o que é nariz, o que é olho? É importante que saibam o nome dos órgãos genitais também”, diz Angelita Wisnieski, psicóloga infantil do Hospital Pequeno Príncipe (PR), o maior hospital exclusivamente pediátrico do país.

“Não falar disso é mostrar para as crianças que esse assunto é tabu. Precisamos tratar como algo natural.”

Quando seu filho entende o nome do pênis e da vagina, por exemplo, estará preparado para relatar às pessoas de confiança (sejam os pais, os avós ou os professores) se alguém pedir para ver essas regiões ou tocar nelas.

Os assuntos vão surgindo no dia a dia da escola, de forma espontânea. Imagine na hora de todo mundo brincar no tanque de areia do parquinho: o professor deve ensinar que, com as mãos sujas, não podemos encostar nas nossas partes íntimas, conta Marta Gonçalves, psicopedagoga e professora no Instituto Singularidades (SP).

“Até o ato de enxugar o xixi, que é diferente para meninos e meninas, deve ser ensinado desde cedo.”

 

 Pode haver um estímulo à erotização precoce?

 

Nas últimas semanas, as palavras “sexo” e “escola” apareceram juntas em dois contextos problemáticos: no caso da diretora de uma creche, no Rio, que ensinou uma coreografia de funk para as crianças (“brisa aê, que hoje a noite é de prazer”, dizia a letra), e no episódio em que uma mulher, usando uma máscara de cavalo em um evento cultural, dançou uma música com teor sexual na frente dos alunos pequenos (“vem, mulher, vem galopando”).

 

São duas situações que nada têm a ver com educação sexual.

 

“Existe diferença entre sexualidade e sexualização. A sexualidade é inata ao ser humano e deve ser compartilhada de forma saudável, para que a criança tenha intimidade com seu próprio corpo e possa conhecê-lo e protegê-lo. Já a sexualização precoce vem de fora e ‘adultiza’ a criança – faz com que ela repita comportamentos inapropriados para a sua idade”, afirma Renata Franco, psicóloga especialista em comunicação não violenta.

Ela explica que as músicas até podem ser um recurso lúdico interessante para a educação sexual, desde que as letras sejam “ajustadas à linguagem da criança, para que seja feito um trabalho de maneira mais cuidadosa e responsável”.

 

Falar de abuso com crianças? Isso não é ‘pesado’?

 

A abordagem precisa ser sempre lúdica. Na Caminho Rede de Ensino, por exemplo, em Caxias do Sul (RS), as professoras desenvolveram uma atividade divertida para ensinar as crianças de 3 a 10 anos a se proteger do assédio sexual: o “semáforo do toque”.

Usando bonecos, as docentes mostraram quais partes do corpo recebem o “sinal vermelho” – são os órgãos genitais, que só podem ser tocados pelos pais e mães, por exemplo, como na hora do banho. “A gente explica quem pode mexer ali na hora de ajudar na higiene, para eles terem noção de privacidade e de autocuidado”, explica Fernanda Henz, psicóloga e orientadora educacional dos anos iniciais da escola.

Já os pezinhos e os ombros recebem o “sinal verde”, e a virilha e as coxas, o “amarelo”.

“É importante que eles entendam que há o toque de carinho, de quem a gente ama, e o toque ruim, que é desconfortável, que dá medo e que faz com que tenham vergonha de contar para outras pessoas”, diz a professora.

 E se a família discordar da abordagem?

É importante que todas essas atividades de educação sexual feitas pela escola sejam comunicadas previamente para as famílias dos alunos. No caso do “semáforo do toque”, por exemplo, “os pais ficaram tranquilos quando viram que nada daquilo despertaria para o sexo, e sim ajudaria na prevenção”, diz a professora Fernanda.

 

A psicóloga Rita Calegari reforça que o diálogo é fundamental. “Os pais precisam saber o que está sendo proposto na grade curricular. Mas também devem sempre estar abertos para entender que a escola tem um papel social. Não existe o ‘não quero que falem isso, então, não vão falar’. As decisões precisam estar alinhadas”, afirma.

O ideal é que, antes de fazer a matrícula, os responsáveis pela criança já se informem sobre as propostas pedagógicas. No caso da rede pública, em que nem sempre é possível escolher um colégio específico, os responsáveis podem participar das reuniões, expor suas preocupações e ouvir as propostas dos professores. É um trabalho coletivo.

 

O que fazer se as crianças tiverem alguma dúvida?

O segredo de como conduzir as conversas sobre sexualidade com os alunos está em ouvir o que eles têm a dizer.

“Quando a criança faz uma pergunta, a gente precisa conter a vontade de dar uma ‘palestra’. É melhor explorar o que ela já sabe”, diz Calegari.

Por exemplo: se a pergunta for “o que é sexo?”, o professor pode levantar outros questionamentos, como “onde você viu isso? Me conte, aí consigo te explicar direitinho.” Pode ser que seja simplesmente um campo de “masculino ou feminino” em um formulário ou, de fato, uma dúvida de relação sexual.

A partir dessa sondagem, já dá para elaborar uma primeira resposta (que pode ser simples, sim, desde que seja verdadeira).

Mentir para a criança é sonegar uma informação importante para ela, que inclusive poderá protegê-la de abusos. E mais: quando ela descobrir a verdade, não sentirá confiança em perguntar aos professores.

 

“O nível de complexidade [das explicações] vai aumentando”, diz Calegari.

 

Os professores estão preparados?

Ana Cláudia, da Unesp, faz parte de um grupo de formação de professores em diferentes escolas. “Quando eles se sentem mais seguros em relação ao que estão fazendo, tudo fica mais fácil. Muitas vezes, eles não tiveram acesso a nada disso na faculdade. Existe uma carência grande de informação”, afirma.

É claro que não é possível generalizar e dizer se os docentes estão ou não capacitados para falar de educação sexual. Mas é essencial, segundo os psicólogos ouvidos pelo g1, que os cursos de pedagogia e de licenciatura contemplem esses conteúdos e que todos os profissionais tenham acesso a um programa de formação continuada. Dessa forma, vão se atualizar a respeito do tema e entender a abordagem correta para cada faixa etária.

 

Fonte, G1, acesso em 18/09/23


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