Celular nas escolas: rede particular do Rio se antecipa a projeto de lei federal e já caminha para proibição total
Uma pesquisa na internet em sala de aula pode levar à tentação de checar uma rede social, desviando a atenção. No recreio, jogar on-line pode ajudar a relaxar, mas também induzir ao isolamento. Pesando prós e contras e antecipando-se à proibição total do uso de aparelhos eletrônicos em ambiente escolar, prevista num projeto de lei que avança na Câmara dos Deputados, muitas escolas já estabelecem suas próprias regras de uso do dispositivo, com o objetivo de torná-lo mais restrito. Enquanto algumas definem momentos específicos para manuseá-lo, outras já estabelecem o veto absoluto.
Nas escolas municipais do Rio, os celulares já não são permitidos, nem mesmo no recreio, desde o início do ano, consequência do decreto 53.918, de 1º de fevereiro de 2024. E os primeiros resultados já aparecem. De acordo com uma pesquisa da Secretaria municipal de Educação, houve redução nos casos de cyberbullying e melhora na participação e desempenho dos alunos. Com a medida, as chances de os estudantes do 9º ano alcançarem boas notas em matemática aumentaram em 53%, aponta o estudo.
Proibição gradual
Na rede particular da cidade, muitas escolas já adotaram a proibição completa ou caminham nessa direção. No Mopi, no Itanhangá, o processo é gradual. O celular já não podia ser usado por alunos até o 5º ano do ensino fundamental, e, desde fevereiro, a proibição total, na sala de aula e nos espaços comuns, passou a valer para o 6º ano. Em 2025, a medida vai se estender para o 7º, até chegar ao 9º. A censura no ensino médio ainda está sendo avaliada.
— Estávamos observando uma série de problemas acarretados pelo uso excessivo de redes sociais e outros aplicativos, como desvio de foco e intensa busca por estímulos virtuais em meio às aulas. Além disso, a interação social entre os colegas estava comprometida. Muitas vezes, no recreio, se formava um paredão de alunos focados em jogos on-line no celular, sem interagirem uns com os outros. Hoje, já percebemos que a restrição tem proporcionado mais concentração, e houve melhora no desempenho dos alunos — destaca Luiz Rafael Silva, coordenador pedagógico da instituição. — Optamos por uma restrição progressiva para ir criando essa cultura e evitar uma resistência em massa. A única exceção à regra é a utilização para fins pedagógicos em sala, e com supervisão dos professores. Ainda assim, temos a opção de usar nossos computadores.
Aluna do 7º ano, Maria Alexandra Miranda, de 13 anos, diz que não concorda com a proibição absoluta, mas que entende que um controle se faz necessário.
— Se liberar demais, algo que serve para ajudar pode acabar atrapalhando, mas a proibição total é muito radical. Podem existir outros meios de controlar o uso, até porque o celular é útil nas aulas, principalmente para trabalhos que exigem pesquisa. Além disso, há plataformas de jogos educacionais que auxiliam na revisão para a prova. É uma maneira mais descontraída de aprender, e a aula acaba fluindo melhor — argumenta.
Celulares trancados em armários
No colégio Ao Cubo, onde, atualmente, o celular é de uso livre no recreio e liberado para atividades específicas em sala de aula, este tem sido um ano de diálogo com alunos e famílias sobre o cenário de proibição completa que se aproxima. A partir do ano que vem, quando a instituição passará a se chamar Cubo Global School, todos os alunos precisarão depositar seus aparelhos em armários individuais antes do início das aulas, só tendo acesso a eles novamente na saída.
— O aluno não vai poder usar em momento algum. E a escola não vai ter atividade com celular. Usaremos outros equipamentos que envolvam internet e as novas tecnologias, no nosso espaço maker. Estamos criando um código de conduta que inclui essa medida, e o comportamento do aluno em relação às regras passará a compor sua nota, para incentivar o cumprimento. As famílias apoiam; já os alunos se queixam da falta que vão sentir dos aparelhos, cujo uso indiscriminado tem viciado os jovens, tirando-os do convívio com os colegas, necessário para seu crescimento. Eles precisam vivenciar essa ausência do celular para entenderem que não estão perdendo nada, mas construindo redes presenciais — pontua o diretor José Antônio Júnior. — Por outro lado, a escola tem que fomentar outras atividades, de cunho relacional, envolvendo arte, literatura, jogos corporais e brincadeiras antigas, como elástico e piques.
Na escola SAP, a proibição total começou a vigorar este ano para alunos até o 8º ano, e o colégio estuda ampliar, a partir de 2025, a regra para as demais séries, que ainda podem usar o celular fora da sala de aula. Os dispositivos, que antes podiam permanecer na mochila ou debaixo da mesa, agora devem ser mantidos em escaninhos.
— O efeito mais significativo que temos observado é no recreio. Até as crianças mais tímidas, que usavam o celular como refúgio, passaram a conversar mais com os colegas e a participar de atividades como futebol, pingue-pongue, basquete, vôlei e leitura na biblioteca. Outro dia tinha uma turma de 6º ano brincando de pique-esconde e pique-pega, algo que não se via há muito tempo — celebra a diretora Luciana Soares. — É muito gratificante perceber que, quando conseguimos que os alunos se distanciem do celular, eles se engajam em atividades que favorecem os laços humanos. Agora, torcemos para que a lei seja aprovada no Congresso, o que vai facilitar a ampliação da proibição para outras séries.
Famílias, entre o apoio e a resistência à restrição
Na Eleva, o veto ao celular também é integral e para todas as séries desde o ano passado. Em 2022, a instituição inaugurou um primeiro nível de restrição, na sala de aula, mesmo como ferramenta pelos professores, os quais, recentemente, passaram a não poder usar o aparelho diante dos alunos.
— No início, os alunos reclamavam. E, às vezes, ainda reclamam, pois se sentem afastados de um objeto que vicia. E, quando desconectados de suas redes, acabam ficando mais inseguros. Com o tempo, porém, a maior parte deles encontra novamente o pátio, o outro, as brincadeiras antigas, a construção das relações reais, os adultos presentes no ambiente escolar e a sala de aula na sua forma mais interativa — analisa Maíra Timbó, diretora da unidade da Barra. — Os celulares estavam prejudicando o crescimento dos alunos, comprometendo sua resiliência e distraindo-os da vida intensa e essencial que acontece no espaço escolar. Ao se refugiarem no celular, eles adiam o aprendizado e o desenvolvimento proporcionado por estar com os amigo
alina explica que a instituição recebeu o apoio de muitas famílias na decisão, incluindo sugestões de que a limitação fosse além, não permitindo sequer levar o aparelho para a escola. Outras, porém, manifestaram preocupação em relação à comunicação com os alunos.
— Há famílias que resistem, pois elas mesmas se tornaram, com a presença constante do celular junto dos filhos, inseguras com relação à capacidade deles de se cuidar, de lidar com frustrações ou situações novas. Querem estar junto o tempo todo, protegendo, atendendo imediatamente todas às demandas. Ajudamos essas famílias a perceberem que não estão beneficiando o amadurecimento de seus filhos com essa postura, que a escola é o espaço das crianças e dos jovens e que, com a nossa ajuda, eles irão aprender a lidar com qualquer situação que a vida escolar lhes apresentar — diz a gestora.
‘Aprendizagem on, celular off’
Na Escola Americana, a interdição ao uso se estende até o 9º ano. No high school, o equivalente ao ensino médio, os estudantes podem usar os aparelhos celulares, desde que com autorização do professor, e a política não deve ser alterada até que haja posição oficial em âmbito federal sobre o tema. Já no QI, por enquanto, a proibição vale apenas para a sala de aula, mas a restrição absoluta já foi aprovada pela direção para o ano que vem, e as regras estão sendo definidas.
— No ano passado, nossa equipe de professores dialogou com diferentes profissionais da saúde para entender os impactos da exposição excessiva às telas. A partir disso, a tolerância zero com o celular dentro do QI foi posta. Nosso lema passou a ser: “Aprendizagem on, celular off”. Mas não é tão simples, de uma hora para a outra, dizer que não pode mais celular dentro da escola. Criamos um grupo de trabalho, envolvendo educadores, famílias e alunos, para definir como se dará essa proibição. Para testar, começamos este ano letivo com proibição total do celular na unidade da Freguesia. Foi um choque, com alguns alunos ficando nervosos sem o celular, com objeção de algumas famílias. Mas, com o tempo, estão todos se adaptando — conta o diretor.
— Para mim, não fez muita diferença, porque nunca permiti que meu filho levasse celular para a escola. Até ajudou, porque antes ele reclamava que os amigos levavam e ele queria também. Só vejo benefícios. Escola é lugar para interação, não para ficar no celular. Mesmo fora do ambiente escolar, o uso que ele faz é controlado; só pode duas horas por dia, com minha supervisão — relata. — Ele queria acesso liberado em casa e na escola. Os amigos dele reclamaram muito da proibição; pediram até para os pais reclamarem. E muitos o fizeram, alegando que precisavam monitorar os filhos. Será que os pais também não estão dependentes do celular?
Um meio-termo em meio às proibições
No colégio MX Educacional, no Recreio, o que prevalece é o meio-termo. O celular pode ser usado na sala de aula apenas para fins pedagógicos e é liberado em outros momentos, como o intervalo, com supervisão.
— Com tecnologia não dá para brigar. Tem que trazê-la para perto e utilizá-la com responsabilidade e regras, como ferramenta auxiliar no processo educacional. Acho que a proibição total do celular é um retrocesso, até porque muitos materiais didáticos hoje em dia vêm com QR Code com material complementar. Escolas que têm restrição total vão ficar para trás — opina o diretor-proprietário, Gabriel Andrade. — Estamos atentos a tudo o que a ciência indica sobre impactos causados pela exposição às telas, mas acredito que o celular é um instrumento de estímulo. Um jogo ou uma olhada nas redes sociais no intervalo pode renovar o ânimo para a aula.
Fonte: O globo, acesso em 11/11/2024
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