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17 jul 25 10:01

A Reforma Tributária e o Futuro das Microempresas Educacionais

A Emenda Constitucional nº 132/2023, marco da Reforma Tributária do consumo, impõe aos gestores de microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP) do setor educacional uma análise estratégica criteriosa. A decisão entre permanecer no regime simplificado ou aventurar-se no novo sistema de tributação não é trivial e depende de uma compreensão detalhada da nova arquitetura fiscal. Detalhamos abaixo os pontos nevrálgicos dessa escolha, com base nos dispositivos legais e em exemplos práticos.

A Base da Mudança: O IVA Dual e o Tratamento Favorecido da Educação

A reforma extingue PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS, substituindo-os pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) em âmbito federal, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), em âmbitos estadual e municipal.

O ponto de partida para a análise do setor educacional está no Art. 156-A, § 5º, I, ‘c’, da Constituição Federal (redação da EC 132/2023 – Art. 1º). Este dispositivo é a pedra angular que garante um tratamento diferenciado ao setor (Art. 9º, § 1º, I da EC 132/2023), ao prever uma redução de 60% das alíquotas da CBS e do IBS para os serviços de educação.

O artigo 1º da EC 132/2023, dispõe: A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações: Seção V-A – Do Imposto de Competência Compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios – Art. 156-A, § 5º, I, “c”: Lei complementar disporá sobre: I – …, c – as regras de distribuição aplicáveis aos regimes favorecidos, específicos e diferenciados de tributação previstos nesta Constituição;…

O artigo 9º da EC 132/2023, dispõe: Art. 9º A lei complementar que instituir o imposto de que trata o art. 156-A e …: § 1º – A lei complementar definirá as operações beneficiadas com redução de 60% (sessenta por cento) das alíquotas dos tributos de que trata o caput entre as relativas aos seguintes bens e serviços I –  serviços de educação;…

Exemplo Prático 1: A Lei Complementar 214/2025, no Capítulo I, tratando da avaliação quinquenal da eficiência, eficácia e efetividade das políticas e desenvolvimento econômico da IBS e CBS, no artigo 475, no § 11 dispõe estabelece o percentual do IVA em patamar igual ou inferior a 26,5%; considerando essa alíquota, vamos ao exemplo:

  • Alíquota Padrão Estimada (CBS + IBS): 26,5%
  • Redução para Educação: 60%
  • Cálculo: 27% x (1 – 0,60) = 27% x 0,40 = 10,6%

Isso significa que uma escola fora do Simples Nacional, em vez de pagar 26,5% sobre sua receita, pagará 10,6%. À primeira vista, parece uma alíquota alta, mas é aqui que entra o conceito de não cumulatividade.

O Dilema Central: Simples Nacional vs. Regime Padrão (com alíquota reduzida)

A Lei Complementar 214/2025, veio para instituir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e, no artigo 348, II, “c”, garante que as empresas optantes pelo Simples Nacional não recolherão a CBS e o IBS, mantendo o sistema unificado do Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS).

O artigo 41, § 3º, da Lei 214/2025, assegura que os optantes pelo Simples Nacional poderão exercer a opção de apurar e recolher o IBS e a CBS pelo regime regular, hipótese na qual o IBS e a CBS serão apurados e recolhidos conforme o disposto nesta Lei Complementar.

Contudo, o § 5º do mesmo artigo veda ao contribuinte do Simples Nacional ou ao contribuinte que venha a fazer a opção por esse regime retirar-se do regime regular do IBS e da CBS caso tenha recebido ressarcimento de créditos desses tributos no ano-calendário corrente ou anterior, nos termos do art. 39 desta Lei Complementar.

A escolha de migração implica, necessariamente, sair do Simples Nacional para fins desses tributos e, consequentemente, migrar para o Lucro Presumido ou Lucro Real para o IRPJ e a CSLL. Essa decisão passa pela análise do princípio da não cumulatividade, previsto no Art. 156-A, § 1º, VIII, da Constituição Federal, que assegura ao contribuinte o crédito do imposto cobrado nas operações anteriores.

Cenário A: Permanência no Simples Nacional

Uma microempresa escolar com faturamento anual de R$ 360.000,00 (R$ 30.000,00/mês), enquadrada no Anexo III da Lei Complementar nº 123/2006, pagaria uma alíquota efetiva de aproximadamente 6% a 8% sobre a receita, a depender do fator “r”.

  • Vantagens:
    • Simplicidade: Guia única, menos obrigações acessórias.
    • Carga Tributária Conhecida e Menor: Especialmente para empresas com baixa despesa “creditável”.
  • Desvantagens:
    • Não gera crédito para o contratante: Conforme o Art. 24 da LC 123/2006, empresas do Simples não transferem o crédito integral dos tributos. Desta forma, escolas que prestam serviços educacionais para outras empresas não gerarão créditos aos seus contratantes. (ex: treinamentos corporativos).

Cenário B: Migração para o Regime Padrão (Lucro Presumido/Real)

A mesma escola, ao migrar, passaria a recolher a CBS/IBS à alíquota de 10,6% (no nosso exemplo) sobre a receita, mas poderia se creditar do imposto pago em suas aquisições.

O Obstáculo do Crédito: A Estrutura de Custos de uma Escola

A viabilidade do Cenário B depende diretamente do volume de créditos que a escola consegue gerar. A legislação que regulamentará a CBS e o IBS (ainda em projeto) definirá o que é “insumo” para fins de creditamento. Usando a legislação atual do PIS/COFINS como base, o desafio fica evidente.

Exemplo Prático 2: Simulação de Apuração no Regime Padrão

Vamos analisar a estrutura de custos de uma pequena escola com receita mensal de R$ 30.000,00:

  • Receita Bruta: R$ 30.000,00
  • Débito de CBS/IBS (10,6%): R$ 3.180,00

Estrutura de Custos e Despesas Mensais:

  1. Folha de Pagamento (professores, adm., etc.): R$ 18.000,00. Crédito Gerado: R$ 0,00. A folha de salários não é considerada insumo e não gera crédito.
  2. Aluguel pago a Pessoa Física: R$ 4.000,00. Crédito Gerado: R$ 0,00. Operações com pessoas físicas não geram crédito de IVA.
  3. Aquisição de Material Didático de uma Editora (PJ): R$ 2.000,00. A editora também tem benefício fiscal, mas suponhamos que a alíquota seja de 10,6%. Crédito Gerado: R$ 212,00 (10,6% de R$ 2.000).
  4. Contas de Energia e Internet (PJ): R$ 1.000,00. Esses serviços terão alíquota cheia (26,5%). Crédito Gerado: R$ 265,00 (26,5% de R$ 1.000).
  5. Serviços de Contabilidade (PJ optante pelo Simples): R$ 800,00. Crédito Gerado: R$ 0,00. Empresas do Simples não transferem crédito.
  6. Material de Limpeza e Escritório (PJ): R$ 500,00. Compra com alíquota cheia (26,5%). Crédito Gerado: R$ 132,50 (26,5% de R$ 500).

Apuração Final da CBS/IBS:

  • Total de Débitos: R$ 3.180,00
  • Total de Créditos: R$ 212,00 + R$ 265,00 + R$ 132,5,00 = R$ 609,50
  • CBS/IBS a Pagar: R$ 3.180,00 – R$ 609,50 = R$ 2.570,50

Nesta simulação, o imposto sobre o consumo (CBS/IBS) representaria 8,51% aproximadamente da receita bruta (R$ 2.570,50 / R$ 30.000). A este valor, ainda devem ser somados o IRPJ e a CSLL do Lucro Presumido, além da contribuição previdenciária patronal sobre a folha, que deixa de estar na guia do Simples. A carga tributária total seria, inequivocamente, muito superior à do Simples Nacional.

Conclusão e Recomendação Jurídico-Tributária

A análise dos dispositivos constitucionais e a simulação prática demonstram que, para a esmagadora maioria das microempresas educacionais, a estrutura de custos centrada em folha de pagamento e serviços de pessoas físicas torna a apropriação de créditos no novo sistema de IVA residual. A não cumulatividade, pilar do novo modelo, não se materializa de forma vantajosa para este perfil de empresa.

Portanto, a recomendação jurídica é a manutenção cautelosa no Simples Nacional. A Lei Complementar nº 123/2006 continuará a ser o regime mais benéfico, oferecendo previsibilidade e uma carga tributária efetivamente menor.

A migração para o regime padrão (Lucro Presumido/Real) só deve ser cogitada em situações de exceção, que devem ser validadas por um planejamento tributário rigoroso, como no caso de escolas de grande porte com investimentos massivos em tecnologia e infraestrutura adquiridos de pessoas jurídicas, ou cujo modelo de negócio seja focado em educação corporativa para grandes empresas que exijam o repasse de créditos. Para a realidade da pequena escola de bairro, a inovação tributária não superará, em vantagens, a simplicidade e economia do regime atual.

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