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09 ago 24 08:00

A insegurança jurídica no Brasil e a cobrança de vagas em sala de aula no ensino inclusivo

A jurisprudência brasileira tem sido rigorosa em relação à negativa de atendimento de serviços essenciais devido à falta de recursos físicos, tanto na área da saúde quanto na educação. Nos casos de saúde, a negativa de internação por falta de leitos ou médicos é frequentemente considerada abusiva e pode configurar dano moral, conforme várias decisões judiciais.

Analogamente, a educação, disposta na Constituição Federal e na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), é um dos direitos essenciais que deve ser garantido pelo Estado. Com a educação inclusiva, escolas vêm sofrendo pressões dos tribunais para, independentemente das limitações do número de vagas em sala de aula, atenderem todo tipo de pedido de matrícula.

Esse posicionamento dos tribunais brasileiros é um contrassenso em relação ao decidido pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil na Ação de Inconstitucionalidade nº 4060, promovida pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – Confenen, contra a Lei Complementar nº 170/98, do estado de Santa Catarina, que, no seu artigo 82, limitou o número de alunos em sala de aula no ensino básico. Destaque-se da decisão a seguinte afirmação:

ADI 4060 – … legislação catarinense, ao estabelecer critérios pedagógicos para o número de alunos por sala de aula, visava garantir uma comunicação adequada e um melhor aproveitamento dos estudantes, contribuindo assim para a qualidade da educação.

É importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, na sua decisão, trouxe um dos critérios de qualidade para a educação, decidindo pela improcedência da ADI, considerando constitucional a limitação do número de alunos em sala de aula.

Destaque-se ainda do acórdão a disposição e a afirmação de que o número máximo de alunos em sala de aula é um tema crucial no contexto educacional. Estudos e pesquisas têm demonstrado que o tamanho da turma pode impactar significativamente o processo de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, importa ressaltar tanto o processo de ensino e aprendizagem daqueles que não possuem necessidades especiais, quanto daqueles que possuem.

O acórdão dispõe ainda que o número excessivo de alunos em uma sala de aula traz dificuldades aos professores para atender às necessidades individuais de cada estudante, ou seja, proporcionar feedback personalizado, manter a disciplina e garantir um ambiente propício para a aprendizagem. Isso pode resultar em uma menor qualidade de ensino, menor engajamento dos alunos e dificuldade em alcançar os objetivos educacionais.

As decisões do Supremo Tribunal Federal, em princípio, deveriam ser vinculantes, com o fim de proporcionar a tão requerida segurança jurídica, o que efetivamente não ocorre num país que hoje vive um conflito de ideologias.

Não queremos, com este artigo, nos colocar contra a educação inclusiva, ou melhor, o ensino inclusivo, pois somos seres humanos e dependemos uns dos outros, mas tão somente reclamar a tão necessária segurança jurídica.

A Constituição Federal, ao tratar da educação, dispõe que as escolas devem ser autorizadas e, ao serem autorizadas, devem cumprir não só com as normas gerais da educação, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, como também com as normas emitidas pelos sistemas de ensino, Secretarias e Conselhos Estaduais e Municipais de Educação.

Em vários estados e municípios do Brasil, podemos ver esses órgãos educacionais usando de suas competências para fixarem limites de vagas para o ensino inclusivo em sala de aula. Nesse sentido, surge a seguinte indagação: se o STF reconhece que a qualidade da educação passa pelo limite de vagas em sala de aula, por que o Ministério Público e os tribunais não respeitam essa decisão?

A negativa de matrícula para pessoas com necessidades especiais em razão do número de vagas em sala de aula pode ser uma questão sensível e potencialmente geradora de danos morais, similar às negativas de internação por falta de leitos no sistema de saúde. Todavia, aqui estão alguns pontos e argumentos que as escolas podem utilizar, baseando-se nas Deliberações e Pareceres dos Conselhos de Educação e seus Regimentos Internos, para evitar gerar danos morais:

 

  1. Justificativa de Capacidade Física: As escolas podem argumentar que a capacidade física de atendimento é limitada e que devem respeitar as normas dos sistemas de ensino. A aceitação de mais alunos poderia comprometer a qualidade do ensino oferecido aos demais estudantes. Isso deve ser bem documentado e baseado em normas técnicas e pareceres específicos dos Conselhos de Educação.
  2. Critérios de Prioridade: Implementar e comunicar claramente critérios de prioridade para a matrícula, como a proximidade da residência, ordem de inscrição, ou a existência de irmãos já matriculados na instituição. Esses critérios devem estar em conformidade com as diretrizes dos Conselhos de Educação.
  3. Transparência e Comunicação: Manter um canal de comunicação aberto e transparente com os pais ou responsáveis, explicando os motivos da negativa e as limitações atuais da escola, pode ajudar a mitigar possíveis ressentimentos e evitar alegações de danos morais.
  4. Alternativas de Matrícula: Sugerir alternativas de matrícula em outras instituições que possuam vagas disponíveis ou colaborar com a Secretaria de Educação para encontrar soluções adequadas para o aluno com necessidades especiais.
  5. Planos de Expansão: Diante do sistema inclusivo de ensino e o aumento da demanda por ensino inclusivo, caso seja possível, demonstrar planos de expansão ou adequação da infraestrutura escolar para atender melhor a demanda no futuro. Isso pode mostrar um compromisso da escola com a inclusão e a melhoria contínua, reduzindo a percepção de discriminação ou má-fé.

Baseando-se nas diretrizes e pareceres dos Conselhos de Educação, essas estratégias podem ser utilizadas pelas escolas para justificar a negativa de matrícula sem gerar danos morais.

 

Por: Dr. Ricardo Furtado – Consultor Jurídico Educacional, Tributário, Especialista em Ciências Jurídicas 27/07/2024