Jurisprudência
21 ago 14 00:00

Justiça do espírito santo ordena retirada do Secret das lojas de Apps – Internet – marco legal

 

A Justiça do Espírito Santo determinou esta semana que a Apple e o Google removam o aplicativo Secret de duas lojas oficiais e dos smartphones dos usuários que já o instalaram. Segundo comunicado do Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), as empresas deverão cumprir a ordem no prazo de dez dias, sob pena de multa diária de R$ 20 mil por descumprimento.

A decisão também vale para a Microsoft em relação ao aplicativo Cryptic, que funciona da mesma maneira que o Secret. Os apps permitem que o usuário conte segredos dele ou de amigos anonimamente para seus contatos do Facebook.

O MPES havia pedido uma liminar alegando que as ferramentas incentivam o bullying virtual, e que diversas pessoas se sentem constrangidas sem poder se defender, já que o autor dos segredos expostos não é revelado. Na ação civil pública, o MPES descreve o caso de um jovem de 25 anos, que teve fotos nu expostas, além de posts que diziam que ele era portador do vírus HIV e de que ele participava de orgias com os amigos.

O Google, por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que não foi notificado da decisão da Justiça e que não comenta casos específicos. A empresa informou que qualquer pessoa pode denunciar um aplicativo se julgar que ele viola os termos de uso e políticas da Google Play ou a lei brasileira. A companhia então avalia a denúncia e pode eventualmente remover o aplicativo. “Vale dizer que o Google não é o responsável pelo Secret e apenas hospeda o app em sua loja virtual, a Google Play, portanto, não temos como comentar sobre eventuais modificações no mesmo”, completou a empresa em comunicado. A Apple não tinha se posicionado até a publicação desta notícia.

Apesar de o Secret garantir o anonimato das postagens, em sua política de privacidade, a empresa informa que pode compartilhar informações dos usuários em resposta a uma solicitação da Justiça ou se o conteúdo do post for considerado ilegal.

Processo : 0028553-98.2014.8.08.0024

Ação : Ação Civil Pública               Natureza : Cível               Data de Ajuizamento: 18/08/2014

Vara: VITÓRIA – 5ª VARA CÍVEL

Distribuição

Data : 18/08/2014 12:01                Motivo : Distribuição por sorteio

Partes do Processo

Requerente

MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO

0000000/ES – PROMOTOR PUBLICO

Requerido

APPLE COMPUTER BRASIL LTDA GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA MICROSOFT INFORMATICA LTDA Juiz: PAULO CESAR DE CARVALHO

Decisão

ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO

COMARCA DA CAPITAL

5ª VARA CÍVEL DE VITÓRIA

Autos n. 0028553-98.2014.8.08.0024

Requerente: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Requerido: APPLE COMPUTER BRASIL LTDA e OUTROS.

DECISÃO

Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta em face de APPLE COMPUTER BRASIL LTDA, GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA e MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA em que o MINISTÉRIO PÚBLICO pretende a condenação dos requeridos em obrigação de fazer consistente em “remover o aplicativo denominado SECRET (por parte dos dois primeiros requeridos) e do aplicativo similar CRYPTIC (por parte do terceiro requerido) de suas lojas oficiais, bem como seja determinado aos mesmos que removam remotamente os mesmos aplicativos dos usuários que já os instalaram em seus respectivos smartphones”.

Formula pedido de tutela de urgência, com fundamento no art. 12 da Lei da Ação Civil Pública – Lei 7.347/85 e art. 84 do Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/90, afirmando que em decorrência dos referidos aplicativos diversas pessoas estão sendo vítimas de constrangimentos e ilícitos contra a honra sem que possam se defender, dado o anonimato das postagens, já que o aplicativo SECRET “permite que

o usuário conte segredos dele ou de amigos anonimamente por meio do aplicativo para contatos do Facebook”, sendo que os próprios desenvolvedores do mesmo afirmam que “é impossível identificar quem contou o segredo, já que não há nenhum dado ou foto do usuário” e garantem que “não há risco de o segredo vazar no Facebook”, sendo que “o máximo de informação divulgada é que a mensagem foi publicada por um amigo ou por um amigo de um amigo no app”.

É o relatório. Decido.

Nos termos do art. 5º, IV, da Constituição Federal, “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Todavia, o inciso X, do mesmo dispositivo, garante que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Segundo DANIEL SARMENTO, dentre as razões de ordem moral e pragmática que justificam a proteção da liberdade de expressão, encontra-se a garantia essencial ao livre desenvolvimento da personalidade e à dignidade humana, posto que a possibilidade de cada indivíduo interagir com o seu semelhante, tanto para expressar as próprias ideias e sentimentos como para ouvir aquelas expostas pelos outros, é vital para a realização existencial. Não se pode olvidar, ainda, que “para a realização da democracia pressupõe um espaço público aberto, plural e dinâmico, onde haja o livre confronto de ideias, o que só é possível mediante a garantia da liberdade de expressão”.

Entretanto, a liberdade de expressão não constitui um direito absoluto, sendo inúmeras as hipóteses em que o seu exercício entra em conflito com outros direitos fundamentais ou bens jurídicos coletivos constitucionalmente tutelados, que serão equacionados mediante uma ponderação de interesses, de modo a garantir o direito à honra, privacidade, igualdade e dignidade humana e, até mesmo, proteção da infância e adolescência, já que não há qualquer restrição à utilização dos aplicativos indicados na inicial. Para compatibilizar tais direitos com a liberdade de expressão, sem que haja censura prévia, é que a Constituição adotou o modelo de liberdade com responsabilidade, vedando o anonimato. Assim, a proibição do anonimato possibilita responsabilização por eventual ofensa a referidos direitos da personalidade, também protegidos constitucionalmente. Neste sentido, a lição de DANIEL SARMENTO, em importante obra coletiva:

O modelo de liberdade de expressão desenhado pela Constituição de 1988 é o da liberdade com responsabilidade. Em outras palavras, é consagrada com grande amplitude a liberdade de manifestação, mas, por outro lado, estabelece-se que aqueles que atuarem de forma abusiva no exercício do seu direito, e com isso causarem danos a terceiros, podem ser responsabilizados por seus atos. A proibição do anonimato destina-se exatamente a viabilizar esta possibilidade de responsabilização, por meio da identificação do autor de cada manifestação. Ademais, o conhecimento da identidade do autor da manifestação pode ser importante para que seus destinatários possam fazer o seu juízo de valor a propósito do conteúdo do que se exprimiu. A proibição do anonimato não exclui, contudo, o sigilo da fonte, previsto no art. 5º, XIV, da Constituição, que visa a proteger o exercício profissional dos jornalistas, de forma a promover o acesso da cidadania a informações relevantes, que, sem esta garantia, poderiam não chegar ao público. SARMENTO, Daniel. Comentário ao artigo 5º, IV. In: CANOTILHO, J. J. Gomes;

MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.

Conclui-se, à luz do exposto, que é flagrante o potencial lesivo dos aplicativos SECRET e o seu similar CRYPTIC já que não só permitem como incentivam compartilhamento de frases e fotos sem que haja identificação de quem postou, havendo possibilidade, ainda, de destacar os segredos “mais curtidos”, incrementando eventual lesão.

Não obstante os técnicos em tecnologia da informação afirmarem que a utilização da rede mundial de computadores sempre deixa “rastros”, possibilitando a identificação do usuário, no caso dos aplicativos, as mensagens publicadas não exibem a sua origem, sendo que na tela inicial do aplicativo consta a seguinte advertência:

Você ficará totalmente anônimo, e nós jamais publicaremos qualquer coisa no Facebook.

Constata-se, pois, mesmo em cognição sumária, que a utilização dos aplicativos desrespeita a parte final do art. 5º, IV, da Constituição Federal (vedação ao anonimato), bem como inviabiliza, ou pelo menos torna extremamente difícil, a possibilidade de obter indenização por dano material ou moral decorrente de eventual violação ao direito da privacidade, honra e imagem das pessoas (art. 5º, X, CF).

Relevante, ainda, para fins de concessão do pedido liminar, levar em consideração que não houve nenhum pagamento por parte dos usuários dos referidos aplicativos, já que são distribuídos gratuitamente.

Ante o exposto, forte nas regras do art. 12 da Lei 7.347/85 c/c art. 84 do CDC, DEFIRO O PEDIDO LIMINAR, determinando aos dois primeiros requeridos (APPLE COMPUTER BRASIL LTDA e GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA) a remoção do aplicativo denominado “SECRET” e ao terceiro (MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA) do aplicativo similar denominado “CRYPTIC” de suas lojas oficiais, determinando,

ainda, que removam remotamente os aplicativos dos usuários que já os instalaram em seus respectivos smartphones, no prazo de dez dias, sob pena de multa diária que fixo em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por descumprimento para cada um dos requeridos. Citem-se. Intimem-se.

Vitória, 19 de agosto de 2014. Paulo César de Carvalho

Juiz de Direito

Dispositivo

Ante o exposto, forte nas regras do art. 12 da Lei 7.347/85 c/c art. 84 do CDC, DEFIRO O PEDIDO LIMINAR, determinando aos dois primeiros requeridos (APPLE COMPUTER BRASIL LTDA e GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA) a remoção do aplicativo denominado “SECRET” e ao terceiro (MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA) do aplicativo similar denominado “CRYPTIC” de suas lojas oficiais, determinando, ainda, que removam remotamente os aplicativos dos usuários que já os instalaram em seus respectivos smartphones, no prazo de dez dias, sob pena de multa diária que fixo em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por descumprimento para cada um dos requeridos. Citem-se. Intimem-se.