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24 ago 21 06:00

INCLUSÃO ELEVA GANHOS DE ALUNOS COM E SEM DEFICIÊNCIA, MAS MEC QUER SEPARAR TURMAS

Em contraste com o que o Ministério da Educação (MEC) tem defendido a presença de alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento, altas habilidades e superdotação em turmas inclusivas tem aumentado nas escolas brasileiras e se tornou maioria até na rede privada. O total de alunos nesses perfis cresceu 86% em uma década, chegando a 1,3 milhão, segundo dados do Censo Escolar da Educação Básica de 2020. A adoção de turmas mistas apontam estudos, beneficia crianças com deficiência e também os outros colegas.

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“A escola traça objetivos próprios para ele. As outras crianças participam, até brigam para decidir quem vai fazer com ele”, conta a advogada Mariana Campos de Souza, de 45 anos, sobre a experiência do filho Marco Antônio, de 13, em uma turma inclusiva. Entre os ganhos que observou estão maior autonomia e sociabilidade. “A vontade de estar com outras crianças aumentou. Ele (que tem deficiência intelectual) se sentiu acolhido.”

Nesta semana, o titular do MEC, Milton Ribeiro, disse que há crianças com grau de deficiência em que “é impossível a convivência” em classe e, além disso, defendeu separar esses alunos em classes especiais. A fala foi alvo de críticas e ele se desculpou.

A oferta de turmas inclusivas (ou mistas) no lugar da segregação em escolas especiais se tornou amplamente defendida nos anos 1990, mas passou a ser mais incentivada no Brasil após 2008, com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva. A Organização das Nações Unidas (ONU) diz que o acesso à educação inclusiva é direito de todos.

Trabalho do Instituto Alana com a ABT Associates de 2016, coordenado pela Universidade de Harvard, compilou 89 estudos de 25 países que revelam ganhos do ensino inclusivo para todos. Um deles é alunos sem deficiência terem opiniões menos preconceituosas e serem mais receptivos a diferenças.

Cerca de um terço dos alunos de educação especial estava em escolas ou turmas especiais há dez anos. Hoje, 93,3% estão em classes inclusivas. Até mesmo na rede privada, onde a adesão ainda é menor, as classes mistas passaram a ser maioria (58,5%).

No Instituto Jô Clemente, antiga Apae de São Paulo, a escola especial foi encerrada em 2010, após a transição da maioria dos alunos para escolas regulares. Supervisora do Atendimento Educacional Especializado na instituição, Roseli Olher acompanhou: “As pessoas com deficiência que passaram a frequentar escolas comuns e a conviver com outras pessoas que não tinham deficiência se desenvolveram muito mais que o outro grupo, em termos de autonomia, independência, postura de estudante”, diz. “Passaram a ter voz, optar pelo que queriam.”

A ideia na educação é perceber o aluno como indivíduo e parte de um grupo. Independentemente de ter deficiência, cada um vive a aprendizagem de um jeito e, por vezes, isso requer adaptações. “Trabalha-se o mesmo conteúdo, mas de formas distintas”, afirma Roseli.

Pesquisa Datafolha em 2019 mostrou que 86% dos entrevistados concordaram com a frase “escolas se tornam melhores ao incluir crianças com deficiência” e 76% acreditam que alunos com deficiência aprendem mais junto de crianças sem deficiência. Por outro lado, 42% acham que o aluno com deficiência atrasa o aprendizado de colegas sem deficiência. E constatou 26% das crianças e adolescentes de 0 a 14 anos com deficiência fora da escola.

“A inclusão não é só colocar dentro da escola, mas ter acesso ao currículo, como todos.” Nas salas, se preciso, estagiárias são enviadas para dar auxílio, mas sem excluir o aluno das dinâmicas da turma. Funcionários são designados para auxiliar no caso dos que precisam de apoio em outros momentos dentro da escola.

Por outro lado, famílias de alunos com deficiência relatam ainda dificuldade para a matrícula na rede privada, assim como atendimento adequado. A criadora de conteúdo Veronica Oliveira, de 40 anos, pela primeira vez vive experiência satisfatória com o ensino do filho Ian, de 13, que tem autismo e está na 7.ª série. “Ele tem acompanhamento mais dedicado. Tinha dificuldades com algumas matérias que agora está entendendo bem. Ficou ótimo em Matemática, uma coisa que nunca tinha acontecido.”

Plano de educação especial foi parar no Supremo

Falas recentes do ministro da Educação, Milton Ribeiro, sobre a educação inclusiva, têm causado críticas. Ele chegou a dizer que estudantes com determinados graus de deficiência têm uma convivência “impossível” em sala de aula e até atrapalham os colegas de turma.

Em setembro, também já havia determinado mudanças ao decretar a Política Nacional de Educação Especial, que incentiva criar turmas e escolas especiais por meio de recursos específicos. “Muitos estudantes não estão sendo beneficiados em classes comuns”, afirmou na época.

O documento foi considerado retrocesso por especialistas. Após ação direta de inconstitucionalidade, foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro, mas de forma liminar. Na segunda, 23, e na terça-feira, 24, o caso voltará a ser tema de discussão na Corte, por meio de audiência pública.

Superintendente de um instituto voltado à inclusão, Rodrigo Mendes considera que a declaração do ministro expõe um desconhecimento total do assunto. “É uma fala de quem não acompanhou o que aconteceu nas últimas décadas. Chega a violar toda a construção do que houve no Brasil e no mundo em relação aos direitos humanos e à pedagogia contemporânea.”

Mendes também critica o decreto. “Está baseado na crença de que a pessoa com deficiência não terá condições de construir autonomia, de se desenvolver e, por isso, precisa ser protegida, em ambiente segregado. Mas esse modelo de escola separada limita profundamente o horizonte do aluno, porque não é devidamente estimulado.”

Em comunicado, o Ministério da Educação disse haver levantamento próprio de que cerca de 12% dos alunos com deficiência não são devidamente beneficiados em escolas regulares e isso motivou a destinação de R$ 257 milhões para que tenham “atendimentos múltiplos e especializados”. A pasta tem defendido que a nova política dá mais opções às famílias cujos filhos têm deficiência.

Fonte: Estadão, acesso em 24/08/21


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