Jurisprudência
10 jun 15 11:16

TRIBUNAL NEGA PEDIDO DE ESTUDANTE PARA SUBSTITUIR PROFESSORA NO CURSO DE LETRAS DA FURG

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) negou recurso liminar de uma estudante de letras da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG) que pedia a substituição de uma professora por supostos problemas de relacionamento. A decisão é da 4ª Turma e foi divulgada na última semana.

A autora ajuizou a ação na Justiça Federal de Rio Grande (RS) depois de não conseguir o afastamento da docente administrativamente. Ela narra que teve uma série de problemas com a professora no ano letivo de 2014, culminando com sua reprovação na disciplina.

Uma postagem no facebook teria iniciado os desentendimentos. No post, a estudante fazia uma crítica às aulas da docente. Mesmo não tendo seu nome citado, a professora sentiu-se ofendida e ajuizou ação por danos morais na Justiça Estadual, obtendo ganho de causa no início deste mês.

Depois de ter seu pedido de tutela antecipada negado pela 1ª Vara Federal de Rio Grande, a estudante apelou ao tribunal. Ela alega que o ingresso com ação judicial por parte da professora revela a pretensão da docente de mostrar poder e superioridade.

Segundo a desembargadora federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, relatora do processo, “o mal-estar gerado entre as partes não é suficiente para legitimar a substituição da docente”. Para a magistrada, “o ajuizamento de ação em razão de comentário feito pela agravante no facebook, constituem exercício regular do direito do cidadão, não restando evidenciado o abuso dessa prerrogativa”.

A imposição judicial de substituição de docente em face de desavenças acadêmicas importa em interferência indevida no âmbito de organização interna da universidade, somente admissível em casos de evidente ilegalidade, sob pena de afronta ao princípio da autonomia universitária, previsto no art. 207 da Constituição Federal, escreveu a desembargadora em seu voto.




AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5011180-51.2015.404.0000/RS

RELATORA  :           Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

AGRAVANTE          :           ISABELLE CUNHA DA ROSA

AGRAVADO            :           FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG

 EMENTA

 ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ENSINO SUPERIOR. PROBLEMAS DE RELACIONAMENTO ENTRE ALUNO E PROFESSOR. PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DE DOCENTE. (IM)POSSIBILIDADE.

 A imposição judicial de substituição de docente em face de desavenças acadêmicas importa em interferência indevida no âmbito de organização interna da universidade, somente admissível em casos de evidente ilegalidade, sob pena de afronta ao princípio da autonomia universitária, previsto no art. 207 da Constituição Federal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 02 de junho de 2015.

Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

Relatora




AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5011180-51.2015.404.0000/RS

RELATORA  :           Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

AGRAVANTE          :           ISABELLE CUNHA DA ROSA

ADVOGADO           :           EVERTON PEREIRA DE MATTOS

AGRAVADO            :           FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão proferida em ação ordinária, nos seguintes termos:

Isabelle Cunha da Rosa ajuizou a presente ação, pelo rito comum ordinário, em face da Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURG, objetivando, em sede de antecipação dos efeitos da tutela, a substituição da docente Rubelise da Cunha, responsável pelas disciplinas de Literatura de Língua Inglesa III e IV do curso de Letras – Português/Inglês, da universidade requerida.

Aduziu ser aluna do curso de Letras – Português/Inglês da FURG. Narrou que, no ano letivo de 2014, tinha a expectativa de concluir a graduação, entretanto, enfrentou um série de problemas de relacionamento com a professora Rubelise, o que culminou com a sua reprovação na disciplina. Referiu que os diversos abusos cometidos pela docente motivaram, a partir de seu requerimento, abertura de processo administrativo pelo Instituto de Letras e Artes da Universidade, porém, nenhuma providência foi adotada. Afirmou ter publicado em seu facebook uma crítica ao curso, e mesmo sem citar nomes, a referida docente se sentiu ofendida e ingressou com a ação judicial registrada sob o nº 023/3.14.0002522-1, a qual está tramitando perante o Juizado Especial Cível da Comarca de Rio Grande, sendo postulados danos morais e a exclusão da publicação. Mencionou que, ao se matricular para o ano letivo de 2015, constatou que Rubelise seria novamente a sua professora na disciplina de Literatura de Língua Inglesa III. Dessa forma, requereu na via administrativa fosse a matéria ministrada por outro professor, o que foi indeferido. Defendeu que a situação em análise retira a necessária imparcialidade da docente na relação com a aluna, o que se assemelha às hipóteses de suspeição/impedimentos dos juízes. Assentou estarem preenchidos os pressupostos para a antecipação dos efeitos da tutela e, ao final, requereu a procedência dos pedidos veiculados na inicial.

É o sucinto relatório. Passo a decidir.

O artigo 273 do CPC preceitua que a antecipação dos efeitos da tutela poderá ser deferida desde que preenchidos os seguintes requisitos: a) prova inequívoca a convencer da verossimilhança da alegação, devidamente cumulada com b1) fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou, ainda, b2) abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.

Analisando os autos, não vislumbro, ao menos em uma análise perfunctória, a presença do primeiro dos aludidos pressupostos. Com efeito, não se pode equiparar a situação descrita com as hipóteses de impedimento/suspeição dos magistrados. Nessa senda, se problemas pontuais de relacionamento entre alunos e professores fossem suficientes para ensejar o afastamento de docentes, chegaríamos ao ponto de diversos profissionais serem impedidos de exercer a profissão, fato que obstaculizaria, inclusive, o direito fundamental à educação. Ademais, a pretensão antecipatória não envolve a simples mudança de uma turma para outra pela aluna, com disciplina ministrada por professor distinto, mas sim a substituição de docente, o que importa em interferência indevida no âmbito de organização interna da Universidade, somente admissível em casos de evidente ilegalidade, sob pena de afronta ao princípio da autonomia universitária, previsto no art. 207 da CF.

Por fim, saliente-se que eventuais comportamentos ilegítimos e abusivos de quaisquer docentes não estão, por óbvio, imunes à responsabilização, inclusive por meio de tutela judicial. Todavia, não se pode presumir que ocorrerão, tal como pretende a autora quando afirma que ‘não se pode assegurar que a mesma (professora Rubelise da Cunha) cumprirá integralmente com o que determina o Estatuto do Servidor Público no trato para com a discente’.

Destarte, impõe-se o indeferimento do pleito antecipatório.

III)

Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.

Intimem-se as partes da presente decisão, inclusive a autora para que requeira, no prazo de 10 (dez) dias, a inclusão da Sra. Rubelise da Cunha no polo passivo e a respectiva citação, uma vez que se trata de hipótese de litisconsórcio passivo necessário, já que eventual procedência da demanda interfere em sua esfera jurídica.

Sem prejuízo, cite-se a FURG.

Por fim, concedo o benefício da assistência judiciária gratuita. (grifei)

Após pedido de reconsideração, o juízo a quo proferiu a seguinte decisão:

Trata-se de pedido de reconsideração formulado pela autora, em que pretende a reforma da decisão vinculada ao evento 3, na qual foi indeferida a antecipação dos efeitos da tutela. Em síntese, reitera os argumentos trazidos na inicial, asseverando que a situação foi criada pela própria docente.

É o sucinto relatório. Decido.

As considerações trazidas pela requerente não ensejam a modificação do entendimento já exarado. Com efeito, o meio processual adequado para a reconsideração de decisão interlocutória é o recurso de agravo.

Ademais, cumpre salientar, de acordo com o já explicitado na decisão objurgada, que não se pode presumir que os problemas de relacionamento descritos irão interferir na avaliação da aluna, é dizer, inviável a presunção de má-fé e de descumprimentos dos deveres inerentes ao exercício da profissão por parte da professora.

Dessa forma, indefiro o pedido de reconsideração.

Intimem-se.

Em suas razões, a agravante alegou que o registro de boletim de ocorrência e o ingresso de ação judicial, ambos realizados pela professora em face da agravante, em virtude de comentário no facebook, revelam a pretensão da docente de mostrar poder e superioridade. Sustentou que as desavenças poderiam ter sido resolvidas no âmbito acadêmico, sendo presumido o tratamento diferenciado a que estará sujeita no próximo semestre. Ponderou que se vê coagida psicologicamente e, literalmente, nas mãos da professora, que poderá aprová-la e reprová-la a seu bel prazer, sobretudo quando a docente passar a integrar o polo passivo dessa ação. Nesses termos, requereu a antecipação da tutela recursal, para que seja determinada a troca imediata da professora Rubelise, titular da disciplina Literatura da Língua Inglesa, seja somente em face da agravante, seja em face de toda a turma.

O agravado deixou de apresentar contraminuta.

É o relatório.

VOTO

Por ocasião da análise do pedido de efeito suspensivo, foi prolatada a decisão nos seguintes termos:

Não vejo razões para alterar a decisão agravada, a cujos fundamentos me reporto como razões de decidir.

Com efeito, a imposição judicial de substituição de docente em face de desavenças acadêmicas importa em interferência indevida no âmbito de organização interna da universidade, somente admissível em casos de evidente ilegalidade, sob pena de afronta ao princípio da autonomia universitária, previsto no art. 207 da Constituição Federal.

A lavratura de boletim de ocorrência e o ajuizamento de ação judicial pela docente, em razão de comentário feito pela agravante no facebook, constituem exercício regular do direito do cidadão de recorrer à proteção estatal, não restando evidenciado, à primeira vista, abuso dessa prerrogativa.

O professor, em regra, é profissional preparado para solucionar conflitos humanos, envolvendo discentes, e preservar sua imparcialidade diante de desentendimentos ocorridos em sala de aula. A despeito disso, não se pode subtrair do profissional o direito de buscar a reparação por eventuais ofensas proferidas pelo discente, que tenham atentado contra a sua honra e dignidade, o que parece ser a hipótese dos autos.

O mal-estar gerado entre as partes não é suficiente para legitimar, em um juízo sumário, a substituição da docente. Também não há indícios de que adotará um comportamento ilegítimo e abusivo em relação à agravante. Ao contrário, a declaração, firmada por ela própria no processo administrativo n.º 23116.001492/2015-43, de que a agravante receberá o mesmo tratamento concedido aos demais alunos da disciplina, configura um compromisso que, se presume, será respeitado.

Acresço que os atos praticados por universidade pública são dotados de fé pública, em favor do qual milita a presunção de legitimidade. Com efeito, o risco de a agravante ser novamente reprovada na disciplina, tão-somente pela celeuma instaurada entre as partes, resta afastado pela existência de critérios objetivos para adoção desse tipo de medida e de um sistema recursal próprio para revisão de avaliações acadêmicas. Assim, eventual abuso nesse sentido poderá ser oportunamente corrigido.

Ante o exposto, indefiro o pedido de antecipação da tutela recursal.

Em que pesem os argumentos expendidos, não vejo motivos para alterar o posicionamento adotado, que mantenho integralmente.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos da fundamentação.

É o voto.

Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

Relatora

 

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