Jurisprudência
24 dez 21 08:09

TJ RIO CONDENA FACEBOOK POR VAZAMENTO DE DADOS NA INTERNET – LGPD

Como já afirmamos em outras decisões nesse site, não é possível, ainda, identificar uma tendência dos tribunais com relação à caracterização de dano in re ipsa, em casos envolvendo incidentes de segurança de dados pessoais. Nas hipóteses em que os titulares pleitearam danos morais em razão de vazamento ou uso indevido de dados pessoais.

Nessa decisão o TJRJ suscita que: …embora os dados tenham sido expostos por iniciativa de invasores, tal fato só foi possível por conta de erros internos de segurança da rede social (fl. 25). Ou seja, trata-se de evento que integra a atividade praticada pelo Facebook, que lida com dados pessoais rotineiramente, e deve guardá-los com zelo, dada a sensibilidade da matéria. Em outras palavras, a possibilidade de invasão corresponde a fato fortuito interno, conforme preceitua a Teoria do Risco do Empreendimento.

Mesmo tendo reconhecido a invasão de hackers, o TJRJ decidiu pela PROCEDÊNCIA do pedido, condenando a ré ao pagamento de indenização por danos morais em R$11.000,00 (onze mil reais), devidamente corrigida, a contar desta data, e sobre a qual incidirão juros de 1% ao mês desde a cotação.

Essa decisão é contrária a outra decisão do TJSP, que ao reconhecer o vazamento de dados por culpa de terceiros, afirmou tratar-se de situação isolada, incidindo a excludente do inciso III, do artigo 43, da LGPD.  Assim, diante das decisões conflitantes podemos afirmar que teremos ainda um longo caminho até a pacificação do assunto nos Tribunais.

No sentido posto, voltamos a reafirmar a necessidade de adequação a LGPD, isso com o fim de validar a excludente do inciso III, do Art. 43 da LGPD.

 

 



TJRJ • Procedimento do Juizado Especial Cível/Fazendário • Dano Moral • 0056645-39.2020.8.19.0002 • Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – Inteiro Teor

Fls. Processo: 0001036-57.2019.8.19.0212

Processo Eletrônico

Classe/Assunto: Procedimento Comum – Direitos da Personalidade / Pessoas naturais

Requerente: LUCAS SALDANHA DA GAMA DE ALMEIDA

Requerido: FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA

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Nesta data, faço os autos conclusos ao MM. Dr. Juiz

Daniela Ferro Affonso Rodrigues Alves

Em 06/07/2020

Sentença Vistos, etc.

1. LUCAS SALDANHA DA GAMA DE ALMEIDA propôs AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS em face de FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA, requerendo a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais fixada em valor não inferior a R$25.000,00.

2. Na inicial (fls. 03/13, com docs. de fls. 14/32), alega que é usuário da plataforma digital do réu, tendo ocorrido um vazamento de dados pessoais no segundo semestre de 2018 por falha interna de organização da administradora da rede social. Segundo o autor, seus dados ficaram expostos a terceiros, como nome, endereço de e-mail, número de telefone, nome de usuário, data de nascimento, religião, idioma, estado civil, cidades natal e atual, assim como informações sobre seu trabalho e instituição de ensino. Acrescenta que foram obtidas informações sobre as dez últimas localizações visitadas e as dez últimas pesquisas efetuadas na plataforma, sendo tudo isso passível de utilização em práticas como spam (envio de e-mails não solicitados em massa) ou fraudes eletrônicas.

3. Decisão que deferiu gratuidade de justiça ao autor (fl. 37).

4. Devidamente citado (fl. 206), o réu apresentou contestação (fls. 60/85, com docs. de fls. 86/201), suscitando preliminar de ilegitimidade passiva. No mérito, afirma que diversas ações com esse teor foram propostas contra si, tendo todas sido julgadas improcedentes, por ausência de prova de um dano efetivo e ameaça de banalização do instituto do dano moral. Ademais, o Facebook teria atuado para corrigir as falhas de segurança e informar seus usuários assim que teve conhecimento da invasão, inexistindo nexo de causalidade por fato de terceiro.

5. O autor se manifestou em réplica (fls. 217/218), ratificando os argumentos da inicial e afirmando que o réu tem responsabilidade solidária por integrar o grupo econômico da administradora da rede social e que o caso em tela versa sobre dano moral in re ipsa.

6. Em provas (fl. 221), o autor pugnou pela produção de prova documental (fl. 223), afirmando, também, que já colacionou os documentos à exordial. Já o réu apontou que não possui interesse na produção de novas provas (fl. 236).

É O RELATÓRIO. EXAMINADOS, DECIDO.

7. Tratando-se a questão meritória de direito e de fato e não havendo necessidade de produção de novas provas, forçoso o julgamento antecipado do mérito, na forma do art. 350, I do Código de Processo Civil, sendo certo que a lide pode ser composta no estado em que se encontra.

8. Inicialmente, carece de apreciação a preliminar de ilegitimidade passiva arguida em contestação. Afirma o réu, Facebook Serviços Online do Brasil, ser sociedade que não guarda qualquer ingerência no que tange a plataforma online da rede social homônima, sendo essa atribuição da matriz norte-americana Facebook Inc.

9. Porém, não há dúvidas de que é o réu quem responde pela conduta do grupo econômico no Brasil. Nesse sentido já decidiu este egrégio Tribunal, notadamente em caso que envolvia o aplicativo de mensagens WhatsApp, que, por fato notório, também integra o conglomerado, senão vejamos:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO (INDEX 23 DO ANEXO) QUE REJEITOU OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, MANTENDO O DEFERIMENTO PARCIAL DA TUTELA (INDEX 113 DO ANEXO). RECURSO DA RÉ AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO […]. Inicialmente, cabe afastar a tese de ilegitimidade passiva defendida pela Reclamada em relação à obrigação referente ao aplicativo Whatsapp. É de sabença notória que a empresa Facebook adquiriu o aplicativo Whatsapp. A Demandada alega que sobredito aplicativo seria gerido por pessoa jurídica com personalidade distinta, qual seja, Whatsapp Inc. Todavia, não restou demonstrado que a empresa Whatsapp Inc tivesse filial ou sucursal no Brasil, ao contrário do que ocorre com o Facebook. Nesse contexto, a Facebook do Brasil, na qualidade de representante da controladora do Whatsapp no Brasil, deve responder pelas demandas envolvendo o referido aplicativo. Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme trecho do RMS 059751 ¿ PR, de relatoria do Ministro Felix Fischer, publicado em 06/03/2019: ¿Sendo o impetrante, o Facebook Serviços Online do Brasil, o representante no país do grupo empresarial Facebook Inc., o qual engloba o Whatsapp Inc., possui legitimidade passiva para responder pelo serviço de comunicações no Brasil pelas operações do aplicativo WhatsApp.” (0040411-22.2019.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. Des (a). ARTHUR NARCISO DE OLIVEIRA NETO – Julgamento: 30/10/2019 – VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL

10. Ora, se o réu goza de legitimidade para figurar no polo passivo de ações ajuizadas por fato relacionado ao WhatsApp, certamente também responderá por demandas cuja controvérsia se volte contra a própria marca Facebook. Aplicação da teoria dos poderes implícitos.

11. Pretende o autor seja o réu condenado ao pagamento de indenização pelos danos morais alegadamente experimentados quando do vazamento de seus dados pessoais na dita rede social.

12. A relação jurídica sob análise é de consumo, devendo sobre ela incidir as normas da Lei nº 8.078/90, sendo a responsabilidade da ré objetiva, independente de comprovação de culpa, de acordo com o art. 14 da mesma.

13. Em que pese a definição de fornecedor de serviços, contida no art. 3º, § 2º do Estatuto Consumerista, conceituar serviço enquanto atividade onerosa, sabe-se que o réu aufere lucros indiretos com a veiculação de publicidade na plataforma de acesso inicialmente gratuito. No mais, há que se reconhecer a situação de disparidade técnica e econômica entre as partes. Seguindo esse raciocínio, cita-se venerável acórdão do Tribunal de Justiça Fluminense:

“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PUBLICAÇÃO OFENSIVA EM PLATAFORMA DE REDE SOCIAL (FACEBOOK) […]. Prestação de serviço gratuito, de provedor de rede social, que não desnatura a relação de consumo, considerado o lucro indireto do fornecedor, com a maciça publicidade ali veiculada. Interpretação do § 2º, do artigo 3º, da Lei nº 8.078, de 1990 (Código de Defesa do Consumidor) […]” (0084855-70.2012.8.19.0038 – APELAÇÃO. Des (a). ALCIDES DA FONSECA NETO – Julgamento: 19/02/2020 – VIGÉSIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL)

14. Por certo, tal responsabilidade pode ser afastada mediante prova de culpa exclusiva do consumidor, de terceiro, ou fortuito externo.

15. A ocorrência do vazamento de dados é incontroversa, não tendo sido objeto de impugnação específica na contestação, e é comprovada definitivamente pelos documentos de fls. 23/32.

16. Embora os dados tenham sido expostos por iniciativa de invasores, tal fato só foi possível por conta de erros internos de segurança da rede social (fl. 25). Ou seja, trata-se de evento que integra a atividade praticada pelo Facebook, que lida com dados pessoais rotineiramente, e deve guardá-los com zelo, dada a sensibilidade da matéria. Em outras palavras, a possibilidade de invasão corresponde a fato fortuito interno, conforme preceitua a Teoria do Risco do Empreendimento.

17. Mesmo antes da aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018), que se encontrava em vacatio legis na data dos fatos, e também, na data de elaboração desta sentença, o legislador já demonstrava a preocupação com a proteção dos dados pessoais.

18. A Lei nº 12.965 de 2014, intitulada Marco Civil da Internet, estabeleceu a proteção dos dados pessoais como princípio de utilização da rede no Brasil (art. 3º, III), e o não fornecimento dos mesmos a terceiros como direito dos usuários (art. 7º, VII), verbis:

“Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: […]

III – proteção dos dados pessoais, na forma da lei; (…) Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: […]

VII – não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei;”

19. A razão de ser da preocupação legislativa acima mencionada é simples: a exposição não autorizada dos dados coloca o usuário numa evidente situação de incerteza e insegurança, podendo ser alvo de operações mal intencionadas, como fraudes digitais, venda de informações ou veiculação de mensagens em massa.

20. Por conseguinte, diferente do que alega o réu, é de se reconhecer que a mera exposição das informações a terceiros é, in re ipsa, suficiente para abalar o bem-estar psíquico do indivíduo de forma que foge à normalidade.

21. É justamente essa dor subjetiva e indescritível que se entende como dano moral, que, nas lições do prof. Sérgio Cavalieri Filho in Programa de Responsabilidade Civil, 8ª ed. pág. 83, é “a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar”.

22. Ainda assim, deve o magistrado sopesar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade quando do arbitramento da indenização, evitando o enriquecimento sem causa da parte autora.

ISSO POSTO, julgo PROCEDENTE o pedido, para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais que fixo em R$11.000,00 (onze mil reais), devidamente corrigida a contar desta data e sobre a qual incidirão juros de 1% ao mês desde a cotação. Finalmente, condeno a parte ré ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% do valor da condenação.

Uma vez escoado o prazo de 15 dias previsto no art. 523 do CPC, sem que tenha havido o cumprimento da obrigação reconhecida na sentença, incidirá automaticamente a multa de 10% (dez por cento) a que se refere o artigo, bem como o Juízo procederá, de imediato, ao protesto extrajudicial da certidão de crédito elaborada pelo Cartório, na forma do art. 517 do CPC, o que deverá preceder à prática de qualquer outro ato executivo, salvo se a parte expressamente manifestar-se em sentido contrário.

Com o trânsito em julgado e o cumprimento da obrigação, observadas as formalidades legais, dê-se baixa e arquive-se.

P.R.I.

Niterói, 29/07/2020.

Daniela Ferro Affonso Rodrigues Alves – Juiz Titular

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Autos recebidos do MM. Dr. Juiz

Daniela Ferro Affonso Rodrigues Alves

Em ____/____/_____

Código de Autenticação: 4W1I.8NYN.84VQ.GUP2

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