No dia 16/12/2020, foi sancionado no DF projeto de lei que torna a educação domiciliar legal. No dia 15/12, Toledo, um município do Oeste do Paraná, aprovou um projeto que também tornou o homeschooling legal. No ano de 2019, tramitava no Rio Grande do Sul projeto de lei que também visava estabelecer o homeschooling. Algumas questões jurídicas e sociais surgem com referência ao tema:
1ª – A educação, estabelecida como direito social na Constituição, é um direito de todos?
2ª – Se a educação é um direito de todos, quem deverá garanti-la?
3ª – Os entes da federação brasileira poderiam legislar sobre o tema?
4ª – Poderia os entes da federação dispor ou autorizar o homeschooling a qualquer família?
5ª – Será que não seria exigida uma formação mínima dos pais a tal realização?
6ª – Não estaríamos diante de uma inconstitucionalidade?
7º – Tal autorização não representaria um aumento de despesas aos entes da federação?
SOLUÇÕES:
1ª – A educação, estabelecida como direito social na Constituição, é um direito de todos?
R: Para a solução desta questão destaquemos a ementa do R.Ext. 888815/RS que tratou do assunto homeschooling. Esse R.Ext. foi relatado pelo Ministro Roberto Barroso e no item 1 é descrito:
A educação é um direito fundamental relacionado à dignidade da pessoa humana e à própria cidadania, pois exerce dupla função: de um lado, qualifica a comunidade como um todo, tornando-a esclarecida, politizada, desenvolvida (CIDADANIA); de outro, dignifica o indivíduo, verdadeiro titular desse direito subjetivo fundamental (DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA). No caso da educação básica obrigatória (CF, art. 208, I), os titulares desse direito indisponível à educação são as crianças e adolescentes em idade escolar. G.n.
Da ementa, destaque-se a expressão direito indisponível com o fim de uma melhor compreensão daquilo que foi descrito. Direito indisponível é aquele tutelado[i] pelo Estado de forma peremptória[ii] e, neste caso, mesmo que a pessoa queira, não poderá opinar/declinar contra esse direito.
Neste dizer, o direito à educação, em especial, das crianças e adolescentes recebeu do legislador proteção e se apresenta como decisiva para formação da cidadania e da dignidade da pessoa humana, ou seja, a educação familiar e a regular (escolar) são ambas as responsáveis pela formação do Eu autodeterminado, fomentando a autoestima e promovendo a autossatisfação.
Diante dessa apertada síntese, podemos dizer que estamos diante de um direito social, descrito no artigo 6º da Constituição Federal de 88. Esse direito é, conforme visto, um direito indisponível que nos revela não só uma obrigação da família como também um dever do agente estatal de possibilitar as crianças e adolescentes a educação com o fim de promoção da cidadania e da dignidade da pessoa humana.
2ª – Se a educação é um direito de todos, quem deverá garanti-la?
R: Para solução dessa questão, destacaremos a ementa do R.Ext. 888815/RS, agora no item 4:
R. Ext. item 4 – O ensino domiciliar não é um direito público subjetivo do aluno ou de sua família, porém não é vedada constitucionalmente sua criação por meio de lei federal, editada pelo Congresso Nacional, na modalidade “utilitarista” ou “por conveniência circunstancial”, desde que se cumpra a obrigatoriedade, de 4 a 17 anos, e se respeite o dever solidário Família/Estado, …
A afirmação descrita na ementa do R.Ext. contraria a afirmação realizada por alguns doutrinadores e jornalistas, qual seja, de que a Educação é um direito público subjetivo[iii]. Num entendimento mais amplo, a educação domiciliar está contida no processo educacional.
Há, contudo, que se ressaltar, conforme descrito na ementa do recurso, que a Constituição não veda a educação domiciliar, porém esse regime de ensino deve ser regulado por lei federal e, assim, os entes da federação não poderiam se lançar a tal realização sem autorização de lei federal.
Quanto à obrigação de garantir a educação, o Ministro ressalta que este é um dever solidário da família e do Estado, começando aos 4 anos e se estendendo até aos 17 anos. Tal assertiva conforma com a determinação dos contidas nos artigos 205 e 208, I, ambos da Constituição Federal de 1988:
CF. 88 – Art. 205 – A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
CF. 88 – Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;
Logo, podemos concluir que estamos não só diante de um estado garantista, ou seja, o constituinte obrigou o estado no dever de ofertar o ensino regular (educação regular) para o exercício da cidadania e proporcionar condições para uma vida digna, como também de uma responsabilidade solidária do estado e família.
3ª – Os entes da federação brasileira poderiam legislar sobre o tema?
R: A Constituição Federal de 88 dispõe no seu artigo 22 que compete privativamente à União legislar sobre: XXIV – diretrizes e bases da educação nacional;
A expressão “diretrizes e bases da educação nacional” define a regularização normativa do sistema educacional do país, instituído nos princípios descritos na Carta Magna. Desta maneira, a Lei nº 9.394/1996 veio dispor sobre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
As Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada no ano 1996, preveem mecanismos a serem utilizados pelos sistemas de ensino. Neste sentido, essas diretrizes são normas que definem e regulamentam as instruções no estabelecimento de um plano orientador, projetado funcionalmente ao objetivo base. Assim, o desenvolvimento da educação nacional compreende regras básicas em todo o território brasileiro, assimilando a inserção dos indivíduos aos princípios que regem a cidadania.
Disso isso, como já mencionado anteriormente e como descrito na ementa do Recurso Extraordinário em comento, o Congresso Nacional deverá dispor de uma lei federal para instituição do homeschooling, ou seja, para que os entes da federação possam legislar sobre a matéria deverá existir uma lei que instrua todos os sistemas estabelecendo o núcleo básico de matérias acadêmicas, a supervisão, avaliação e fiscalização pelo Poder Público; bem como as demais previsões impostas diretamente pelo texto constitucional, inclusive no tocante às finalidades e objetivos do ensino; em especial, evitar a evasão escolar e garantir a socialização do indivíduo, por meio de ampla convivência familiar e comunitária (CF, art. 227) (RExt. 888815/RS o item 4).
4ª – Poderia os entes de a federação dispor ou autorizar o homeschooling a qualquer família?
R: O Poder Executivo (governo), PL 2401/2019, vem com a proposta de regulamentação do ensino domiciliar que foi apensado ao PL 3179/2012 de autoria do Deputado Lincoln Portela – PL (MG). O PL do executivo no artigo 4º dispõe que a opção pela educação domiciliar será efetuada da seguinte forma:
PL 2401/2019 – …pelos pais ou pelos responsáveis legais do estudante, formalmente, por meio de plataforma virtual do Ministério da Educação, em que constará, no mínimo:
I – documentação de identificação do estudante, na qual conste informação sobre filiação ou responsabilidade legal;
II – documentação comprobatória de residência;
III – termo de responsabilização pela opção de educação domiciliar assinado pelos pais ou pelos responsáveis legais;
IV – certidões criminais da Justiça Federal e da Justiça Estadual ou Distrital;
V – plano pedagógico individual, proposto pelos pais ou pelos responsáveis legais; e
VI – caderneta de vacinação atualizada
No sentido posto, podemos afirmar que o homeschooling não estará disponível a toda e qualquer família, isso pelo simples fato de que deverá existir um plano pedagógico individual proposto pelos pais e responsáveis legais.
5ª – Será que não seria exigida uma formação mínima dos pais a tal realização?
R: a questão é complexa demais, isso porque os pais para realização de tal fim deveriam ter no mínimo uma formação que possibilitasse a elaboração de um plano pedagógico contemplando todas as disciplinas contidas no currículo escolar. Assim, julgamos que essa matéria deveria ser descrita em lei federal.
6ª – Não estaríamos diante de uma inconstitucionalidade?
R: Conforme já abordamos na questão de nº 3, toda e qualquer lei disposta por entes da federação que visa a autorização do homeschooling, antes de uma lei federal, contraria a Constituição Federal. No sentido posto, estaríamos diante de uma inconstitucionalidade, o que possivelmente poderá ser levantada por pessoa devida autorizada a tal realização.
7º – Tal autorização não representaria um aumento de despesas aos entes da federação?
R: Conforme disposto no R. Ext. em comento, o homeschooling representaria um aumento dos gastos públicos, isso porque o poder público ficaria incumbido de fiscalizar não só controle da carga horária, bem como o cumprimento do plano pedagógico.
Não obstante, o uso de uma plataforma para o desenvolvimento do plano pedagógico exigiria também uma fiscalização, com o fim de promoção de uma certificação a cada um dos níveis educacionais. No sentido posto, a instituição do homeschooling deverá dispor da receita que fará frente aos novos gastos públicos com a fiscalização desse novo regime de educação.
Por: Dr. Ricardo Furtado – Consultor Jurídico Educacional, Tributarista, Humanista, especialista em ciências jurídicas. 29/12/2020.
[i] que tem ou recebe proteção; amparado, defendido.
[ii] que é terminante, definitivo, decisivo.
[iii] A Educação é direito público subjetivo, e isso quer dizer que o acesso ao ensino fundamental é obrigatório e gratuito; o não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público (federal, estadual, municipal), ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. Acesso em https://educador.brasilescola.uol.com.br/politica-educacional/o-direito-educacional-direito-educacao.htm, 18/12/2020.