Jurisprudência
23 fev 15 12:02

PROIBIÇÃO DE COLÉGIO EM EMITIR RUÍDOS QUE PERTURBEM A VIZINHANÇA

A juíza da 18ª Vara Cível de Brasília confirmou decisão liminar da 2ª Instância que obrigava o Colégio Imaculada Conceição a se abster de realizar eventos capazes de gerar ruídos que ultrapassem os previstos na legislação. A sentença também estabelece o pagamento de indenização por danos morais ao autor da ação.

O autor relata que há cerca de 34 anos reside na SQS 406, Bloco T, e que em frente a tal prédio, mais precisamente na L2 Sul, situa-se o estabelecimento do requerido CIPSP – Colégio Imaculada Conceição, no qual existe um ginásio de esportes. Afirmou que desde o ano de 2011, o réu passou a realizar eventos no aludido ginásio e, em razão disso, o barulho gerado em tais ocasiões trouxe transtornos insuportáveis à rotina de toda a vizinhança.

O CIPSP, por sua vez, sustentou que todos os eventos musicais/religiosos realizados são de cunho estritamente cultural e educativo, organizados e mantidos por entidades sem fins lucrativos e que jamais qualquer desses eventos ultrapassou o horário das 22 horas. Afirmou também que a utilização da música e da religião em suas atividades educacionais é uma obrigação imposta pela Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação).

Segundo a juíza, “as imagens e o áudio captados pelo autor, a prova documental produzida com a petição inicial e a prova oral produzida em juízo foram aptas à comprovação de que, nas datas apontadas, a parte requerida realizou eventos que reuniram grande número de pessoas e que causaram a emissão de ruídos excessivos” – ou seja, superiores aos limites de 50 dB no período diurno e 45 dB no período noturno, conforme estabelecidos na Lei Distrital n.º 4.092/2008.

A julgadora segue registrando que, “no caso dos autos, o colégio, enquanto entidade educacional de caráter confessional e beneficente, possui o direito de realizar em seu estabelecimento eventos que guardem pertinência com a sua natureza, inclusive eventos de índole religiosa. Todavia, na execução de tais eventos, não pode a requerida produzir ruídos em quantidade excessiva, aniquilando, por assim dizer, o direito dos demais a um ambiente sem poluição sonora”.

Assim, a juíza entendeu que a solução que se afigura correta consiste na temporária proibição de que o Colégio realize, em suas instalações, eventos religiosos, musicais, bailes, retiros e ou vigílias capazes de gerar ruídos superiores aos limites estabelecidos em lei. Tal proibição, segundo a julgadora, vigorará até que sejam instalados os mecanismos necessários para o tratamento acústico previsto nos arts. 7º, §3º, e 14, da Lei Distrital n.º 4.092/2008, observado o prazo final para adequação estabelecido no Decreto 33.868/2012 – a saber, cinco anos.

O descumprimento da ordem judicial implicará imposição de multa diária de R$ 5.000, limitada ao máximo de R$ 100.000,00.

“Necessário consignar, todavia, que a proibição aqui imposta não veda ao Colégio a utilização de sua quadra de esportes para a prática de jogos, aulas de dança, aulas de música, reunião de pais e filhos ou qualquer outra atividade relacionadas à atividade educacional”, ressalta a juíza.

No tocante ao alegado dano moral, a julgadora anota que a prática de ato ilícito por parte da ré está devidamente comprovada e consiste na realização de eventos que produziram poluição sonora e causaram ao autor mais do que mero desconforto, gerando-lhe angústia e sensação de impotência diante do descumprimento da legislação vigente. Assim, observadas as peculiaridades do caso e do fato de se tratarem de apenas três situações episódicas, reputou razoável fixar a indenização em 3.000,00.

Processo       : 2013.01.1.033165-2

Classe : Procedimento Ordinário

Assunto : Obrigação de Fazer / Não Fazer

Requerente  : ADONAI DE JESUS MADEIRA BASTO

Requerido     : CIPSP COLEGIO IMACULADA CONCEICAO

SENTENÇA

ADONAI DE JESUS MADEIRA BASTO, qualificado à fl. 02, propôs a presente ação de rito ordinário com a pretensão de obter um provimento jurisdicional, tanto em sede de antecipação de tutela, quanto no julgamento final de mérito, que iniba o INSTITUTO PASSIONISTA DE EDUCAÇÃO MARIA RAINHA DA PAZ (CIPSP – COLÉGIO IMACULADA CONCEIÇÃO), também qualificado à fl. 02, de “realizar eventos musicais ou de qualquer outra natureza que produzam ruído à vizinhança, em seu ginásio de esportes e/ou dependências internas e/ou externas, inerentes ou distintos da atividade finalística educacional ou mediante cessão de espaço, arrendamento, aluguel, permissão, ou a que título for, em qualquer dias da semana e/ou finais de semana e/ou feriados, nos períodos diurno ou noturno, até que seja instalado adequado e eficiente tratamento acústico de acordo com as especificações legais e hábil à cessação da poluição sonora, independentemente de alvará/concessão/permissão/autorização ou outro ato da Administração Pública”, sob pena de multa. Pretende ainda a parte autora a realização de estudo de impacto ambiental e, em sendo recomendado no referido estudo, a condenação da requerida em obrigação de fazer consistente na realização de tratamento acústico em seu ginásio de esportes. Busca, por fim, ser compensado no montante de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por danos morais que alega ter sofrido por conta da perturbação do sossego perpetrada.

Em favor de sua pretensão, o autor relatou que há cerca de trinta e quatro anos reside na SQS 406, Bloco T, e que em frente a tal prédio, mais precisamente na L2 Sul, situa-se o estabelecimento do requerido CIPSP – Colégio Imaculada Conceição, no qual existe um ginásio de esportes. Afirmou que desde o ano de 2011, o requerido passou a realizar eventos no aludido ginásio e em razão disso todo o barulho gerado em tais ocasiões trouxe transtornos insuportáveis na rotina do autor e de toda a vizinhança. Mencionou eventos ocorridos em 04 e 05 de agosto de 2012, no período de carnaval de 2013 e no dia 10/03/2013 e afirmou que tem passado por um verdadeiro calvário na tentativa de resolver o problema, dado que o requerido e os órgãos públicos, embora provocados, nada fizeram para remediar a situação.

A petição inicial veio instruída com os documentos de fls. 37/83.

A ação foi inicialmente proposta perante a Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Distrito Federal, mas aquele Juízo, em decisão interlocutória proferida às fls. 84/86, declarou-se incompetente.

Redistribuídos, os autos foram recebidos por esta 18ª Vara Cível de Brasília.

A decisão interlocutória de fl. 94, retificada à fl. 95, indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela formulado. Contra essa decisão, a parte autora interpôs agravo de instrumento (fls. 100/111) e obteve a antecipação dos efeitos da tutela recursal, conforme se vê às fls. 112/113. O relator do AGI 2013002009797-6, Desembargador Alfeu Machado, determinou que a parte requerida “não realize enquanto não julgado o AGI eventos sociais, religiosos, musicais, bailes, retiros e/ou vigílias; sob pena de configurar para a representante legal da Agravada crime de desobediência, Multa Diária de R$ 5.000,00 limitada a R$ 100.000,00 em caso de descumprimento da decisão judicial em comento e também determinação de interdição da Quadra com desvio de finalidade, exceto aquelas pertinentes como prática de Educação Física, Jogos; enfim, aquelas típicas de entidade educacional.”

Citado (fl. 121), o CISP – Colégio Imaculada Conceição (Instituto Passionista de Educação Rainha da Paz) apresentou a contestação de fls. 125/143. Nela, sustentou que todos os eventos musicais/religiosos realizados são de cunho estritamente cultural e educativo, organizados e mantidos por entidades sem fins lucrativos e que jamais qualquer desses eventos ultrapassou o horário das 22 horas. Afirmou também que a utilização da música e da religião em suas atividades educacionais é uma obrigação imposta pela Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Ressaltou que o estabelecimento em que se localiza o colégio está situado desde a década de 60 na 606 Sul, área onde há outras escolas e também uma igreja e que entre a sede da requerida e o apartamento do autor está a via L2 Sul, não sendo crível que apenas o barulho advindo de atividades esporádicas do requerido incomode a parte autora. Por último, alegou não haver dano moral a ser indenizado.

Junto da contestação, vieram os documentos de fls. 144/205.

Réplica apresentada às fls. 209/239, acompanhada de documentos (240/253).

Oportunizada a especificação de provas, a parte autora apresentou a petição de fls. 258/263 e requereu a produção de prova oral, consistente no depoimento pessoal da parte adversa e oitiva de testemunhas, bem como a realização de EIA/RIMA ou, alternativamente, perícia técnica. Já a parte requerida pleiteou às fls. 264/265 a produção de prova testemunhal.

Às fls. 271/278 a parte ré apresentou novos documentos, dos quais teve ciência o autor, tendo se manifestado às fls. 305/310.

Por meio da petição de fls. 311/318 e documentos que a acompanharam (fls. 319/355), o autor veio a Juízo comunicar alegado descumprimento da decisão judicial que lhe antecipou os efeitos da tutela, ao que se contrapôs a parte requerida (fls. 363/364).

Audiência preliminar com vistas à conciliação realizada em 28/05/2014 (fl. 370), sem êxito, contudo. Em seguida, os autos foram remetidos para o CEJUSC, para mediação, mas também não se obteve sucesso (fl. 376).

Deferida a produção de prova oral (fls. 378), foram ouvidas em audiência a representante legal do requerido, Maria José Campanharo (fl. 458/458v), e as testemunhas Antônio Barbosa da Rocha (fl. 459), arrolada pelo autor, e Carlos Emanuel Ascensão Veras (fl. 460) e Antônia Bonfim de Aguiar (fl. 461), arroladas pelo requerido, tendo as partes desistido da oitiva das demais testemunhas arroladas.

No prazo assinalado, foram apresentadas as alegações finais em forma de memoriais pelo autor (fls. 462/479) e pelo requerido (fls. 480/484).

II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1 Preliminarmente: do alegado descumprimento da decisão judicial que antecipou os efeitos da tutela.

De início, necessário fixar se houve ou não descumprimento da decisão judicial que, em grau de recurso, concedeu a antecipação dos efeitos da tutela requerida na petição inicial.

Conforme se vê às fls. 112/113, a decisão monocrática proferida pelo Desembargador Alfeu Machado determinou à parte requerida que “não realize enquanto não julgado o AGI eventos sociais, religiosos, musicais, bailes, retiros e/ou vigílias; sob pena de configurar para a representante legal da Agravada crime de desobediência, Multa Diária de R$ 5.000,00 limitada a R$ 100.000,00 em caso de descumprimento da decisão judicial em comento e também determinação de interdição da Quadra com desvio de finalidade, exceto aquelas pertinentes como prática de Educação Física, Jogos; enfim, aquelas típicas de entidade educacional.”

Por ocasião do julgamento do AGI 20130020097976, a 1ª Turma Cível, em acórdão relatado pelo Desembargador Gilberto Pereira de Oliveira, confirmou a decisão monocrática mencionada acima. No acórdão cuja cópia encontra-se às fls. 292/295, determinou-se que “a Agravada não realize, até o julgamento final da ação 2013.01.1.033165-2, eventos religiosos, musicais, bailes, retiros e ou vigílias; sob pena de configurar, para a representante legal, crime de desobediência, Multa Diária de R$ 5.000,00, limitada a R$ 100.000,00, em caso de descumprimento da decisão judicial em comento e também determinação de interdição da quadra com desvio de finalidade, exceto aquelas pertinentes como prática de educação física, jogos, reunião de pais e alunos; e todas aquelas típicas de Entidade Educacional.” (sem destaque no original)

Fixados os limites da decisão judicial antecipatória, a análise dos arquivos constantes do CD apresentado pela parte autora (fl. 341) não revela qualquer descumprimento à decisão judicial.

Com efeito, as imagens ali apresentadas demonstram a realização de jogos esportivos, por um número reduzido de pessoas (em vários arquivos, aparecem apenas 12 jogadores na quadra e uma pessoa assistindo ao jogo), evento que, a julgar pela experiência hominis, é incapaz de produzir ruídos excessivos para o autor, que mora do outro lado da via L2 Sul. De igual modo, nas imagens relativas à aula de dança, não há registro de qualquer ruído excessivo, capaz de configurar poluição sonora.

Convém realçar, inclusive, que a maioria dos vídeos não foi filmada da sacada do apartamento do autor, o que seria relevante para verificar se o barulho chega, de fato, até sua residência. Ao revés, o autor atravessou a via L2 (que possui seis faixas para veículos) e gravou, em algumas ocasiões, dentro do ginásio, e, em outras, após ser proibido de entrar no colégio, gravou na via pública imediatamente contínua ao estabelecimento. E mesmo assim (gravando no local), em vários arquivos o som que sai do ginásio é completamente abafado pelo barulho do trânsito da via L2, o que é elemento apto a demonstrar que não ultrapassa o limite do tolerável para aquela região (45 decibéis no período noturno, conforme a Lei Distrital 4.092/2008).

Ao que parece, o autor pretende emprestar ao acórdão de fls. 292/295 alcance que o julgado não comporta. Em nenhum momento foi proibido o uso do ginásio de esportes. O acórdão proferido proibiu a realização de eventos específicos (eventos religiosos, musicais, bailes, retiros e ou vigílias), os quais, no entender do colegiado, representavam desvio e abuso do exercício do direito de propriedade pela parte requerida. Ficou expressamente ressalvada a possibilidade de realização de jogos, reunião de pais e alunos e todas as atividades típicas de entidade educacional.

Aulas de dança e jogos de vôlei são atividades adequadas a um ginásio de esportes, estando também evidentemente abrangidas pela atividade educacional, ainda que tenham como público pessoas da comunidade, e não estritamente alunos do colégio. Ademais, como já anotado nesta sentença, no caso concreto não há prova alguma de que tais atividades produziram ruídos excessivos. Assim, se não há desvio de finalidade na utilização do ginásio para a prática de tais eventos (aula de dança e jogo de vôlei), tampouco abuso de direito (não foram produzidos ruídos excessivos) e, ainda, se tais atividades foram ressalvadas pelo acórdão de fls. 292/295, inexiste descumprimento de decisão judicial.

Por fim, no que diz respeito ao descumprimento noticiado nas alegações finais d autor, não há qualquer prova do ocorrido. Registre-se que poderia o autor ter filmado da sacada de sua residência, pois, caso se tratasse de evento causador de barulho excessivo, certamente captaria o som, como captou por ocasião dos eventos ocorridos em agosto de 2012 e em março de 2013.

2.2 Mérito

  1. a) Tutela inibitória

Do relatório apresentado nesta sentença, extrai-se que o autor busca em juízo, além da tutela ressarcitória (indenização por dano moral), tutela inibitória apta a impedir a repetição de ilícito que apontou ter sido praticado pela parte ré.

O ilícito em questão consistiria, conforme a petição inicial, na realização de eventos causadores de poluição sonora no ginásio do Colégio Imaculada Conceição, o qual não ostenta tratamento acústico.

Foram três os eventos narrados na petição inicial: o primeiro, realizado nos dias 04/08/2012 e 05/08/2012; o segundo, realizado durante o período de carnaval de 2013; e o terceiro, realizado em 10/03/2013.

As imagens e o áudio captados pelo autor, a prova documental produzida com a petição inicial e a prova oral produzida em juízo foram aptas a comprovação de que, nas datas apontadas, a parte requerida realizou eventos que reuniram grande número de pessoas e que causaram a emissão de ruídos excessivos.

Em seu depoimento pessoal prestado à fl. 458/458v, a sra. Maria José Campanharo, diretora do Colégio Imaculada Conceição, declarou que:

“o evento chamado escalada reunia cerca de 800 pessoas e consistia em um encontro de jovens com os pais, vindos de uma cidade próxima de Brasília, ocasião em que havia uma missa; (…); não existe tratamento acústico nas instalações da escola; (…); os eventos da Canção Nova e do Shalom ocorreram uma vez e duas vezes, respectivamente; o evento ESCALADA chegou a reunir 800 pessoas, no qual havia um som normal, de microfone e o da missa; no evento esporádico do carnaval, houve banda em 2012 e bi evento da Canção Nova também; reconhece, relativamente às vigílias, que havia som alto e fora de horário, e, após esta ação, o colégio deixou de realizá-las;”

A testemunha Carlos Emanoel Ascenção Veras, em Juízo, afirmou (fl. 460):

“(…); um desses eventos é chamado Renascer, que é um retiro de carnaval na qual são convidadas pessoas da comunidade para oração, pregações, palestras, missa, música; por duas vezes realizou este evento no colégio; o evento começa domingo de carnaval e dura até terça de carnaval; o público que freqüentou esses eventos é estimado pelo depoente em cerca de 300 pessoas; em virtude desta ação, embora tenha pedido à irmã aqui presente para realizar o evento, novamente no colégio, esta lhe negou;”

Apesar de não ter sido realizada perícia para detectar que os ruídos produzidos em tais eventos ultrapassaram os limites de 50 dB estabelecidos para o período noturno por meio da Lei Distrital n.º 4.092/2008, este Juízo entende que o cenário probatório delineado nestes autos contém provas suficientes de que as atividades realizadas naqueles dias, pelo aglomerado de pessoas que reuniu e também pela utilização de equipamentos de som que propagam o barulho, causaram poluição sonora em níveis inadequados.

Destaque-se, ademais, que era impossível ao autor produzir prova técnica relativamente a tais eventos, uma vez que se trata de acontecimentos passados, em relação aos quais tal prova não seria mais possível.

De todo modo, a tutela inibitória voltada para evitar a repetição do ilícito é um tipo de tutela que, muito embora considere fatos passados, tem seus olhos projetados para o futuro, uma vez que o que se pretende evitar é a reiteração de atos ilícitos.

Assim, após constatar a ocorrência de ilícito, a análise deste Juízo deve se voltar à adoção de medidas capazes de evitar a sua repetição.

Nesse contexto, vale pontuar que a situação trazida aos autos envolve conflito entre direitos fundamentais: de um lado, o direito a um meio ambiente sadio e equilibrado, o que envolve, por óbvio, um ambiente livre de atividades produtoras de ruídos excessivos; de outro, o direito à livre reunião e à liberdade de culto.

A moderna dogmática dos direitos fundamentais ensina que, em caso de colisão, a solução hermenêutica a ser adotada não se dá com base nos critérios tradicionais utilizados para resolver os conflitos entre regras (cronológico, hierárquico e especialidade), eliminando-se um dos direitos em choque, mas sim pela utilização do método da ponderação, segundo o qual, apenas no caso concreto, observado o critério da proporcionalidade, é que possível decidir qual direito será preponderante. Igualmente, é dever do intérprete guiar-se pelo princípio da concordância prática, o qual exige um esforço hermenêutico no sentido de compatibilização dos direitos fundamentais, impondo limites a cada um deles, de modo que todos alcancem uma realização ótima.

No caso dos autos, a requerida, enquanto entidade educacional de caráter confessional e beneficente, conforme descrito em seu Estatuto (fls. 151), possui o direito de realizar em seu estabelecimento eventos que guardem pertinência com a sua natureza, inclusive eventos de índole religiosa.

Todavia, na execução de tais eventos, não pode a requerida produzir ruídos em quantidade excessiva, aniquilando, por assim dizer, o direito dos demais a um ambiente sem poluição sonora.

Resulta claro que, quando se menciona o direito a um ambiente livre de poluição sonora, não se está a fazer referência a um ambiente completamente isento de ruídos.

Isso porque, nos termos da Lei Distrital n.º 4.092/2008, art. 3º, I, pode-se conceituar poluição sonora como “toda emissão de som que, direta ou indiretamente, seja ofensiva ou nociva à saúde, à segurança e ao bem estar da coletividade ou transgrida o disposto nesta Lei.” Já ruído é definido como “qualquer som ou vibração que cause ou possa causar perturbações ao sossego público ou produza efeitos psicológicos ou fisiológicos negativos em seres humanos e animais; (art. 3º, VII).

A saída para a compatibilização dos direitos ora em colisão já está prescrita em lei e envolve a implantação de mecanismos de tratamento acústico. É justamente essa a solução prevista nos arts. 7º, §3º, e 14, da Lei Distrital n.º 4.092/2008, o qual dispõe.

Art. 7º O nível máximo de pressão sonora permitido em ambientes internos e externos e os métodos utilizados para a sua medição e avaliação são os estabelecidos pela ABNT NBR 10.151 e pela ABNT 10.152, especificados nas Tabelas I e II dos Anexos I e II desta Lei.

(…)

  • 3º Escolas, creches, bibliotecas, hospitais, ambulatórios, casas de saúde ou similares deverão comprovar devido tratamento acústico, visando ao isolamento do ruído externo, para adequação do conforto acústico, conforme estabelecido os níveis estabelecidos pela ABNT NBR 10.152, ressalvado o disposto no art. 28 desta Lei.

Art. 14. Os ambientes internos de quaisquer estabelecimentos, exceto os de natureza religiosa*, no caso de atividades potencialmente poluidoras, devem receber tratamento acústico nas instalações físicas locais para que possam atender aos limites de pressão sonora estabelecidos nesta Lei.

(obs: a expressão “exceto os de natureza religiosa” foi declarada inconstitucional pelo TJDFT na ADI 2009 00 2 001564-5).

Assim, revela-se desnecessária a realização de EIA/RIMA, tal como requerido pelo autor em sua petição inicial, para concluir sobre a necessidade de implantação de mecanismos de tratamento acústico, dado que tal obrigação já é imposta por lei.

Ocorre que o art. 40 do Decreto n.º 33.868/2012, publicado em 23/08/2012, concedeu um prazo de cinco anos para que os estabelecimentos providenciem o tratamento acústico exigido pela Lei 4.092/2008, prazo esse que somente se esgotará em 2017.

Desse modo, não é viável que este Juízo imponha a imediata instalação de equipamentos necessários ao tratamento acústico do ginásio de esportes da requerida, dado que há instrumento do Poder Executivo, a priori legal e constitucionalmente legítimo, que concede aos estabelecimentos em geral um prazo mais elástico para adequação.

Em tal contexto, a solução que se afigura correta para compatibilizar os direitos fundamentais em conflito passar pela temporária proibição de que a requerida realize nas instalações do Colégio Imaculada Conceição eventos religiosos, musicais, bailes, retiros e ou vigílias capazes de gerar ruídos superiores aos limites de 50 dB no período diurno e 45 dB no período noturno, que são os limites estabelecidos para áreas residências ou de hospitais, escolas e bibliotecas pelo no Anexo I, da Lei Distrital n.º 4.092/2008. Tal proibição vigorará até que sejam instalados os mecanismos necessários para o tratamento acústico, observado o prazo final para adequação estabelecido no Decreto 33.868/2012.

Depois de instalados os mecanismos necessários para o tratamento acústico por parte da requerida, poderão ser realizados eventos da natureza acima explicitada, a depender, se for o caso, de licenças ou autorizações especiais do Poder Público, uma vez que, em virtude do conforto acústico proporcionado com tal instalação, os níveis de pressão sonora certamente não ultrapassarão os limites estabelecidos no Anexo I da Lei Distrital n.º 4.092/2008. Evidentemente que, em qualquer caso, continuam aplicáveis os limites de decibéis estipulados no mencionado anexo, os quais de maneira alguma podem ser ultrapassados, haja ou não tratamento acústico.

Necessário consignar, todavia, que a proibição aqui imposta não veda ao Colégio Imaculada Conceição a utilização de sua quadra de esportes para a prática de jogos, aulas de dança, aulas de música, reunião de pais e filhos ou qualquer outra atividade relacionadas à atividade educacional.

A propósito, por atividade educacional, não deve ser entendida apenas aquela dirigida aos alunos matriculados no colégio. Com efeito, observada a função social ínsita à atividade educacional, impedir que a requerida ceda seu ginásio para que pessoas da comunidade pratiquem esportes ou façam aula de dança é medida que cerceia indevidamente uma iniciativa de relevante interesse social. Ressalte-se que tais atividades não são potencialmente poluidoras como são as atividades que envolvem centenas de pessoas com cânticos, aparelhagem de som, etc., de modo que sua proibição não repercutiria na satisfação do direito a um meio-ambiente sem poluição sonora. Por óbvio, tais atividades (práticas de esportes, aulas de dança, etc) devem ser praticadas sem qualquer abuso por parte da requerida, evitando-se a propagação de ruídos acima dos limites legalmente estabelecidos.

Importa, ainda, consignar que a circunstância do Alvará de funcionamento referir-se ao horário das 07 às 19h diz respeito às atividades estritamente letivas, não havendo, no entender deste Juízo, óbice para que a requerida realize atividades extracurriculares em horários diversos, desde que respeitadas as normas relativas ao controle da poluição sonora.

Anote-se, também, ser descabido que este Juízo fixe dias e horários para que a requerida realize eventos musicais depois de implementado o tratamento acústico. Ora, o dia e o horário em que se realizam os eventos são indiferentes, bastando apenas que sejam respeitados os limites de emissão de ruídos compatíveis com o período diurno e com o período noturno, estabelecidos no Anexo I da Lei n.º 4.092/2008.

Por fim, quanto ao pedido formulado no item 8 da petição inicial, os órgãos responsáveis pela fiscalização, notadamente o IBRAM, já atuaram na fiscalização do estabelecimento da requerida, depois da determinação feita pelo eminente Desembargador Alfeu Machado, não havendo outras providências a serem tomadas neste caso. Ademais, a Lei Distrital 1.065/96, invocado pelo autor, foi revogada pela Lei Distrital n.º 4.092/2008.

  1. b) Dano moral

Como é cediço, o dever de indenizar, em situações como a dos autos, exige a comprovação da prática de um ato ilícito, de culpa lato sensu, de um dano e de nexo causal, a conectar o primeiro e o terceiro elementos.

Especificamente em relação aos danos morais, necessário também demonstrar que o dano sofrido representou abalo à honra, à dignidade ou a outro aspecto relevante da personalidade.

A prática de ato ilícito por parte da requerida está devidamente comprovada e consiste na realização de eventos que produziram poluição sonora e causaram ao requerente mais do que mero desconforto, gerando-lhe angústia e sensação de impotência diante do descumprimento da legislação aplicável por parte da requerida, apesar dos contatos promovidos pelo requerente na tentativa de alertar a direção do colégio para o problema por ele sofrido.

Presente, também, a culpa, em sentido estrito, uma vez que inexistem elementos aptos a demonstrar que agiu a requerida dolosamente, movida por algum propósito escuso. Muito pelo contrário. Nada obstante a inobservância dos níveis de emissão de ruídos, os eventos promovidos pela requerida tiveram inegável conotação altruística, de formação cristã, fator que deve ser sopesado por este Juízo.

Some-se a isso a circunstância de que se tem poluição sonora episódica e não decorrente de atividade habitual da requerida. Assim, a angústia sofrida pelo autor também envolveu situações episódicas e de curta duração.

Necessário ainda consignar que algumas ilações feitas pela parte autora não restaram comprovadas nos autos. É o caso da afirmação de que precisou viajar no período de carnaval por conta do evento promovido pela demandada. Ora, não produziu o autor qualquer prova que demonstrassem a relação de causa e efeito entre um fato e outro. Além disso, boa parte do “calvário” que afirma ter percorrido na tentativa de resolver o problema pode ser imputada a omissões de órgãos do Poder Público, e não especificamente à conduta da requerida.

Assim, muito embora reconheça o dano moral, este Juízo não dá a ele cores tão fortes como as que foram pintadas pelo autor em sua petição inicial.

Pois bem. De acordo com o art. 944 do Código Civil, a indenização mede-se pela extensão do dano. Entretanto, é sabida a dificuldade existente em precisar a extensão em casos de danos extrapatrimoniais, dado que em tais hipóteses não há um ressarcimento propriamente dito, mas uma compensação pecuniária pela afetação ocorrida a direitos que não possuem viés econômico.

Nesse contexto, doutrina e jurisprudência indicam a necessidade de atentar para o parâmetro da razoabilidade, fixando-se montante que, a um só tempo, sirva para punir e inibir o causador do dano, desestimulando a reiteração da prática ilícita, sem, contudo, gerar enriquecimento ilícito à vítima.

Dessa forma, mostra-se de fundamental importância a ponderação do magistrado quando do arbitramento do valor da indenização, para evitar que este seja visto como insignificante pelo ofensor ou se transforme em fonte de renda indevida para o lesado. Assim, além do postulado da razoabilidade, deve-se dar especial atenção às condições específicas do ofensor e do ofendido, de forma que seja atendido o caráter compensatório, pedagógico e punitivo da condenação.

No caso dos autos, observadas as suas peculiaridades, notadamente a ausência de propósito censurável na realização dos eventos e de se tratarem de apenas três situações episódicas, reputa-se razoável fixar a indenização em 3.000,00 (três mil reais).

Convém frisar que o montante pleiteado pelo autor (R$ 30.000,00) encontra-se completamente dissociado da prática jurisprudencial, tanto do TJDFT, quanto do STJ. Apenas para fins de comparação, observe-se que em situações de danos de maior monta, que envolvem o direito à vida, como, por exemplo, negativa de cobertura de tratamento de saúde ou negativa no fornecimento de medicamente, não se tem fixado indenização no patamar pretendido pelo autor.

III – DISPOSITIVO:

Diante do exposto, resolvo o mérito do processo, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial para:

  1. a) ao confirmar a tutela antecipada deferida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios no Agravo de Instrumento 20130020097976, determinar à parte ré que se abstenha de realizar em seu estabelecimento eventos religiosos, musicais, bailes, retiros e ou vigílias capazes de gerar ruídos superiores aos limites de 50 Db no período diurno e 45 dB no período noturno, conforme estabelecido no Anexo I, da Lei n.º 4.092/2008, antes que seja providenciado tratamento acústico, visando ao isolamento do ruído externo, nos termos do art. 7º, §3º da Lei Distrital n.º 4.092/2008, o qual possui como termo final para instalação o estipulado no art. 40 do Decreto n.º 33.868/2012. Fica expressamente excepcionada da proibição ora imposta a utilização das instalações da requerida para a prática de esportes, aulas de dança, aulas de música, reunião de pais e alunos e demais atividades relacionadas à finalidade educacional, tenha como público destinatário alunos ou pessoas da comunidade, devendo a requerida evitar que em tais eventos e em quaisquer outros que realize, o ruído gerado ultrapasse os limites estabelecidos no Anexo I da Lei n.º 4.092/2008, já referidos. O descumprimento da ordem judicial implicará imposição de multa diária de R$ 5.000 (cinco mil reais), limitada ao máximo de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
  2. b) condenar a requerida ao pagamento, em favor do autor, de R$ 3.000,00 (três mil reais) a título de compensação pelos danos morais causados, quantia essa a ser corrigida monetariamente pelo INPC a partir da data desta sentença e acrescida de juros de mora de 1% (um por cento ao mês) a contar de 04/05/2012, data em que ocorreu o primeiro evento danoso.

Considero que a parte autora decaiu de parte mínima do pedido e, por essa razão, com base no art. 21, parágrafo único, do Código de Processo Civil, condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e de honorários de sucumbência, estes últimos arbitrados em R$ 1.000,00 (um mil reais), nos termos do art. 20, §4º, do Código de Processo Civil, tendo em conta que o pedido de tutela inibitória possui valor inestimável, o que atrai a aplicação do referido dispositivo legal.

Sentença registrada eletronicamente nesta data. Registre-se e intimem-se as partes.

Não sendo interposto recurso no prazo legal, certifique-se o trânsito em julgado. Recolhidas as custas e na hipótese de nada ser requerido pela parte autora quanto ao cumprimento de sentença, arquivem-se os autos.

Brasília – DF, segunda-feira, 23/02/2015 às 17h40.

Paula Afoncina Barros Ramalho

Juíza de Direito Substituta

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