Parecer Normativo CEE/RJ 075, de 26/11/2019 – responde à consulta da ETP – Escola Técnica quanto à aplicabilidade do art. 53 da Deliberação CEE/RJ 316/2010 e, dá outras providências
HISTÓRICO:
Alex Corrêa da Rocha, qualificado nos autos do processo, representante legal da Fernandes e Almeida Escola Média de Formação Técnica e Profissional LTDA.-ME, mantenedora da ETP – Escola Técnica, CNPJ nº 10.764.265/0001-10, situada na Alameda Carlos Lacerda nº 423, Liberdade, Rio das Ostras – RJ, solicita pronunciamento deste Colegiado quanto ao alcance e à aplicabilidade do artigo nº 53 da Deliberação CEE nº 316, de 30 de março de 2010.
A instituição de ensino, conforme destaca o representante legal às fls. 03 do processo é autorizada a funcionar nos termos da legislação em vigor desde o ano de 2010, quando inicia suas atividades nos termos do Parecer CEE nº 129/2010.
No ano de 2019, obedecidas as disposições previstas no artigo 53 da Deliberação CEE nº 316/2010, a instituição de ensino protocola o processo nº E-03/004/2927/2019, onde em 22 de julho de 2019 é cientificado que o processo não poderá prosperar, estando errada sua fundamentação.
O representante legal destaca que recebeu a seguinte informação quanto a negativa:
“(…) a partir deste momento mudaram o entendimento e por esta razão precisaria solicitar a autorização de novos cursos com base no Art. 27 da mesma Deliberação”, informação essa que, segundo o representante legal, se confirma em consulta junto ao Órgão Central de Inspeção Escolar, que ao ser consultado informou que existe uma
“Promoção do jurídico da Secretaria de Educação que exige as portarias para justificar o pedido com base no Art. 53.”.
Cumpre destacar que, a instituição de ensino autuou entre os anos de 2014 e 2018 outros quatro (4) processos com a referida fundamentação, recebendo Parecer Favorável em todos eles, conforme atestam as publicações no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, de 31 de agosto de 2017 (página 13) e de 27 de março de 2018 (página 16). DO
MÉRITO
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso II, estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Esta premissa estabelece, de modo objetivo e inequívoco, que a lei é soberana sobre a vontade, seja ela pessoal ou institucional. E nela fundamenta-se o Princípio da Legalidade, sobre o qual a Administração Pública deve praticar seus atos. Essa é a missão primeira do ente público, deixar de observá-la, para além de um ato arbitrário e ilegal, cria um cenário de insegurança jurídico-institucional que compromete a estrutura sobre a qual repousa o funcionamento da própria sociedade.
No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, em consonância com os Princípios Constitucionais vigora a Lei nº 5.427, de 01 de abril de 2009, que ao disciplinar os atos e processos da Administração Pública Fluminense, define expressamente em seu artigo segundo a obrigatoriedade de obediência aos Princípios da Administração Pública, com destaque para os de transparência, legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, impessoalidade, eficiência, celeridade, oficialidade, publicidade, participação, proteção da confiança legítima e interesse público.
O legislador no exercício de sua função não se limitou a estabelecer a definir o caráter obrigatório de tais princípios, ele os elenco nominalmente e, de modo objetivo estabeleceu a preocupação em definir meios para se garantir a proteção da confiança legítima e o interesse público, que neste cenário podem ser percebidos não só como princípios, mas como finalidades da ação pública.
O presente caso não é um exemplo isolado de desafios que permeiam as relações no âmbito do Sistema de Ensino do Estado do Rio de Janeiro.
Processos e consultas que chegam a este Colegiado relatam situações com igual gênese, onde a interpretação da norma, por diferentes razões e motivos, sobrepuja a própria norma, ignorando sua literalidade, levando este Colegiado a uma reflexão sobre a necessidade de esclarecimento e organização objetiva dos espaços, tempos e movimentos de cada ente institucional.
A Lei nº 4.528, de 28 de março de 2005, ao estabelecer as diretrizes para a organização do Sistema de Ensino do Estado do Rio de Janeiro define, de maneira inequívoca, a existência de dois entes institucionais na condução dos processos de autorização e funcionamento de instituições de ensino (objeto da presente consulta).
O primeiro, o Conselho Estadual de Educação e o segundo, o órgão executivo integrante da Secretaria de Estado de Educação. Nesse contexto e, especialmente, quanto aos processos e procedimentos definidos pela Deliberação CEE nº 316/2010, podemos concluir que o papel deste importante órgão se caracteriza por sua natureza vinculada, ou seja, seus atos tem caráter operacional, vinculados pela literalidade da normativa.
Enquanto o Conselho Estadual de Educação na análise processual, sobretudo os da esfera recursal, exerce suas prerrogativas por meio de uma contextualização ampla e fundamentada em Princípios Gerais da Administração Pública, tendo por justificava eventuais lacunas legais e a supremacia do interesse público, onde a prática do ato é conveniente e oportuna.
O órgão próprio da SEEDUC tem sua ação caracterizada como ato administrativo vinculado, assim definido por Massa (2015) em artigo apresentado à Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro:
“Ato Administrativo Vinculado é o ato praticado pela Administração Pública, por agente público competente e que observou todos os requisitos exigidos em lei para sua prática. Esse ato possui todos os elementos vinculados à lei, não existindo espaço para discricionariedade.”.
Observar a natureza vinculada, ou não, de um ato administrativo e as medidas dele decorrentes, constitui condição fundamental para o bom funcionamento do Sistema de Ensino.
Avocar a discricionariedade como instrumento de tomada de decisão em processos operacionais, além de inapropriada dada sua natureza, cria um espaço favorável à arbitrariedade, na medida em que a subjetividade do agente público que aplica a norma dá lugar a objetividade do ato.
Celso Castro no artigo “Administração Pública e o Risco da Arbitrariedade”, publicado no ano de 2015, ao discutir a relação entre discricionariedade e arbitrariedade destaca que “a arbitrariedade, como um vírus que destrói o organismo social, aloja-se, de forma quase sempre disfarçada, em atitudes ou ações revestidas de um grau de aparente credibilidade.”.
E, complementa a discussão lembrando que, “é falso, além de malicioso, o mito de que a discricionariedade resultaria no propósito de conceder-se liberdade de ação para o administrador, negada nos atos vinculados.”.
Cumpre destacar, ainda, que o exercício de qualquer ato administrativo, seja ele discricionário ou vinculado, pende de motivação, embasamento legal e atendimento ao fim público que se propõe. De maneira muito clara e didática o § 1º, do art.2º, da Lei nº 5.427/2009 enumeram as normas a serem observadas nos processos e procedimentos, das quais destacamos o inciso XII “interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada a aplicação retroativa de nova interpretação, desfavorável ao administrado, que se venha dar ao mesmo tema, ressalvada a hipótese de comprovada má-fé.”.
Sobre a situação prevista no artigo 53 da Deliberação CEE nº 316/2010, autorização de novo curso, onde são elencados documentos específicos, sendo dispensados outros, a mesma em essência não traz inovações à análise processual.
O artigo 33 da Lei nº 5.427/2009 já prevê ação similar na instrução processual, onde o interessado fica dispensado de apresentar documentos que comprovem fatos ou dados existentes no próprio órgão responsável ou em outro órgão da Administração, cabendo a está Verificar a veracidade dos fatos.
Ora, a autorização anterior, independente de emitida sob a forma de Parecer Favorável, Parecer do CEE ou Portaria do Poder Executivo, quando emitida constitui um ato administrativo legítimo.
Hely Lopes Meirelles ao tratar do tema, assim se pronuncia:
“Os atos administrativos, qualquer que seja sua categoria ou espécie, nascem com a presunção de legitimidade, independentemente de norma legal que a estabeleça. Essa presunção decorre do princípio da legalidade da Administração, que, nos Estados de Direito, informa toda a atuação governamental. Além disso, a presunção de legitimidade dos atos administrativos responde às exigências de celeridade e segurança das atividades do Poder Público, que não poderia ficar na dependência da solução de impugnação dos administrados, quanto à legitimidade de seus atos, para só após dar-lhes execução.” (Direito Administrativo Brasileiro, 27ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 154).
Sobre a presunção de legitimidade, assim se pronunciou o Ministro Dias Toffoli no STF – AI: 817564, em 12 de novembro 2012:
“(…) os atos administrativos contêm a presunção de legitimidade e que somente pode ser elidida mediante prova em contrário. Milita, portanto, em favor da administração pública a presunção iuris tantum de legitimidade decorrente do princípio da legalidade.”.
Nesse contexto, uma instituição de ensino já autorizada e acompanhada pelo Poder Público, com oferta regular de cursos e que, no momento da nova solicitação não esteja com nenhum impedimento legal para atuar, tem presumida sua regularidade de funcionamento, sendo perfeitamente legítima a dispensa de determinados documentos.
Cumpre destacar que a presunção de regularidade não é soberana, a mesma não deve ser adotada sempre que existirem processos formais de apuração de eventuais irregularidades ou ilegalidades, devendo a Administração Pública, em decisão fundamentada por fatos e/ou documentos, justificar a motivação do ato.
Contudo, a adoção de tal medida não pode ser banalizada. Não se pode atribuir o mesmo peso de uma irregularidade que compromete o processo pedagógico, com exigências de caráter físico ou documental que, por seu caráter e natureza, podem ser sanadas pela escola sem comprometer o atendimento a sua missão institucional.
O objetivo de uma escola é a educação, e irregular será toda ação ou omissão que comprometer o processo educacional de maneira objetiva, cabendo ao agente público, no exercício de suas ações de acompanhamento e avaliação, diferenciar tais atos e adotar as ações cabíveis sempre que necessárias, em medida razoável e proporcional.
A segurança e equilíbrio das relações estabelecidas no âmbito do Estado do Rio de Janeiro pende, necessariamente, da observância de tais princípios e lógica legal, sob pena de instituições de ensino e cidadãos ficarem a mercê de interpretações diferenciadas e que, em seu teor, limitam o exercício de direitos, imponham deveres não previstos em lei e, eventualmente, criam diretamente situações irregulares nos processos de autorização de funcionamento e, consequentemente na oferta e certificação de educação escolar.
VOTO DORELATOR: Considerando os termos dispostos no presente parecer, VOTO no sentido de reiterar e esclarecer que o Parecer Favorável emitido na forma da legislação em vigor, incluído seu ato de publicidade, constitui ato autorizativo legítimo que garante o funcionamento regular da instituição de ensino, bem como o exercício pleno de todos os direitos e deveres decorrentes da autorização de funcionamento pelo poder público.
Não se trata de um ato menor por seu formato e transitoriedade, com limites ao exercício de deveres e direitos da instituição, ao contrário, possui o mesmo efeito legal, cessando seus efeitos quando da emissão do ato definitivo, seja ele autorizando o funcionamento ou, eventualmente, encerrando a instituição de ensino após observados os ritos legais necessários.
Determino ainda que:
- Dado o caráter normativo, esse Parecer seja publicado em sua íntegra no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro;
- Os processos de autorização de novos cursos de instituições autorizadas, inclusive as sob a forma de Parecer Favorável, sejam instruídos nos termos do artigo 53 da Deliberação CEE nº 316/2010, sendo vedada a exigência de quaisquer outros documentos, fazendo constar no ato autorizativo a base legal do mesmo;
- O órgão de Inspeção Escolar, em observância ao disposto na Lei nº 5.427/2009, Art. 2ª, § 1º, inciso VI, organize os procedimentos e instrumentos operacionais de Inspeção Escolar nos termos deste parecer, em especial no que tange a relacionar expressamente eventuais exigências e negativas às normas legais vigentes e o respectivo fato gerador, tanto nos processos administrativos, quanto em relatórios e termos de acompanhamento e avaliação.
CONCLUSÃO DA COMISSÃO
A Comissão Permanente de Legislação e Normas acompanha o voto do Relator.
Rio de Janeiro, 05 de novembro de 2019
Maria Celi Chaves Vasconcelos – Presidente em exercício
Alessandro Sathler Leal da Silva – Relator
Antonio Charbel José Zaib
Carlos Eduardo Bielschowsky
Elizangela Nascimento de Lima Silva
Fabio Ferreira de Oliveira
Henrique Zaremba da Câmara
Marcelo Siqueira Maia Vinagre Mocarzel
Pedro Paulo de Bragança Pimentel Jr.
Ricardo Tonassi Souto
CONCLUSÃO DO PLENÁRIO
O presente Parecer foi aprovado por unanimidade.
SALA DAS SESSÕES, no Rio de Janeiro, 26 de novembro de 2019.
Malvina Tania Tuttman
Presidente
Art. 2º – Esta Portaria entrará em vigor na data de sua publicação.
Rio de Janeiro, 27 de novembro de 2019
MALVINA TANIA TUTTMAN
Presidente
Id: 2223602