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14 jun 23 09:29

O dilema da segurança nas escolas: como lidar com o tema sob uma visão sociojurídica da infância

O triste caso do ataque que resultou na morte de quatro crianças em creche de Blumenau reavivou novamente o debate, cuja temática é caríssima: como garantir a segurança de nossas crianças no ambiente escolar?

Tal pergunta ressoa na sociedade há muito tempo e ainda carecemos de respostas efetivas. Desde o “massacre de Columbine”, episódio de violência ocorrido em 1999 com grande cobertura midiática que chocou os norte-americanos, bem como toda a comunidade internacional, enfrentamos de perto casos de notória crueldade em ações que comumente possuem como alvo estudantes e professores.

A respeito de Columbine, segundo descrição do The New York Times no documentário “Haunted by Columbine”1 (tradução livre: Assombrados por Columbine), o que se pôde observar a partir de então foram ondas de violência no ambiente escolar. E a grande preocupação é explicar o porquê de um episódio que a princípio parecia isolado ter se tornado um fenômeno de grande escala pelo mundo desde então, segundo apontam levantamentos.

Segundo o jornal Washington Post, mais de 349.000 (trezentos e quarenta e nove mil) estudantes nos Estados Unidos experienciaram a violência armada nas escolas desde Columbine2. Este fato alarmante fez com que milhões de dólares fossem empreendidos no país para promover a segurança escolar. Tal feito, que evidentemente tem uma preocupação compreensível, a proteção de nossas crianças, contudo, não impediu novos ataques. De um lado, altos investimentos financeiros e materiais para aumentar a segurança escolar. De outro, um crescente número de massacres em escolas e universidades.

Ressaltamos que embora seja legítima a preocupação com a segurança de crianças e adolescentes nas escolas, de modo que seja natural e esperado um aumento nos investimentos em câmeras de segurança, monitoramento, contratação de segurança local, entre outras medidas, principalmente nos momentos logo após os atentados violentos, deve-se ter em mente que reação se difere de prevenção.

Segundo reforça o especialista em violência nas escolas e bullying da University of Southern California, Ron Avi Astos, “tornar as escolas parecidas com prisões tende a ter um impacto negativo a longo prazo (…) a solução passa por medidas amplas para prevenir, e não simplesmente reagir a esses episódios”3. Dessa forma, diferenciando reação de prevenção, é esta última que torna necessário um amplo debate para encontrar soluções adequadas e eficazes em um mundo cada vez mais complexo e dinâmico.

Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar. Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que cada autor está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível –  Foucault, Vigiar e Punir.

Embora o foco deste arquivo não sejam as críticas feitas ao panóptico foucaultiano no ambiente escolar, o que nos surge a partir desta leitura é a seguinte dúvida: mesmo que as escolas passem a ser amplamente vigiadas, como controlar as relações externas a ela, sobretudo quando estamos considerando o vasto ambiente digital na sociedade atual? Como monitorar as redes sociais de estudantes e funcionários de instituições de ensino, considerando as questões relacionadas ao algoritmo das plataformas virtuais, a fim de evitar atentados de ódio voltados às crianças, adolescentes, Professores e ao próprio ambiente escolar?

Parece-nos uma tarefa de difícil execução e controle, discussão que também se vincula à pauta da regulação das mídias e das redes sociais, mas é fato que, com o uso de inteligência artificial, podemos como sociedade acompanhar e evitar situações de fomento ao ódio e à violência, o que, ao final, pode ter um efeito positivo ao ambiente escolar vez que favorável à promoção de uma Cultura de Paz, tema que vem sendo trabalhado pela UNESCO.

Voltando à diferenciação aqui proposta de reação e prevenção, segundo a entidade, mais do que teoria e prática contra atos violentos, a prática da não violência nas escolas deve ser uma atitude que permeia o ensino, envolvendo os profissionais de educação e os estudantes da escola, os pais e a comunidade, em um desafio comum e compartilhado entre todos e todas. Essa não violência integrada à vivência escolar conferiria ao professor outra visão do seu trabalho pedagógico – vez que não se limitaria apenas a este papel educacional -, de modo que a escola se posicionaria em favor do diálogo, da troca e do  compartilhamento comunitário.

Assim, a escola passaria a ocupar um lugar de verdadeiro centro para a vida cívica em comunidade, fomentando o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes, garantindo o acesso à educação de qualidade, e fortalecendo a própria rede de proteção, na qual se inclui a família. E sobre a temática aqui debatida, cabe frisar o importante papel da família no combate à violência escolar, de modo que, através de medidas educacionais e assistencialistas pela migração do papel da escola na sociedade, os ciclos familiares – em especial os mais vulnerabilizados – também estariam mais informados para trabalhar em conjunto na garantia de direitos infanto-juvenis com a prioridade legal estabelecida no Art. 227 da Constituição Federal.

Desse modo, medidas relacionadas a valores, atitudes e modos de comportamento que rejeitam a violência podem ser frutíferas e é nesse contexto que propomos uma visão sociojurídica sobre o dilema da segurança nas escolas, rechaçando a ideia de que a mera reação, muitas vezes motivada pelos ideais midiáticos e políticos, não é suficiente.

 

No âmbito do Direito, tornam-se cada vez mais presentes as discussões sobre meios alternativos de resolução de conflitos, mormente daqueles vinculados à autocomposição a partir da busca de um maior protagonismo das partes na solução do problema. Pela implementação de novas políticas judiciárias e até mesmo por meio de alterações legislativas, a prática da mediação e da conciliação no âmbito do Poder Judiciário é já parte do cotidiano dos atores do Sistema de Justiça.

Exemplo disso é a inovação garantia pelo Art. 334 do Código de Processo Civil em 2015 e a promulgação da Lei de Mediação no mesmo ano, que, para além da garantia da prática, aprimoram o sistema, fomentando discussões sobre a remuneração adequada dos profissionais que atuam junto aos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, presente nos Fóruns, e sua frequente e constante formação para a condução assertiva da questão posta em debate pelas partes na busca pelo consenso e pelo diálogo. Torna-se a prática, assim, mais assertiva, resolutiva e eficaz, contribuindo para o desafogamento do Judiciário e em prol da citada Cultura de Paz.

Nesse mesmo sentido é que avançam as discussões sobre a prática da mediação escolar, importante aliada ao fomento da segurança nas escolas, e que mereceria mais detida atenção por parte do Poder Público na prevenção do conflito, seja internamente na escola, entre alunos, entre professores e alunos, entre professores, permitindo várias composições diferentes de trabalho, ou mesmo no âmbito das famílias e da própria comunidade.

Isto é: a mediação escolar não se resume a uma tentativa pontual de resolução de conflitos (ou seja, como reação), mas também se coloca como prevenção e transformação dos indivíduos e da coletividade através de um maior empoderamento, vivenciando boas práticas para saber resolver outros problemas no futuro, da garantia de informação e formação em direitos sociais, ou mesmo da validação de si e do outro, com alteridade e empatia. Dentro da Cultura de Paz e do papel da escola antes explicado, como centro de cidadania, pois, a medida se apresenta como uma solução legítima para o dilema da segurança nas escolas.

Com efeito, uma das medidas instituídas pelo Governo de São Paulo, em resposta à crescente demanda da sociedade civil pela prevenção e combate à violência nas escolas, foi a contratação de psicólogos para efetuar o acompanhamento dos alunos no ambiente escolar. Dentro do contexto que se propõe, tal presença tende a ser benéfica, em um primeiro momento, como forma de acolher os alunos, os professores e as famílias, receosos diante dos episódios e ameaças reiteradas à segurança dentro do ambiente escolar.

No mais, em termos preventivos a curto prazo, os psicólogos podem ser decisivos na identificação precoce e mapeamento de casos de violência e bullying no ambiente escolar, orientando o corpo acadêmico em como atuar diante de situações de conflito, além de prestarem suporte psicológico àqueles estudantes e professores que apresentam questões emocionais ou comportamentais neste cenário específico e exacerbado de ameaça às escolas.

Contudo, tal presença se faz pertinente não apenas para “conter ameaças” à segurança escolar, mas visando ações de longo prazo na convivência nesse ambiente como um todo. É evidente que o trabalho desses profissionais é de extrema relevância no contexto atual das escolas no Brasil, porém é necessário ter a clareza que a mera introdução dos psicólogos nas escolas da rede estadual não é uma solução imediata e suficiente para resolver o problema histórico da violência no ambiente escolar.

Mais do que contratar esses profissionais em um momento de crise, é fundamental que eles permaneçam nas escolas e passem a integrar regularmente o quadro de funcionários da educação básica no Brasil, colocando-se a promoção da saúde mental e emocional dos alunos, dos professores e da comunidade escolar como um todo.

Esta iniciativa poderia garantir o desenvolvimento de políticas públicas estruturantes, fomentar as práticas de mediação escolar e contribuir com a criação de um ambiente escolar mais acolhedor e preparado, onde os alunos se sintam seguros e amparados emocionalmente, fortalecidos em sua autoestima também pelo cultivo, de forma coletiva no ambiente escolar, do respeito mútuo, da tolerância e da empatia entre seus membros.

A prática de ações de ordem preventiva, que também se soma ao exercício pleno da cidadania, busca mitigar estruturalmente os riscos de que se desenvolvam problemas graves que estão na raiz do dilema da violência nas escolas, tal como o bullying, os discursos de ódio, a depressão, a ansiedade e outras questões que afetam significativamente a qualidade de vida e saúde mental dos alunos.

Dentro da ótica sociojurídica proposta, acreditamos que possa ser mais produtivo ações contínuas pautadas na prevenção, tais como, o monitoramento das redes sociais com o apoio de núcleos de Coordenação de Inteligência Cibernética, como vem sendo trabalhado no âmbito do Governo Federal, a realização de mediação de conflitos nas escolas, principalmente da Educação Básica, em um projeto de longo-prazo, com formação de profissionais e empoderamento dos próprios alunos, e a adoção do trabalho estrutural de um corpo de psicólogos de forma permanente.

Isto porque medidas de segurança estão sendo propostas pelos Estados e pelos Municípios de forma difusa e visando a mera reação, apresentando-se propostas diametralmente opostas variando entre um diálogo mais intenso com os alunos, ou mesmo maior ostensividade na segurança física, com o uso de detectores de metais e a presença de policiais durante o horário de funcionamento das unidades escolares, esquecendo-se de modo geral da Cultura de Paz proposta pela UNESCO.

As conclusões sobre a temática certamente não são absolutas e se prestam, aqui, apenas para tecer reflexões a partir de algumas medidas benéficas que podem ser trabalhadas no ambiente escolar e, igualmente, apresentadas pelos profissionais do Direito, enxergando-se a necessidade de que o Sistema de Justiça não esteja distante e alijado das pautas sociais existentes. 

 

Fonte: migalhas, acesso em 14/06/23


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