Pareceres e orientações
19 mar 21 10:57

O Brasil das lutas ideológicas e a covid-19 – os decretos estaduais e municipais podem determinar o fechamento do comércio, escolas e outros estabelecimentos e prender seus dirigentes?

O Juiz de Direito da 41ª Circunscrição Judiciária, de Ribeirão Preto, aplicou o texto constitucional sobre a prisão em “flagrante” de um comerciante no estado de São Paulo. A decisão destaca que a Constituição Federal vem para garantir a propriedade privada, a liberdade e o livre exercício do trabalho.

Destaque-se que o livre exercício do trabalho não inibe o cumprimento de regras que venham garantir a saúde de todos os envolvidos. Neste sentido, é necessário tomar todas as precauções com os protocolos para não correr o risco de passar por um infortúnio como esse passado por um comerciante de Ribeirão Preto.

A questão presente hoje a ser discutido é: Podem os estados e municípios agirem em desacordo com a Constituição? Podem os governadores e prefeitos, a título de proteger vidas, colocar em risco a subsistência de muitas outras vidas?

O Brasil resiste bravamente aos ataques políticos extremistas da mídia e à luta pelo poder por parte de uma esquerda corrupta em meio a pandemia. Vimos nessa última semana que a indústria contratou mais de 90 mil trabalhadores, enquanto a educação dispensou mais de 70 mil professores.

Se não houvesse tanta politicagem, o Brasil passaria por esta crise bem melhor do que está passando. Inúmeras escolas não fechariam e professores não teriam sido demitidos. É muito fácil se falar em lockdown quando se tem emprego nos vários órgãos estatais ou mesmo nas grandes empresas, inclusive que tratam da mídia.

A decisão judicial, da qual transcrevemos alguns trechos abaixo, vem em cumprimento à defesa da população sofrida, que corre atrás de seu sustento, garantindo à propriedade, à liberdade e o direito de trabalho.

Trata-se de comunicação de prisão em flagrante de EDUARDO JOSÉ CORNÉLIO DE OLIVEIRA, pela suposta prática dos delitos previstos nos artigos 268, 286 e 330 do Código Penal.

A Defensoria Pública pleiteou a concessão de liberdade provisória ao preso, sustentando a ausência dos requisitos autorizadores da prisão preventiva, enquanto o Ministério Público pugnou pela conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, em suma, por ter o indiciado reiterado o descumprimento de determinações sanitárias e incitado outros comerciantes a fazerem o mesmo, em desrespeito aos decretos de calamidade pública.

A prisão em flagrante comunicada é manifestamente ilegal e deve ser relaxada, nos termos do art. 5º, inciso LXV, da Constituição da República, e do art. 310, inciso I, do Código de Processo Penal.

De acordo com a capitulação jurídica atribuída pela autoridade policial, a conduta do preso, consistente em manter seu estabelecimento comercial aberto, em desobediência à “determinação do Governo Estadual”, que ordenou o fechamento do comércio na chamada “Fase Emergencial” da pandemia de Covid-19, e ter incitado outros comerciantes a fazerem o mesmo, teria caracterizado os crimes definidos nos artigos 268, 286 e 330 do Código Penal.

A Constituição da República, em seu art. 5º, reconhece, entre outros, os direitos fundamentais, inerentes à dignidade humana, à propriedade (caput), ao livre exercício do trabalho, ofício ou profissão (inciso XIII), à intimidade, à vida privada e à honra das pessoas (inciso X) e à livre locomoção no território nacional em tempo de paz (inciso XV).

Conforme ressabido, de acordo com os artigos 136 e 137 da Magna Carta brasileira, as únicas hipóteses em que se podem restringir alguns dos direitos e garantias fundamentais são os chamados Estado de Defesa e o Estado de Sítio, cuja decretação compete ao Presidente da República, com aprovação do Congresso Nacional, nos termos dos mesmos dispositivos constitucionais citados.

Atualmente, não vigora nenhum desses regimes de exceção no Brasil, de modo que o direito ao trabalho, ao uso da propriedade privada (no caso, o estabelecimento comercial) e à livre circulação jamais poderiam ser restringidos, sem que isso configurasse patente violação às normas constitucionais mencionadas.

Veja-se que nem a lei poderia fazê-lo, porque, não havendo decreto presidencial, aprovado pelo Congresso Nacional, reconhecendo Estado de Defesa ou Estado de Sítio e estabelecendo os limites das restrições aplicáveis, tal lei seria inconstitucional.

No presente caso, o que ocorre é mais grave: tal proibição foi estabelecida por decreto do Poder Executivo. O decreto governamental é instrumento destinado exclusivamente a conferir fiel cumprimento à lei; presta-se unicamente a regulamentá-la. Não lhe é permitido criar obrigações não previstas em lei (o chamado “decreto autônomo”).

É o que decorre do art. 5º, inciso II, da Constituição da República, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Portanto, o decreto em que se fundou a prisão do indiciado, pelas razões até aqui expostas, é manifestamente inconstitucional, e, portanto, nulo de pleno direito, de modo que os elementos imprescindíveis à caracterização dos tipos penais imputados pela autoridade policial ao indiciado – “determinação do poder público” (art. 268 do CP), “prática de crime” (art. 286 do CP) e “ordem legal” (art. 330 do CP) evidentemente não se concretizaram no caso em análise.

De fato, como admitir: (1) que um decreto do Poder Executivo, cujo teor viola francamente o texto constitucional, possa ser considerado validamente uma “determinação do poder público”; (2) que seu descumprimento possa ser considerado “prática de crime”; e (3) que a ordem emanada de funcionário público para seu cumprimento seja uma “ordem legal”?

Admiti-lo equivaleria à total subversão do ordenamento jurídico.

Ora, estudos científicos, nacionais e estrangeiros, a exemplo daqueles desenvolvidos por pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco1 , pela Universidade de Stanford2 e pela revista científica britânica Nature3 , têm demonstrando a ineficácia de medidas como as estabelecidas nos decretos governamentais em questão, ou do chamado lockdown, na contenção da pandemia.

E a Organização Mundial da Saúde já apelou aos governantes para que deixem de usar o lockdown, medida que “tem apenas uma consequência que você nunca deve menosprezar: torna os pobres muito mais pobres”.

Qual, então, o respaldo do decreto governamental, no qual se fundou a prisão do indiciado, diante da Constituição da República, da decisão do Supremo Tribunal Federal pertinente ao tema, das orientações da Organização Mundial da Saúde e da ciência?

Absolutamente nenhum.

Ante o exposto, dada a manifesta ilegalidade da prisão em flagrante do indiciado, determino seu imediato RELAXAMENTO, com fulcro no art. 5º, inciso LXV, da Constituição da República, e no art. 310, inciso I, do Código de Processo Penal.

Por: Dr. Ricardo Furtado, Consultor Jurídico Educacional, Tributário, Especialista em Ciências Jurídicas. 18/3/2021

 

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