Jurisprudência
21 jul 22 08:24

Negativa de Matrícula no Ensino Inclusivo determinado por falta de vaga

EMENTA: REMESSA NECESSÁRIA – MANDADO DE SEGURANÇA – DIREITO À EDUCAÇÃO – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA DE 1988 –  MATRÍCULA EM CRECHE – ART. 53, INC. V DO ECA.

– A educação constitui direito indisponível de todos e dever do Estado e da família, devendo ser promovida com a colaboração da sociedade, conforme os ditames constitucionais.

– O direito à creche e à pré-escola constitui a primeira etapa do processo de educação básica, por isso, constitucionalmente garantido às crianças de zero a seis anos de idade.

– O artigo 53, inciso V, do Estatuto da Criança e do Adolescente, assegura a criança e ao adolescente o acesso a escola pública e gratuita próxima de sua residência.

– Não se justifica a manutenção de uma Administração Pública incapaz de preservar a educação de seus próprios cidadãos, visto que a gestão pública não é um fim em si mesma, mas se justifica no bem estar e preservação da qualidade de vida dos administrados.

– Conforme Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o acesso à creche e à pré-escola de crianças de zero até cinco anos constitui obrigação do Poder Público, nos termos do art. 208, inc. IV, da Constituição da Republica, cuja implementação é atribuída de forma prioritária ao Município (art. 211, § 2º).

VV.

DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITO PROCESSUAL CIVIL – REEXAME NECESSÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – MATRÍCULA DE CRIANÇA EM CRECHE – AUSÊNCIA DE VAGA – IMPOSSIBILIDADE – PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, DA RESERVA DO POSSÍVEL E DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – VIOLAÇÃO – SENTENÇA REFORMADA.

– Ante a inexistência de vaga em Creche Municipal, não há como determinar que o ente público proceda à matrícula de criança, na medida em que tal determinação geraria um excedente de alunos, prejudicando aqueles que aguardam sua vez na lista de espera, com violação dos princípios da isonomia, da reserva do possível e da separação dos Poderes.

REMESSA NECESSÁRIA-CV Nº 1.0686.19.014582-7/001 – COMARCA DE TEÓFILO OTÔNI – REMETENTE: JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE E CARTAS PRECATÓRIAS DA COMARCA DE TEOFILO OTONI – AUTOR (ES)(A) S: M.M.B. REPRESENTADO (A)(S) P/ MÃE S.M.M. – RÉ(U)(S): MUNICÍPIO DE TEÓFILO OTONI

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, por maioria, vencido o Relator, em REMESSA NECESSÁRIA, CONFIRMAR SENTENÇA, VENCIDO O RELATOR.

DES. MOREIRA DINIZ

RELATOR.

DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES

RELATOR PARA O ACÓRDÃO

DES. MOREIRA DINIZ (RELATOR)

Cuida-se de reexame necessário ante sentença do MM. Juiz Vara da Infância e da Juventude e de Cartas Precatórias Cíveis da comarca de Teófilo Otoni, que concedeu parcialmente a segurança impetrada por Mirianny Moreira Barbosa, representada por sua genitora Sidneia Moreira Mota, contra o Município de Teófilo Otoni.

A autora alega que teve sua matrículanegada em creche próxima à sua residência; que sua genitora necessita trabalhar a fim de prover o sustento da família; e que a educação é um direito fundamental, nos termos da Constituição Federal, e amparado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

A sentença (documento 07), que confirmou a liminar deferida (documentos 03/04), determinou que o réu “efetue a matrícula da infante em uma creche situada dentro do zoneamento da residência do impetrante, no prazo de 10 (dez) dias”.

Há parecer Ministerial (documento 13), pela confirmação da sentença.

Passo ao reexame necessário.

A questão não passa pela desarrazoada recusa de matrícula de menor em Creche Municipal próxima à sua residência, mas pela falta de vagas, como afirmado na própria inicial da ação.

Se não há vaga, não é possível, simplesmente, ordenar a matrícula do autor, na medida em que o Município só teria como cumprir a ordem matriculando número excedente de alunos, o que seria prejudicial a todos.

Ademais, como já tive oportunidade de manifestar em outros casos semelhantes, a ordem de matrícula de determinadas crianças geraria lesão a direito de outras, que possuem preferência para a matrícula, com violação do princípio da isonomia.

Embora a menor tenha direito assegurado pela Constituição (art. 205 e 208) e pela legislação infraconstitucional (art. 53I e V, da lei nº. 8.069/90)à educação, outros também o têm, e estes também aguardam sua vez na lista de espera, sendo inconcebível favorecer um menor em detrimento dos demais que se encontram na mesma situação, ou seja, não possuem condições financeiras de pagar uma escola particular e aguardam na fila de espera uma vaga na instituição de ensino próxima à residência.

Mesmo porque a manutenção da sentença geraria prejuízo para todas as demais crianças que aguardam na lista de espera, sem mencionar o comprometimento orçamentário não previsto.

A garantia constitucional à educação não é ilimitada, devendo ser observadas as condicionantes à sua implementação, notadamente as de cunho econômico, tendo em vista o princípio da reserva do possível e as políticas educacionais do ente público.

Ademais, embora a educação seja incluída pela Constituição Federal como direito social, no âmbito do ensino infantil prevalece a orientação de universalização do direito de forma progressiva.

Nesse ponto, convém ressaltar que a questão não se encontra pacificada, havendo inclusive reconhecimento de repercussão geral em recurso pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal – Agravo de Instrumento nº. 761.908, no qual se discute o dever do Estado de assegurar o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade.

Soma-se a tudo isso o fato de que, no caso, a determinação de matrícula do menor caracterizaria indevida interferência do Poder Judiciário no Executivo, em clara afronta ao princípio da separação dos Poderes.

No mais, observo que a pretensão da autora é de determinação de matrícula na Creche Municipal mais próxima à sua residência, sendo certo que a Constituição e a legislação infraconstitucional não contêm dispositivo impondo ao ente público o direito de assegurar o direito à educação infantil no local mais próximo à residência do menor.

Com tais apontamentos, em reexame necessário, reformo a sentença, para denegar a segurança.

Custas, pela impetrante; suspensa a exigibilidade, ante a gratuidade de justiça.

A espécie não comporta condenação em honorários advocatícios.

DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES (RELATOR PARA O ACÓRDÃO)

V O T O

Com a devida vênia, apresento divergência ao voto do e. Relator.

Como cediço, o Mandado de Segurança, de acordo com o previsto no artigo , inciso LXIX, da CR/88, visa proteger direito líquido e certo do impetrante, não amparado por habeas corpus ou habeas data, contra ato de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições públicas, eivado de ilegalidade ou abuso de poder.

Nota-se que a existência de direito líquido e certo é condição para a ação constitucional. Nesse sentido, escreve Humberto Theodoro Junior in Curso de Direito Processual Civil, vol. III, 36ª edição, Ed. Forense, p. 512:

“Quando a Constituição endereça o Mandado de Segurança à defesa do direito líquido e certo, ‘está exigindo que esse direito se apresente com todos os requisitos para seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano.

O que importa não é a maior ou menor complexidade da tese jurídica, mas a prova pré-constituída (documental) do seu suporte fático. Se a demonstração do direito do impetrante estiver na dependência de investigação probatória, ainda a ser feita em juízo, o caso não é de mandado de segurança. Terá que ser resolvido pelas vias ordinárias. O procedimento do mandamus é sumário e não contém fase para a coleta de outras provas que não as documentais, imediatamente exibíveis. Enfim, ‘o que se exige é prova pré-constituída das situações e fatos que embasam o direito invocado pelo impetrante”.

Ainda acerca do direito líquido e certo, explica Hely Lopes Meirelles, in Mandado de Segurança, 23ª edição, Editora Malheiros, pp. 32/33:

“Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.”

Sabe-se que a educação constitui direito indisponível de todos e dever da Administração Pública e da família, devendo ser promovida com a colaboração da sociedade, conforme os ditames constitucionais.

No presente caso, o direito da apelada encontra-se assegurado pelo artigo 208, inciso IV da Constituição Federal, que assim dispõe:

“Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I – (…);

IV – educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006).

(…)

§ 1º – O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º – O não-oferecimento do ensino  obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

§ 3º – Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.

A par disso, prescreve o artigo 211§ 2º, da Carta Magna:

“Art. 211 – A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino .

§ 2º – Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino  fundamental e na educação infantil”.

Por sua vez, estabelece a Lei nº 9.394/96 as diretrizes e bases da educação nacional:

“Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:

I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da seguinte forma:

a) pré-escola;

b) ensino  fundamental;

c) ensino  médio;

II – educação infantil gratuita às crianças de até 5 (cinco) anos de idade;

(…)

Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.

Art. 30. A educação infantil será oferecida em:

I – creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;

II – pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade.”

Ressalte-se que a educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível a todas as crianças, sendo-lhes assegurando integral desenvolvimento, preparo para o exercício da cidadania e qualificação profissional. Os direitos à creche e à pré-escola constituem a primeira etapa do processo de educação básica, por isso, constitucionalmente garantidos às crianças de zero a seis anos de idade.

Via de consequência, essa prerrogativa impõe à Administração Pública, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, concretamente, o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade.

Se é dever da Administração Pública, é direito subjetivo da criança. A Constituição da Republica de 1988, assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda expandem a garantia do direito à educação assegurado à criança e ao adolescente, estabelecendo livre acesso à escola pública e gratuita próxima de sua casa.

Nesse sentido, dispõe o inciso V, do artigo 53, do Estatuto da Criança e do Adolescente, in verbis:

“Art. 53 – A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-lhes:

(…).

V – acesso a escola pública e gratuita próxima de sua residência”.

O direito à creche ou a instituições congêneres é consagrado, em regra, com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando a própria Administração Pública como o sujeito passivo.

Dessa forma, todas as crianças que preenchem as condições que a lei prevê, têm direito de usufruir, gratuitamente, dos serviços educacionais prestados pela Administração Pública, podendo, inclusive, exigi-lo em juízo.

Assim, não há que se falar em discricionariedade do Estado, pois, a lei não lhe possibilita agir nestes casos de acordo com a oportunidade ou conveniência, eis que a educação infantil qualifica-se como direito fundamental.

A própria Constituição da Republica de 1988 lhe impõe o dever de fornecer educação a todos, indistintamente, sendo que este dever é vinculado a uma norma pétrea. O direito do menor, com idade entre zero a cinco anos, à frequência em uma creche ou pré-escola, insta a Administração Pública a se desincumbir do mesmo através de sua rede própria.

Ademais, atentaria contra o princípio da isonomia, garantido constitucionalmente, colocar uma criança na fila de espera para ingresso numa instituição educacional pública gratuita, e atender a outros em detrimento daquela.

Ressalte-se, ainda, que não se justifica a manutenção de uma Administração Pública incapaz de preservar a educação de seus próprios cidadãos, visto que a gestão pública não é um fim em si mesma, mas se justifica no bem estar e preservação da qualidade de vida dos administrados.

Sendo assim, conclui-se, que, ainda que outras crianças estejam sofrendo com a desídia do Poder Público em atendê-las, somente se encontra ao alcance do Poder Judiciário decidir favoravelmente aos cidadãos que buscam em sua manifestação a proteção para seus direitos fundamentais, mormente quando urgente o pleito, na esperança de modificar a mentalidade do Administrador Público brasileiro, chamando sua atenção para a necessidade de prestar, efetivamente, a assistência à educação à população.

Nesse sentido, a atividade judicante busca conseguir, ainda que a longo prazo, influenciar, positivamente, na solução das mazelas criadas na gestão pública da educação no País, ressaltando seu caráter prioritário e urgente.

Acerca do tema, aliás, já se manifestou em mais de uma oportunidade o eg. Supremo Tribunal Federal, no sentido de considerar como norma de eficácia plena o direito à educação previsto no inciso IV do artigo 208 da CR/88. Veja-se:

“CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE – ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA – SENTENÇA QUE OBRIGA O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO A MATRICULAR CRIANÇAS EM UNIDADES DE ENSINO INFANTIL PRÓXIMAS DE SUA RESIDÊNCIA OU DO ENDEREÇO DE TRABALHO DE SEUS RESPONSÁVEIS LEGAIS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA POR CRIANÇA NÃO ATENDIDA – LEGITIMIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DAS”ASTREINTES”CONTRA O PODER PÚBLICO – DOUTRINA – JURISPRUDÊNCIA – OBRIGAÇÃO ESTATAL DE RESPEITAR OS DIREITOS DAS CRIANÇAS – EDUCAÇÃO INFANTIL – DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL ( CF, ART. 208IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006)- COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO – DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO ( CF, ART. 211§ 2º)- LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM CASO DE OMISSÃO ESTATAL NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO – INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES – PROTEÇÃO JUDICIAL DE DIREITOS SOCIAIS, ESCASSEZ DE RECURSOS E A QUESTÃO DAS”ESCOLHAS TRÁGICAS”- RESERVA DO POSSÍVEL, MÍNIMO EXISTENCIAL, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL – PRETENDIDA EXONERAÇÃO DO ENCARGO CONSTITUCIONAL POR EFEITO DE SUPERVENIÊNCIA DE NOVA REALIDADE FÁTICA – QUESTÃO QUE SEQUER FOI SUSCITADA NAS RAZÕES DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO -PRINCÍPIO”JURA NOVIT CURIA” – INVOCAÇÃO EM SEDE DE APELO EXTREMO – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. POLÍTICAS PÚBLICAS, OMISSÃO ESTATAL INJUSTIFICÁVEL E INTERVENÇÃO CONCRETIZADORA DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL. – A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola ( CF, art. 208IV). – Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das “crianças até 5 (cinco) anos de idade” ( CF, art. 208IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. – A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. – Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino ensino fundamental e na educação infantil ( CF, art. 211§ 2º)- não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche ( CF, art. 208IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. – Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político- -jurídicos que sobre eles incidem em caráter impositivo, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. DESCUMPRIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS EM SEDE CONSTITUCIONAL: HIPÓTESE LEGITIMADORA DE INTERVENÇÃO JURISDICIONAL. – O Poder Público – quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no próprio texto constitucional – transgride, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional. Precedentes: ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.. – A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. – A intervenção do Poder Judiciário, em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente na área da educação infantil (RTJ 199/1219-1220), objetiva neutralizar os efeitos lesivos e perversos, que, provocados pela omissão estatal, nada mais traduzem senão inaceitável insulto a direitos básicos que a própria Constituição da República assegura à generalidade das pessoas. Precedentes. A CONTROVÉRSIA PERTINENTE À “RESERVA DO POSSÍVEL” E A INTANGIBILIDADE DO MÍNIMO EXISTENCIAL: A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS”. – A destinação de recursos públicos, sempre tão dramaticamente escassos, faz instaurar situações de conflito, quer com a execução de políticas públicas definidas no texto constitucional, quer, também, com a própria implementação de direitos sociais assegurados pela Constituição da Republica, daí resultando contextos de antagonismo que impõem, ao Estado, o encargo de superá-los mediante opções por determinados valores, em detrimento de outros igualmente relevantes, compelindo, o Poder Público, em face dessa relação dilemática, causada pela insuficiência de disponibilidade financeira e orçamentária, a proceder a verdadeiras “escolhas trágicas”, em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade às normas programáticas positivadas na própria Lei Fundamental. Magistério da doutrina. – A cláusula da reserva do possível – que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição – encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. Doutrina. Precedentes. – A noção de “mínimo existencial”, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais ( CF, art. III, e art. III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV). A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE DIREITOS PRESTACIONAIS. – O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. – A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em conseqüência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar – mediante supressão total ou parcial – os direitos sociais já concretizados. LEGITIMIDADE JURÍDICA DA IMPOSIÇÃO, AO PODER PÚBLICO, DAS “ASTREINTES”. – Inexiste obstáculo jurídico-processual à utilização, contra entidades de direito público, da multa cominatória prevista no § 5º do art. 461 do CPC. A “astreinte” – que se reveste de função coercitiva – tem por finalidade específica compelir, legitimamente, o devedor, mesmo que se cuide do Poder Público, a cumprir o preceito, tal como definido no ato sentencial. Doutrina. Jurisprudência. ( ARE 639337 AgR /Ag. Reg. No Recurso Extraordinário com Agravo, Relator: Min. Celso de Mello. 2ª T., DJ. 23/08/2011. DJe. 15-09-2011).

E ainda, os AIs 592.075-AgR, sob a relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski; e 781.468, sob a relatoria da Ministra Cármen Lúcia; bem como os REs 384.201-AgR, 401.673-AgR e 411.518-AgR, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio; 436.996-AgR, sob a relatoria do Ministro Celso de Mello; 463.210-AgR, sob a relatoria do Ministro Carlos Velloso; 464.143-AgR, sob a relatoria da Ministra Ellen Gracie; 554.075-AgR, sob a relatoria da Ministra Cármen Lúcia; 592.937-AgR, sob a relatoria do Ministro Cezar Peluso; 594.018, sob a relatoria do Ministro Eros Grau.

Pelo exposto, EM REMESSA NECESSÁRIA, CONFIRMO A SENTENÇA.

Custa ex lege.

DESA. ANA PAULA CAIXETA

Pedindo vênia ao eminente Relator, acompanho a divergência inaugurada pelo culto Des. Dárcio Lopardi Mendes.

SÚMULA: “EM REMESSA NECESSÁRIA, CONFIRMARAM A SENTENÇA, VENCIDO O RELATOR.”

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