Jurisprudência
16 jan 15 17:15

MATRÍCULA EM SÉRIE ERRADA TRAZ O DEVER DE INDENIZAR DA ESCOLA – VALOR ARBITRADO LEVOU EM CONSIDERAÇÃO A CULPA CONCORRENTE DOS PAIS (F)

Processo 0165512-47.2011.8.19.0001 – 1ª Vara Cível – Comarca da Capital

Partes: CAIO SANTOS DE MENDONÇA MATHIAS e INSTITUTO PADRE LEONARDO CARRESCIA

Ementa: Trata-se de ação em que a escola ré aceitou a matrícula do autor, que vinha transferido de outra escola, sem os documentos comprobatórios que o menor havia cursado na Instituição de Ensino anterior o 4º ano do ensino fundamental, tendo acreditado na informação da representante legal do menor, que solicitou sua matrícula para o 5º ano do ensino fundamental. Os representantes do menor só levaram o histórico escolar do aluno no mês de abril de 2010, que foi arquivado em sua pasta sem que fosse feita a conferência pelo preposto da ré quanto a classe matriculada e o documento da escola anterior. A parte autora tentou alegar que o aluno sofreu bullying dos colegas por não conseguir acompanhar a turma, mas este fato não foi comprovado no decorrer do processo.

O magistrado julgou procedente em parte o pedido proferindo sentença fixando a reparação em R$ 5.000,00 por entender compatível com o trinômio: reparação, reprovação e prevenção tendo em vista que o autor acabou sendo reprovado por conta do erro no momento da matrícula, perdendo, um ano de estudo. Porém, o magistrado reconheceu que tal fato não poderia ser imputado integralmente à ré na medida em há a culpa concorrente com seus pais que se mostraram inoperantes em sua obrigação de acompanhar os estudos, rendimentos e comportamento de seu filho junto à instituição educacional.

Comentários sobre a sentença: Devemos atentar para o fato do magistrado, não obstante o erro da Instituição em aceitar uma matrícula sem os documentos que comprovassem vínculo com a instituição de Ensino anterior e a efetiva série cursada pelo menor, reconhecer a culpa concorrente dos responsáveis legais do aluno com a escola, pois os mesmos foram inoperantes diante das dificuldades apresentadas pela criança no curso do ano letivo e quem originou o problema, uma vez que o preenchimento do requerimento de matrícula foi feito por eles. A sentença foi um avanço no campo educacional por ter reconhecido a culpa concorrente dos responsáveis, que também mantiveram-se inertes diante do baixo rendimento escolar da criança.

 

 

Íntegra da sentença:

Processo 0165512-47.2011.8.19.0001

S E N T E N Ç A

CAIO SANTOS DE MENDONÇA MATHIAS, representado por seu pai ajuizou ação de indenização contra INSTITUTO PADRE LEONARDO CARRESCIA, sob o fundamento que o autor foi matriculado na instituição ré para cursar o 4º ano do fundamental (antiga 3ª série). Afirma que por erro da ré, o autor cursou o 5º ano fundamental (antiga 4ª série), e sem saber o que estava acontecendo, foi verificado, pelo pai e tutora do menor, queda substancial no rendimento escolar, bem como rejeição dos colegas de turma, que zombavam e riam de suas dificuldades.

Assevera que somente ficou sabendo do erro (matrícula em ano diverso do que deveria) quando solicitou documentação para transferência de escola, e a ré informou o acontecido. Requer, portanto, gratuidade de justiça; seja deferida a antecipação de tutela no sentido de determinar que o colégio requerido entregue, em 48 horas, toda a documentação necessária em nome de Caio Santos de Mendonça Mathias, para transferência e matrícula definitiva no 5º ano do Colégio Sagres, a ser cursado no ano letivo de 2011, sob pena de multa; inversão do ônus da prova; citação da ré; produção de provas; seja julgada procedente o pedido para que determine, por sentença, em definitivo, o pedido formulado em antecipação de tutela; condenação da ré em pagamento de R$ 50.000,00 a título de indenização por danos morais. Documentos às fls. 10-30. Decisão de fls. 39 deferindo a gratuidade de justiça, bem como deferindo a antecipação de tutela, determinando que a parte ré entregue, em 48 horas, toda a documentação necessária para transferência e matrícula definitiva no 5º ano de outro colégio, sob pena de multa de R$ 500,00.

Manifestação do réu, às fls. 46, documentos às fls. 47-72, informando que apresentou tempestivamente a documentação requerida. Contestação às fls. 78-86, documentos às fls. 87-137, alegando, preliminarmente impugnação a gratuidade de justiça. No mérito, alega que a tia do menor compareceu na instituição ré e preencheu o requerimento de matrícula para o menor Caio, requerendo sua matrícula para o 5º ano do ensino fundamental. Alega que a tia do menor não levou o histórico escolar do menor no momento da matrícula. Informa, que a mesma apenas levou no mês de abril de 2010. Afirma que o documento (histórico escolar) só foi emitido pela antiga escola em 03/02/2010 (conforme fls. 18/19).

Alega que se a matrícula se deu em novembro de 2009 e o documento só foi emitido em fevereiro de 2010, lógica é a conclusão que tal documento não foi apresentado. Alega inexistência de dano moral por culpa exclusiva da vítima. Requer, portanto, sejam os pedidos julgados improcedentes. Réplica às fls. 140-141. Decisão saneadora do feito às fls. 153-154, rejeitando a preliminar de impugnação a gratuidade de justiça. Audiência de instrução e julgamento às fls. 161. Termo de oitiva de informante às fls. 162-167. Alegações finais pela parte autora às fls. 169-170. Alegações finais pela parte ré às fls. 172-173. Manifestação do Ministério Público às fls. 175-178, opinando pela procedência parcial do pleito autoral.

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

Pretende o autor, ser indenizado por danos morais, em razão de matrícula equivocada em série da que realmente o autor deveria ter sido matriculado. A parte autora sustenta que o menor não conseguiu acompanhar o conteúdo da turma, culminando em reprovação e que o aluno sofreu bullying pelos amigos, pois não conseguia acompanhar o desenvolvimento da turma. A ré, por sua vez, invoca culpa exclusiva da tia do aluno, eis que ela teria preenchido a ficha de matrícula de forma errônea.

Vale ressaltar, que Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, determina: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Assim, a responsabilidade do réu é objetiva, visto que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados ao consumidor. Devendo o consumidor, apenas comprovar o dano sofrido e o nexo causal, para ter direito a indenização. Pois bem. Verifica-se que o fato é incontroverso, visto que o aluno, no ano de 2010, foi matriculado equivocadamente no 5º ano do ensino fundamental, não conseguindo acompanhar o conteúdo da turma, o que gerou a sua reprovação, já que deveria ter sido matriculado no 4º ano do ensino fundamental.

O erro foi percebido quando foram solicitados os documentos para a transferência de escola. A inscrição equivocada do menor caracteriza falha grave na prestação do serviço de instituição de ensino. Vale ressaltar, que mesmo apresentado histórico escolar em momento posterior, a obrigação da escola seria realizar teste de nivelamento ou requerer declaração de conclusão de série, da antiga escola, visto que é comum a demora das escolas em emissão do documento (histórico escolar).

Conforme narrado na inicial, e comprovado pela ré, o menor estava apresentado sinais de não estar acompanhando a turma, conforme comprovante de fls. 101-105 e pelos depoimentos de fls. 162-163 e 165/166. Ou seja, até mesmo as professoras deixaram evidente que percebiam que o aluno não possuía condições de acompanhar a série que foi matriculado. Nesse sentido a professora do menor (Sra. Soares de Azevedo) informou ao juízo, às fls. 165: ´ …que foi professora de português e história do autor e que o ano letivo foi muito difícil em razão do comportamento do menor que brincava excessivamente em sala de aula. Percebendo que o menor não tinha condições de acompanhar o conteúdo que lhe era dado.´ Ou seja, a escola sabia da dificuldade do autor, e assim poderia ter percebido o equívoco na matrícula do demandante quando o aluno começou a apresentar claros sinais de não estar acompanhando a turma. Ademais, no momento da entrega do histórico escolar, a parte ré tinha obrigação de conferir o documento, o que não foi feito, conforme comprova o depoimento de fls. 164: ´…o histórico do autor foi entregue posteriormente à matrícula e quem recebeu guardou na pasta do aluno sem perceber que ele havia sido matriculado na turma errada, fato só percebido quando a tia do menor pedir a documentação para fazer a transferência para outra escola´.

Contudo, no que se refere o alegado bullying, narrado na exordial, o autor não fez prova nesse sentido, ônus esse que lhe incumbia nos termos do artigo 333, I, do CPC até porque, como afirmado no depoimento testemunhal da professora, o autor brincava muito em sala de aula demonstrando, assim, a ausência de comportamento de perseguição por parte de seus colegas de turma.

Assim, o valor da indenização por dano moral, deve ser arbitrado em razão do princípio da razoabilidade, de forma proporcional ao dano causado, levando-se em conta o fato de que não pode servir tal condenação como forma de enriquecimento ilícito. Dessa forma, fixo a reparação em R$ 5.000,00 por entender compatível com o trinômio reparação, reprovação e prevenção até porque, por conta do procedimento desidioso da ré o autor acabou por ser reprovado perdendo, assim, um ano de estudo.

Tal fato, no entanto, não pode ser debitado integralmente à ré na medida em que se caracteriza a culpa concorrente com seus pais que, da mesma forma, se mostraram inoperantes em sua obrigação de acompanhar os estudos, rendimentos e comportamento de seu filho junto à instituição educacional. Se fossem pais atentos às vicissitudes do quotidiano do filho por certo teriam também constatado as dificuldades no acompanhamento da turma o que demonstra, da mesma forma, total descompromisso com seu dever paternal na medida em que em momento algum se dirigiram à escola sequer para se inteirar sobre as condições educacionais do autor.

Por tais fundamentos, JULGO PROCEDENTES EM PARTE os pedidos formulados na inicial, na forma do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para confirmar a tutela de fls. 39 e para condenar o réu a pagar a parte autora, a título de danos morais, a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com correção monetária, segundo a variação da Ufir, a contar desta data, e acrescida de juros moratórios, de 1% ao mês, a partir da citação, como dispõe o artigo 405 do Código Civil. Por força da sucumbência mínima da parte autora, e na forma do artigo 21, parágrafo único, do Código de Processo Civil, condeno o réu, ao pagamento das custas processuais, taxa judiciária e honorários advocatícios fixados em 10% do valor total da condenação. P.R.I. CUMPRA-SE. Rio de Janeiro, 29 de setembro de 2014. MAURO NICOLAU JUNIOR Juiz de Direito.

 

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