Jurisprudência
03 nov 15 16:23

MANTIDA PELA JUSTIÇA A JUSTA CAUSA APLICADA A EMPREGADO QUE SAIU MAIS CEDO E TEVE O PONTO REGISTRADO POR COLEGA (F)

RTSum 0011704-47.2015.5.03.0043

AUTOR: LUIZ GUSTAVO MARTINS GOMES

RÉU: VULCAFLEX INDUSTRIA E COMERCIO LTDA

Relatório dispensado. Rito sumaríssimo. SENTENÇA

Vistos. DECIDO.

Da eventual arguição de nulidade por cerceio de prova

O reclamante arguiu incidente de falsidade em face da gravação de mídia apresentada pela reclamada na audiência de instrução processual, cuja juntada de cópia aos autos foi determinada pelo Juízo, com regular vista ao obreiro.

Este requereu “perícia no computador”, sem explicitar o motivo que embasou este estranho pedido, uma vez que a referida gravação não foi feita por meio de computador, mas sim por câmera da vigilância, na sede da empresa, instalada bem em frente ao local em que os operários registravam o ponto.

Ainda que superada tal inconsistência, o inconformismo manifestado pelo autor não se sustenta. E tal se justifica porque não há negativa de que as imagens retratam a trajetória mencionada pela primeira testemunha inquirida, envolvida no incidente que culminou na dispensa do reclamante (vide depoimento da testemunha Reginaldo). Nem mesmo a alegação de possível adulteração da filmagem se mostra plausível, uma vez que a cena, reitero, ocorreu como mencionado pela testemunha, sendo plenamente possível a um leigo perceber que aquela transcorreu normalmente, sem qualquer corte.

No tocante à incorreção da data (08.08.15) na referida gravação, esta é mero detalhe de nenhum relevo para o deslinde da controvérsia, pois é incontroverso o dia em que ocorreu a irregularidade cometida pela primeira testemunha inquirida(10.08.15), o que pode também ser facilmente constatado do cartão de ponto, se observado o horário de encerramento da jornada registrado no ponto.

O reclamante pretende, na verdade, defender o indefensável, e para isso adota a estratégia de repreender a conduta da magistrada, vitimizando a testemunha, com o escopo de beneficiar-se. Porém, trata-se de uma inverdade a alegação de que esta magistrada tenha gritado com a testemunha. Fosse abusivo o procedimento desta Juíza ao advertir aquela das implicações penais do crime de perjúrio, deveria o autor ter manifestado seu inconformismo no termo de audiência. Contudo, somente vem criar tal incidente depois de ter acesso às gravações, as quais deixam clarividente a encenação utilizada pela testemunha para justificar o injustificável, ou seja, o registro do ponto do autor, feito por esta, com o cartão de ponto que estava na sua posse, e não caído ao chão, como quis convencer o Juízo.

Saliento, por oportuno, que compete ao Juiz buscar a verdade real dos fatos. Como bem dito pelo autor, a gravação foi apresentada em audiência, da qual teve vista, restando-lhe assegurado o direito ao contraditório.

Por fim, ainda que o Juízo deixe de atribuir credibilidade à citada gravação, as demais provas produzidas nos autos mostraram-se suficientes para o desate da cizânia. Pelo que, não há nulidade a ser declarada. Registro.

 Remuneração

A remuneração auferida pelo reclamante é aquela extraída dos recibos de pagamento encartados aos autos, porquanto não impugnados ou desmerecidos.

Jornada de trabalho

O reclamante confessou que dias e horários laborados eram corretamente registrados no ponto.

Ao se manifestar sobre documentos, o autor não apontou qualquer irregularidade na apuração e quitação de horas extras, nem sequer na compensação de jornada praticada.

Sem prova do alegado, improcedente o pedido de pagamento de horas extras e consectários legais.

 Rescisão contratual

O autor pretende ver revertida para dispensa imotivada a justa causa aplicada pela empregadora. Consequentemente, pede o pagamento das verbas rescisórias elencadas na prefacial.

Incontroverso que o autor solicitou ao encarregado sua liberação, no curso da jornada, para resolver problemas particulares. E autorizado a fazê-lo, não retornou à empresa após a saída, no referido dia, não obstante registrado o cartão de ponto como se regularmente cumprida a jornada contratual.

O obreiro imputa a culpa do incidente a um colega de trabalho. Alega que este encontrou seu cartão de ponto e, num ato de gentileza, registrou a saída sem que nada lhe fosse solicitado. Diz que não pode ser apenado por ato de terceiro.

Todavia, olvida-se o autor de que foi ele o único beneficiado pelo registro irregular do ponto. E mais, como de praxe, é obrigação de todo trabalhador registrar o ponto na saída, assim que deixar as dependências da empresa, procedimento este também adotado na reclamada, como noticiado pelas testemunhas.

Contudo, o reclamante saiu da empresa mais cedo, retornou para tomar um lanche, saindo em seguida, e em nenhuma destas oportunidades registrou a saída no ponto, a despeito de encerrar o expediente mais cedo, no referido dia 10.08.15.

Esta conduta é injustificável e denota a má-fé do autor, pois este afirmou, ao depor, que somente notou a perda do cartão de ponto no dia seguinte (dia 11), quando o colega o repassou, no início da jornada. Depois, para tentar justificar a omissão em registrar o ponto no momento daquela saída, no dia 10, disse que não localizou seu cartão, contrariando o já relatado anteriormente.

Ora, ao sair da empresa, o mínimo esperado era que o reclamante comunicasse ao encarregado, ao responsável pela portaria ou ao RH, que não estava de posse do cartão, solicitando o registro da saída antecipada por outros meios. Mas quedou-se inerte.

E depois de tomar ciência do registro do seu ponto pelo colega, ao ser indagado porque não comunicou ao encarregado da irregularidade de tal registro, afirmou que atendeu a um pedido deste, que lhe solicitou que se mantivesse silente para não prejudicá-lo.

Todavia o colega Reginaldo, autor do registro irregular, disse a este julgadora que nada pediu ao reclamante quando constatou que havia feito o registro indevido, sendo que o próprio reclamante lhe havia dito que iria ver qual o procedimento a ser tomado.

A suplantar definitivamente a controvérsia, fosse o autor inocente no referido incidente, teria tomado a iniciativa de comunicar ao encarregado o equívoco, a fim de evitar desdobramentos futuros, como no caso. Porém, manteve-se inerte, mesmo sabedor da irregularidade e do benefício que esta lhe trazia.

E diferentemente do que informou a testemunha Reginaldo (envolvido no incidente);, a gravação deixa indene de dúvidas que este simula recolher um cartão de ponto do chão, ao lado do relógio de ponto, para imediatamente efetuar o registro de dois cartões de ponto, sucessivamente (o seu e o do reclamante).

E o que chama a atenção do Juízo, além do fato de não haver qualquer cartão de ponto caído ao solo, é o fato de que o Sr. Reginaldo nem mesmo verifica a quem pertence referido cartão, cuidando apenas de inseri-los ( o seu e o do autor) na máquina para efetuar o registro da saída, ao término do expediente.

Portanto a presunção extraída não é outra senão a da existência de combinação prévia entre a testemunha e o reclamante para o registro irregular do cartão de ponto do autor, consignando horário de trabalho por ele não cumprido.

Corrobora esta conclusão o fato de que o reclamante sequer relatou ter circulado na área em que a testemunha informa ter encontrado o cartão de ponto supostamente perdido, tendo aquele reiterado a possibilidade de ter deixado o cartão na oficina, local onde a testemunha laborava.

Reitero que a inserção incorreta da data em tal gravação em nada prejudica a prova, pois a testemunha Reginaldo relata a forma em que supostamente encontrado o cartão do autor e efetuado o registro, o que se compatibiliza com o encenado na imagem retratada nos autos.

E como já ressaltado alhures, mesmo que superada a gravação que permite verificar com riqueza de detalhes o procedimento irregular cometido pela testemunha Reginaldo, a terceira testemunha inquirida prestou depoimento firme, seguro, relatando o ocorrido no dia e depois do dia do incidente.

E instado a esclarecer os fatos, disse que autorizou a saída do reclamante mais cedo, no dia 10, tendo este deixado o serviço às 11h. No dia seguinte, constatou o registro de saída no ponto do autor, no dia 10, em horário divergente daquele em que efetivamente deixou a empresa. Então indagou ao reclamante o que havia ocorrido, tendo este lhe afirmado que havia retornado ao labor naquela tarde. Contudo, sabendo que o autor não havia retornado ao trabalho na tarde do dia 10, levou o caso ao conhecimento dos seus superiores.

Ou seja, diante da oportunidade de corrigir uma irregularidade, o reclamante ocultou o ocorrido, optando por mentir ao encarregado, beneficiando-se do registro irregular levado a cabo pelo colega Reginaldo.

No tocante ao alegado perdão tácito ou ausência de imediatidade, penso que razão também não assiste ao reclamante. É que não sendo a reclamada empresa de pequeno porte, não tendo o encarregado do setor do autor autonomia para decidir o destino dos seus subordinados, necessária a prestação de informações aos setores competentes para a tomada de decisão.

O incidente ocorreu na tarde do dia 10. O encarregado do setor tomou conhecimento da irregularidade no dia 11 e então comunicou o fato aos superiores. A dispensa do autor ocorreu no dia 20, depois de ouvir os envolvidos, tempo necessário para a apuração da irregularidade. Não há, portanto, perdão tácito. A dispensa ocorreu em tempo oportuno, imediatamente após à apuração dos fatos.

 Registro que, para o deslinde da controvérsia, em nada contribuiu o relato da segunda testemunha inquirida. Veja que esta declarou que é costume da reclamada dispensar empregados por justa causa para se livrar do pagamento de verbas trabalhistas.

Contudo, ao esclarecer os motivos de referidas dispensas, relatou fatos que, em tese, autorizam a imposição de penalidade, sendo necessário avaliar cada caso em concreto, o que extrapola os limites da lide. Porém este nem sequer foi o procedimento adotado pela ré em face da citada testemunha, uma vez que esta foi dispensada de forma imotivada.

E, no caso do reclamante e do colega envolvidos no incidente, há relato destes de que a empresa ofertou-lhes a possibilidade de pedirem demissão (com o que anuiu a primeira testemunha), antes de concretizar a ruptura contratual de forma motivada.

 Por todo o exposto, entendo que o reclamante cometeu ato ilícito em conluio com o colega Reginaldo, apto a justificar a conduta adotada pela reclamada.

Em face da fraude praticada, a qual se revela suficientemente grave e hábil para quebrar a fidúcia necessária para a manutenção do pacto laboral, entendo que não há como se acolher a pretensão aduzida pelo autor.

Correta a justa causa aplicada, são improcedentes os pedidos de pagamento das verbas decorrentes da dispensa imotivada, incluindo multa de 40% do FGTS, além da liberação do FGTS e habilitação ao programa do seguro-desemprego. Rejeito.

 Diferenças de verbas rescisórias

A média salarial apontada pelo autor, na prefacial, não é condizente com aquela extraída dos seus recibos de pagamento. Apuradas as supostas diferenças de resilitórias com base em média salarial incorreta, nada há a ser deferido ao reclamante. Pleito improcedente (letra “c” do rol dos pedidos.

 Multa do art. 467 da CLT

Controvertido todo o pleito aduzido, improcedente o pedido de pagamento da multa em comento.

 Indenização por dano moral

Foi o reclamante e seu colega Reginaldo quem deram causa à dispensa, tal como procedida, em face da conduta ilícita adotada.

Não há comprovação de que o autor tenha sofrido humilhações, constrangimentos e demais desdobramentos mencionados na exordial, por parte da empregadora.

Consequentemente, não tendo a reclamada praticado qualquer ato comissivo ou omissivo a violar direito personalíssimo do reclamante, não há dano moral a ser reparado. Improcedente o pedido.

 Ofício

Por entender que a testemunha Reginaldo faltou com a verdade em Juízo, pretendendo beneficiar o reclamante e validar toda a encenação criada, ao registrar o ponto do demandante, determino a expedição de ofício à Polícia Federal e Ministério Público Federal, após o trânsito em julgado da sentença, para as providências cabíveis, encaminhando a estes cópia desta decisão e das imagens gravadas pela reclamada, por meio da mídia depositada na Secretaria da Vara.

 Justiça Gratuita

Consoante dispõe expressamente a Lei 7.115/83, basta a mera declaração de miserabilidade jurídica pelas partes requerentes, para se presumir que estas não tem condições de arcar com as custas do processo sem que isso lhe cause prejuízos para o seu próprio sustento ou de sua família. Preenchidos os requisitos legais para a concessão da gratuidade da justiça ao Reclamante, defiro-a.

 Advertência

Embargos declaratórios que não comportem uma das hipóteses expressamente previstas no art. 897-A da CLT não serão conhecidos, não interrompendo o prazo recursal. Embargos declaratórios não se prestam para pré-questionar matérias, as quais são integralmente devolvidas à instância recursal. Saliento que o Juízo não está obrigado a rebater todos os argumentos aduzidos pelas partes, desde que um deles seja suficiente para fundamentar sua decisão. Aqueles embargos que forem tidos por protelatórios e infundados atrairão a aplicação das multas previstas no parágrafo único do art. 538 e art. 18 do CPC, sem prejuízo de eventual enquadramento na hipótese descrita no art. 14 do CPC.

 DISPOSITIVO

Isso posto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados por LUIZ GUSTAVO MARTINS GOMES em face de VULCAFLEX INDUSTRIA E COMÉRCIO LTDA., nos termos da fundamentação supra, que integra este dispositivo.

Deferida a gratuidade de justiça ao Reclamante.

Expeça-se o ofício determinado, após o trânsito em julgado da decisão.

Custas de R$ 586,79, pelo autor, calculadas sobre R$ 29.339,60, valor atribuído à causa, dispensadas na forma da lei.

Cientes as partes da decisão.

Uberlândia, 3 de novembro de 2015.

Sandra Carla Simamoto da Cunha

Juíza do Trabalho Substituta

 

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