Liberdade de aprender e o dever de cumprir com as frequências em aulas
Ementa
Acórdão
Resumo Estruturado
Referências Legislativa
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9394/96 – Art. 3; Art. 12; Art. 13 – inc. IV
CF – Art. 207
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS |
Apelação Cível do Juizado Especial 2011 01 1 022231-2 ACJ
Órgão | 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal |
Processo N. | Apelação Cível do Juizado Especial 20110110222312ACJ |
Apelante (s) | INSTITUTO PROCESSUS DE CULTURA E APERFEIÇOAMENTO JURÍDICO LTDA. |
Apelado (s) | ERICK DA ROCHA SPIEGEL SALLUM |
Relatora |
Desembargadora EDI MARIA COUTINHO BIZZI |
Acórdão Nº |
769.846 |
E M E N T A
JUIZADOS ESPECIAIS. INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR. ALUNO REPROVADO POR FALTAS. IDONEIDADE DO SISTEMA DE REGISTRO DE FREQUENCIA. APROVAÇÃO NÃO DEFERIDA.
1. Se entre a instituição de ensino e o aluno vigora a relação de consumo, na sala de aula prevalecem os princípios do art. 3º da Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394/96), como o da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber.
2. A submissão da relação jurídica entre a instituição de ensino e o aluno ao Código de Defesa do Consumidor não afasta a aplicação de normas que regem o sistema de ensino e, certamente, é insuficiente para afastar a força probatória dos diários de frequências firmados pelos professores e corroborados pela folha de ponto do autor que trabalha em escala de 24h por 72h de descanso.
3. O art. 12 da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) dispõe que “os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de, entre outras coisas, assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aulas estabelecidas.”
4. A instituição ré, – para desincumbir-se dessa obrigação – usa registros de frequência anotados pelos próprios professores.
5. Se os controles de frequência firmados pelo professores comprovam a falta de assiduidade do autor, é improcedente a pretensão de receber aprovação nas disciplinas.
6. Recurso conhecido e provido.
A C Ó R D Ã O Acordam os Senhores Desembargadores da 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, EDI MARIA COUTINHO BIZZI – Relatora, LUIS MARTIUS HOLANDA BEZERRA JUNIOR – Vogal, CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO – Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO, em proferir a seguinte decisão: CONHECIDO. PROVIDO. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas. Brasília (DF), 11 de março de 2014 Documento Assinado Digitalmente 19/03/2014 – 18:51 Desembargadora EDI MARIA COUTINHO BIZZI Relatora |
R E L A T Ó R I O
O autor afirma que ao se matricular para o 8º semestre na Faculdade de Direito, foi surpreendido pela reprovação na matéria de Direito Processual Civil 2 pelo lançamento de 36 faltas. Sustenta que o método de aferição da presença usada pela faculdade, a pauta de chamada, é arcaico e não oferece segurança ao aluno. Postulou a regularização de seu histórico acadêmico, sob pena de multa, mais indenização por danos morais.
O juiz desconsiderou os controles de frequência, inverteu o ônus da prova e condenou a ré “a emitir histórico escolar e entregá-lo ao requerente, no prazo de 15 (quinze) dias, com a retificação da situação relativa às disciplinas de Direito Processual Civil II, Direito Processual Penal I e II, para o status de “aprovado”, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais) limitada, por ora, a R$ 5.000,00. Condenou a ré ainda a “pagar compensação por danos morais no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), com incidência de correção monetária pelo INPC e acrescido de juros legais de 1% (um por cento) ao mês a contar da intimação desta sentença”.
No recurso, o réu afirma que não há prova mais contundente para aferir a presença do aluno do que os controles de frequência utilizados pelo professor em sala de aula e que os controles exibidos nos autos e assinados pelos professores demonstram com clareza a falta de assiduidade do autor.
Recurso tempestivo (fl. 267). Preparo regular às fls. 278.
Contrarrazões às fls. 281/298.
É o breve relato.
V O T O S
A Senhora Desembargadora EDI MARIA COUTINHO BIZZI – Relatora
Eminentes pares, a sentença merece reforma.
O autor afirmou na inicial que a instituição ré alterou seu histórico escolar, lançando faltas inexistentes que ensejaram a sua reprovação nas matérias de Direito Processual Civil II, Direito Processual Penal I e II. Pleiteou a correção no histórico escolar com a consequente aprovação nas disciplinas e reparação por danos morais.
A sentença desconsiderou os diários de frequência dos professores (fl. 114), inverteu o ônus da prova, concluiu que a instituição de ensino não comprovou a ausência do autor nas aulas e julgou procedente o pedido, condenando a ré a aprovar o aluno, tudo com fundamento no Código de Defesa do Consumidor.
Entretanto, o ato de ensinar oferece peculiaridades que extravasam a simples relação de consumo. Não se discute que entre a instituição de ensino e o aluno contratante vigora a relação de consumo, mas entre o mestre e o aluno, não. Na sala de aula, prevalecem os princípios do art. 3º da Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394/96), como o da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; e o respeito à liberdade e apreço à tolerância, entre muitos outros.
O artigo 207 da Constituição Federal estabelece que ”As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. (grifei). Já o art. 12 da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) dispõe que “os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de, entre outras coisas, assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aulas estabelecidas”.
Portanto, as universidades desfrutam de extensa autonomia. A despeito disso, devem assegurar o cumprimento dos dias letivos. A instituição ré, – para desincumbir-se dessa obrigação – usa registros de frequência anotados pelos próprios professores. Esse método é rotineiramente utilizado e não pode ser dispensado como insuficiente e inapto para demonstrar a ausência do aluno.
O professor de Direito Processual Civil II da instituição ré explicou a forma como a presença do aluno em sala é aferida:
“Verifica-se que a sistemática de registro de freqüência dos alunos desta IES é informatizado, onde o lançamento das faltas é feito por dia de aula. Em razão disso a chamada oral dos alunos é realizada e periodicamente lançada no sistema ao longo do semestre. Diante disso, a pauta eletrônica reflete de forma fiel as presenças dos alunos em sala de aula, uma vez que, mesmo tendo o cuidado de chamar duas vezes o nome do aluno faltante, este professor abre a possibilidade de, ao final da aula, aqueles que porventura não estivessem no momento da chamada, possam reivindicar o registro de sua presença, tal como pode ser atestado pelos próprios alunos.
Nota-se pelo Diário de Freqüência, documento arquivado nesta Coordenação entregue no final do semestre em questão (8/12/2009) assinado por este professor e pela então Secretária do Curso, que o requerente esteve ausente nos dias 21/08, 28/08, 04/09, 11/09, 16/10, 23/10 perfazendo 24 (vinte e quatro) faltas, além de não ter entregado nenhum dos Trabalhos Acadêmicos Efetivos – TAE o que resultou no acréscimo de mais 12 horas-aula de ausência.
(…) omissis
Por fim, o fato do requerente ter se matriculado em outras disciplinas processuais nos semestres seguintes não comprovam sua alegação, uma vez que a disciplina em tela, Direito Processual Civil II (cumprimento da sentença e processo de execução) não se mostra como pré-requisito das demais, Direito Processual Civil III – Recursos e Processo nos Tribunais e Direito Processual Civil IV – Processo Cautelar e Procedimentos Especiais)
Por todo exposto e diante da idoneidade dos dados constantes no Diário de Freqüência arquivado na Secretaria desde 08/12/2009, este professor se posiciona pelo indeferimento do presente pedido revisional, mantendo a reprovação por faltas do aluno.” (fls. 109/112)
A alegação do autor de que tomou conhecimento da reprovação na matéria de DPC II somente um ano e meio depois é infirmada pelo histórico de fl. 56, emitido em agosto de 2010. Evidentemente que somente no final do semestre letivo é possível aferir a assiduidade do aluno. Logo, a reprovação por falta foi lançada no final do semestre de 2009 e já em agosto de 2010 constava no histórico escolar do autor.
Também não altera a solução da demanda a assertiva de que a instituição de ensino, após o ajuizamento da demanda, passou a oferecer alternativas para a obtenção da aprovação com a entrega de trabalhos escolares (fl. 42 – Proc. 22.231-2). Tal conduta – ao contrário do que crê o autor – não destoa dos objetivos da Lei de Diretrizes e Bases que incumbe aos docentes o estabelecimento de estratégias de recuperação para aprovação dos alunos (inciso IV do art. 13). Mas na hipótese a tentativa foi inútil, pois o autor recusou a oferta e optou por buscar aprovação no Judiciário, além de vultosa reparação por danos morais.
Por fim, o fato de ter se matriculado em outras disciplinas processuais nos semestres seguintes não comprovam a aprovação do autor, uma vez que a disciplina DPC II (cumprimento de sentença e processo de execução) não é pré-requisito das disciplinas DPC III (recursos e processos nos tribunais superiores) e DPC IV Processo Cautelar e Procedimentos Especiais.
Desse modo a submissão da relação jurídica entre a instituição de ensino e o aluno ao Código de Defesa do Consumidor não afasta a aplicação de normas que regem o sistema de ensino e, certamente, é insuficiente para afastar a força probatória dos diários de frequências firmados pelos professores e corroborados pela folha de ponto do autor que trabalha em escala de 24h por 72h de descanso.
Importante salientar que em nenhum momento o autor afirma que esteve nas aulas. Em nenhuma oportunidade afirma que entregou os trabalhos necessários para a complementação da frequência. O seu fundamento está na suposta fragilidade da pauta de presença e na falha do sistema da instituição de ensino, que depois de emitir o histórico escolar indicando a reprovação, passou a constar a aprovação. O equívoco, todavia é insuficiente para afastar os diários de frequência dos professores, que, sob essa perspectiva, merecem prevalecer.
O fato é que o autor foi reprovado por falta e a sua tentativa de se receber aprovação por meio do judiciário é – para colocar a questão em termos menos veemente – no mínimo inadequada. A pretensão é, a meu ver, integralmente improcedente. Não lhe cabe aprovação ou nenhuma das alternativas pleiteadas. Tampouco reparação por danos morais.
Assim, conheço e dou provimento ao recurso para julgar improcedentes os pedidos.
Sem custas ou honorários.
O Senhor Desembargador LUIS MARTIUS HOLANDA BEZERRA JUNIOR – Vogal
Com o Relator.
O Senhor Desembargador CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO – Vogal
Com a Turma.
D E C I S Ã O
CONHECIDO. PROVIDO. UNÂNIME.