Jurisprudência
19 mar 14 17:58

Liberdade de aprender e o dever de cumprir com as frequências em aulas

Ementa

JUIZADOS ESPECIAIS. INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR. ALUNO REPROVADO POR FALTAS. IDONEIDADE DO SISTEMA DE REGISTRO DE FREQUENCIA. APROVAÇÃO NÃO DEFERIDA.
1. SE ENTRE A INSTITUIÇÃO DE ENSINO E O ALUNO VIGORA A RELAÇÃO DE CONSUMO, NA SALA DE AULA PREVALECEM OS PRINCÍPIOS DO ART. 3º DA LEI DE DIRETRIZES E BASES (LEI 9.394/96), COMO O DA LIBERDADE DE APRENDER, ENSINAR, PESQUISAR E DIVULGAR A CULTURA, O PENSAMENTO, A ARTE E O SABER.
2. A SUBMISSÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE A INSTITUIÇÃO DE ENSINO E O ALUNO AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NÃO AFASTA A APLICAÇÃO DE NORMAS QUE REGEM O SISTEMA DE ENSINO E, CERTAMENTE, É INSUFICIENTE PARA AFASTAR A FORÇA PROBATÓRIA DOS DIÁRIOS DE FREQUÊNCIAS FIRMADOS PELOS PROFESSORES E CORROBORADOS PELA FOLHA DE PONTO DO AUTOR QUE TRABALHA EM ESCALA DE 24H POR 72H DE DESCANSO.
3. O ART. 12 DA LEI 9.394/96 (LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO) DISPÕE QUE “OS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO, RESPEITADAS AS NORMAS COMUNS E AS DO SEU SISTEMA DE ENSINO, TERÃO A INCUMBÊNCIA DE, ENTRE OUTRAS COISAS, ASSEGURAR O CUMPRIMENTO DOS DIAS LETIVOS E HORAS-AULAS ESTABELECIDAS.” 4. A INSTITUIÇÃO RÉ, – PARA DESINCUMBIR-SE DESSA OBRIGAÇÃO – USA REGISTROS DE FREQUÊNCIA ANOTADOS PELOS PRÓPRIOS PROFESSORES. 5. SE OS CONTROLES DE FREQUÊNCIA FIRMADOS PELO PROFESSORES COMPROVAM A FALTA DE ASSIDUIDADE DO AUTOR, É IMPROCEDENTE A PRETENSÃO DE RECEBER APROVAÇÃO NAS DISCIPLINAS. 6. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Acórdão

CONHECIDO. PROVIDO. UNÂNIME

Resumo Estruturado

VIDE EMENTA.
 

Referências Legislativa

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9394/96 – Art. 3; Art. 12; Art. 13 – inc. IV

CF – Art. 207

 


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

Apelação Cível do Juizado Especial 2011 01 1 022231-2 ACJ

Órgão 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal
Processo N. Apelação Cível do Juizado Especial 20110110222312ACJ
Apelante (s) INSTITUTO PROCESSUS DE CULTURA E APERFEIÇOAMENTO JURÍDICO LTDA.
Apelado (s) ERICK DA ROCHA SPIEGEL SALLUM
Relatora

Desembargadora EDI MARIA COUTINHO BIZZI

Acórdão Nº

769.846

E M E N T A

JUIZADOS ESPECIAIS. INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR. ALUNO REPROVADO POR FALTAS. IDONEIDADE DO SISTEMA DE REGISTRO DE FREQUENCIA. APROVAÇÃO NÃO DEFERIDA.

1. Se entre a instituição de ensino e o aluno vigora a relação de consumo, na sala de aula prevalecem os princípios do art. 3º da Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394/96), como o da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber.

2. A submissão da relação jurídica entre a instituição de ensino e o aluno ao Código de Defesa do Consumidor não afasta a aplicação de normas que regem o sistema de ensino e, certamente, é insuficiente para afastar a força probatória dos diários de frequências firmados pelos professores e corroborados pela folha de ponto do autor que trabalha em escala de 24h por 72h de descanso.

3. O art. 12 da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) dispõe que “os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de, entre outras coisas, assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aulas estabelecidas.”

4. A instituição ré, – para desincumbir-se dessa obrigação – usa registros de frequência anotados pelos próprios professores.

5. Se os controles de frequência firmados pelo professores comprovam a falta de assiduidade do autor, é improcedente a pretensão de receber aprovação nas disciplinas.

6. Recurso conhecido e provido.

A C Ó R D Ã O

Acordam os Senhores Desembargadores da 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, EDI MARIA COUTINHO BIZZI – Relatora, LUIS MARTIUS HOLANDA BEZERRA JUNIOR – Vogal, CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO – Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO, em proferir a seguinte decisão: CONHECIDO. PROVIDO. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 11 de março de 2014

Documento Assinado Digitalmente

19/03/2014 – 18:51

Desembargadora EDI MARIA COUTINHO BIZZI

Relatora

R E L A T Ó R I O

O autor afirma que ao se matricular para o 8º semestre na Faculdade de Direito, foi surpreendido pela reprovação na matéria de Direito Processual Civil 2 pelo lançamento de 36 faltas. Sustenta que o método de aferição da presença usada pela faculdade, a pauta de chamada, é arcaico e não oferece segurança ao aluno. Postulou a regularização de seu histórico acadêmico, sob pena de multa, mais indenização por danos morais.

O juiz desconsiderou os controles de frequência, inverteu o ônus da prova e condenou a ré “a emitir histórico escolar e entregá-lo ao requerente, no prazo de 15 (quinze) dias, com a retificação da situação relativa às disciplinas de Direito Processual Civil II, Direito Processual Penal I e II, para o status de “aprovado”, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais) limitada, por ora, a R$ 5.000,00. Condenou a ré ainda a “pagar compensação por danos morais no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), com incidência de correção monetária pelo INPC e acrescido de juros legais de 1% (um por cento) ao mês a contar da intimação desta sentença”.

No recurso, o réu afirma que não há prova mais contundente para aferir a presença do aluno do que os controles de frequência utilizados pelo professor em sala de aula e que os controles exibidos nos autos e assinados pelos professores demonstram com clareza a falta de assiduidade do autor.

Recurso tempestivo (fl. 267). Preparo regular às fls. 278.

Contrarrazões às fls. 281/298.

É o breve relato.

V O T O S

A Senhora Desembargadora EDI MARIA COUTINHO BIZZI – Relatora

Eminentes pares, a sentença merece reforma.

O autor afirmou na inicial que a instituição ré alterou seu histórico escolar, lançando faltas inexistentes que ensejaram a sua reprovação nas matérias de Direito Processual Civil II, Direito Processual Penal I e II. Pleiteou a correção no histórico escolar com a consequente aprovação nas disciplinas e reparação por danos morais.

A sentença desconsiderou os diários de frequência dos professores (fl. 114), inverteu o ônus da prova, concluiu que a instituição de ensino não comprovou a ausência do autor nas aulas e julgou procedente o pedido, condenando a ré a aprovar o aluno, tudo com fundamento no Código de Defesa do Consumidor.

Entretanto, o ato de ensinar oferece peculiaridades que extravasam a simples relação de consumo. Não se discute que entre a instituição de ensino e o aluno contratante vigora a relação de consumo, mas entre o mestre e o aluno, não. Na sala de aula, prevalecem os princípios do art. 3º da Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394/96), como o da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; e o respeito à liberdade e apreço à tolerância, entre muitos outros.

O artigo 207 da Constituição Federal estabelece que ”As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. (grifei). Já o art. 12 da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) dispõe que “os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de, entre outras coisas, assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aulas estabelecidas”.

Portanto, as universidades desfrutam de extensa autonomia. A despeito disso, devem assegurar o cumprimento dos dias letivos. A instituição ré, – para desincumbir-se dessa obrigação – usa registros de frequência anotados pelos próprios professores. Esse método é rotineiramente utilizado e não pode ser dispensado como insuficiente e inapto para demonstrar a ausência do aluno.

O professor de Direito Processual Civil II da instituição ré explicou a forma como a presença do aluno em sala é aferida:

“Verifica-se que a sistemática de registro de freqüência dos alunos desta IES é informatizado, onde o lançamento das faltas é feito por dia de aula. Em razão disso a chamada oral dos alunos é realizada e periodicamente lançada no sistema ao longo do semestre. Diante disso, a pauta eletrônica reflete de forma fiel as presenças dos alunos em sala de aula, uma vez que, mesmo tendo o cuidado de chamar duas vezes o nome do aluno faltante, este professor abre a possibilidade de, ao final da aula, aqueles que porventura não estivessem no momento da chamada, possam reivindicar o registro de sua presença, tal como pode ser atestado pelos próprios alunos.

Nota-se pelo Diário de Freqüência, documento arquivado nesta Coordenação entregue no final do semestre em questão (8/12/2009) assinado por este professor e pela então Secretária do Curso, que o requerente esteve ausente nos dias 21/08, 28/08, 04/09, 11/09, 16/10, 23/10 perfazendo 24 (vinte e quatro) faltas, além de não ter entregado nenhum dos Trabalhos Acadêmicos Efetivos – TAE o que resultou no acréscimo de mais 12 horas-aula de ausência.

(…) omissis

Por fim, o fato do requerente ter se matriculado em outras disciplinas processuais nos semestres seguintes não comprovam sua alegação, uma vez que a disciplina em tela, Direito Processual Civil II (cumprimento da sentença e processo de execução) não se mostra como pré-requisito das demais, Direito Processual Civil III – Recursos e Processo nos Tribunais e Direito Processual Civil IV – Processo Cautelar e Procedimentos Especiais)

Por todo exposto e diante da idoneidade dos dados constantes no Diário de Freqüência arquivado na Secretaria desde 08/12/2009, este professor se posiciona pelo indeferimento do presente pedido revisional, mantendo a reprovação por faltas do aluno.” (fls. 109/112)

A alegação do autor de que tomou conhecimento da reprovação na matéria de DPC II somente um ano e meio depois é infirmada pelo histórico de fl. 56, emitido em agosto de 2010. Evidentemente que somente no final do semestre letivo é possível aferir a assiduidade do aluno. Logo, a reprovação por falta foi lançada no final do semestre de 2009 e já em agosto de 2010 constava no histórico escolar do autor.

Também não altera a solução da demanda a assertiva de que a instituição de ensino, após o ajuizamento da demanda, passou a oferecer alternativas para a obtenção da aprovação com a entrega de trabalhos escolares (fl. 42 – Proc. 22.231-2). Tal conduta – ao contrário do que crê o autor – não destoa dos objetivos da Lei de Diretrizes e Bases que incumbe aos docentes o estabelecimento de estratégias de recuperação para aprovação dos alunos (inciso IV do art. 13). Mas na hipótese a tentativa foi inútil, pois o autor recusou a oferta e optou por buscar aprovação no Judiciário, além de vultosa reparação por danos morais.

Por fim, o fato de ter se matriculado em outras disciplinas processuais nos semestres seguintes não comprovam a aprovação do autor, uma vez que a disciplina DPC II (cumprimento de sentença e processo de execução) não é pré-requisito das disciplinas DPC III (recursos e processos nos tribunais superiores) e DPC IV Processo Cautelar e Procedimentos Especiais.

Desse modo a submissão da relação jurídica entre a instituição de ensino e o aluno ao Código de Defesa do Consumidor não afasta a aplicação de normas que regem o sistema de ensino e, certamente, é insuficiente para afastar a força probatória dos diários de frequências firmados pelos professores e corroborados pela folha de ponto do autor que trabalha em escala de 24h por 72h de descanso.

Importante salientar que em nenhum momento o autor afirma que esteve nas aulas. Em nenhuma oportunidade afirma que entregou os trabalhos necessários para a complementação da frequência. O seu fundamento está na suposta fragilidade da pauta de presença e na falha do sistema da instituição de ensino, que depois de emitir o histórico escolar indicando a reprovação, passou a constar a aprovação. O equívoco, todavia é insuficiente para afastar os diários de frequência dos professores, que, sob essa perspectiva, merecem prevalecer.

O fato é que o autor foi reprovado por falta e a sua tentativa de se receber aprovação por meio do judiciário é – para colocar a questão em termos menos veemente – no mínimo inadequada. A pretensão é, a meu ver, integralmente improcedente. Não lhe cabe aprovação ou nenhuma das alternativas pleiteadas. Tampouco reparação por danos morais.

Assim, conheço e dou provimento ao recurso para julgar improcedentes os pedidos.

Sem custas ou honorários.

O Senhor Desembargador LUIS MARTIUS HOLANDA BEZERRA JUNIOR – Vogal

Com o Relator.

O Senhor Desembargador CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO – Vogal

Com a Turma.

D E C I S Ã O

CONHECIDO. PROVIDO. UNÂNIME.

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