Jurisprudência
22 maio 15 17:33

JOVEM QUE AMEAÇOU DIRETORA DE ESCOLA APÓS REPREENSÃO PRESTARÁ SERVIÇO COMUNITÁRIO (F)

Um adolescente com histórico de vida desregrada e de intimidação aos colegas teve o cumprimento de medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade por quatro meses confirmada pela 4ª Câmara Criminal do TJ. A decisão confirmou a aplicação estabelecida em processo de comarca do Alto Vale do Itajaí, após o registro de ameaça contra a diretora da escola em que o jovem estuda.

A atitude foi registrada em 2013, quando a professora o repreendeu por fazer zombarias com um adolescente com capacidade mental reduzida, também aluno da escola. O relator, desembargador Roberto Lucas Pacheco, negou a redução de cumprimento da medida de quatro para um mês e observou estar dentro do estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente. Para o magistrado, este período é adequado à reeducação do adolescente, que desde os 13 anos tem registro de personalidade desvirtuada e agressiva.




Apelação / Estatuto da Criança e do Adolescente n. 2014.074791-2, de Rio do Sul

Relator: Des. Roberto Lucas Pacheco

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO CRIME DE AMEAÇA. CÓDIGO PENAL, ART. 147, CAPUT. PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. APLICAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. RECURSO DEFENSIVO.

IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. IMPOSSIBILIDADE. PALAVRAS DA VÍTIMA EM CONSONÂNCIA COM O RESTANTE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. ÂNIMO INTIMIDATIVO COMPROVADO. SENTENÇA MANTIDA.

Caracteriza o ato infracional análogo ao crime de ameaça a conduta do adolescente que procura incutir temor à vítima, anunciando causar-lhe mal injusto e grave. Estando devidamente comprovado o ânimo intimidativo, não há falar em atipicidade da conduta.

MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. REDUÇÃO DO TEMPO DE CUMPRIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. MEDIDA QUE ESTÁ DENTRO DO ESTABELECIDO NO ART. 117 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. QUANTUM ADEQUADO À REEDUCAÇÃO DO ADOLESCENTE.

RECURSO NÃO PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Estatuto da Criança e do Adolescente n. 2014.074791-2, da comarca de Rio do Sul (Vara da Família Órfãos, Sucessões Inf e Juventude), em que é apelante W. dos S. B., e apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais.

O julgamento, realizado no dia 16 de abril de 2015, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Jorge Schaefer Martins, e dele participaram os Exmos. Srs. Des. Rodrigo Collaço e Newton Varella Júnior. Funcionou como representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira.

Florianópolis, 22 de abril de 2015.

Roberto Lucas Pacheco

Relator

RELATÓRIO

Na comarca de Rio do Sul, o Ministério Público ofereceu representação contra W. dos S. B., imputando-lhe a prática de ato infracional análogo à conduta descrita no art. 147, caput, do Código Penal, em razão dos fatos assim descritos na peça inicial (fl. II – ipsis litteris):

Conforme extrai-se do incluso procedimento infracional, no dia 17 de setembro de 2013, por volta das 07 h e 30 min, no Centro Educacional Guilherme Butzke, com endereço a Rua Amabilio Testoni 120, Rainha, Comarca de Rio do Sul/SC, o adolescente W. dos S. B., ameaçou a Diretora do referido Centro Educacional.

Após ser chamado sua atenção pela vítima Andresa Martins Dolzan, Diretora do referido estabelecimento de ensino, diante do fato do representado estar caçoando de um adolescente com capacidade mental reduzida, esse passou a ameaçar a vítima dizendo “você devia ter medo de mim”.

Concluída a instrução, o juiz a quo julgou procedente o pedido contido na representação e aplicou ao representado medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, pelo período de 4 meses, pela prática de ato infracional análogo à conduta descrita no art. 147, caput, do Código Penal (fls. 70-72).

Inconformado com o decisum, o adolescente apelou. Em suas razões recursais, requereu a improcedência da representação, alegando a atipicidade da conduta. De forma subsidiária, pediu a redução do tempo de cumprimento da medida socioeducativa para 1 mês (fls. 77-85).

Nas suas contrarrazões, o Ministério Público pugnou pela manutenção do decisum (fls. 93-93) que, em juízo de retratação, foi mantido por seus próprios fundamentos (fl. 97).

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Paulo Antônio Günther, que opinou pelo não provimento do recurso (fls. 103-109).

É o relatório.

VOTO

A materialidade está consubstanciada no boletim de ocorrência de fl. 3 e na prova oral colhida.

A autoria do ato infracional, de igual forma, evidencia-se pelos depoimentos prestados nos autos.

Com efeito, a vítima Andresa Martins Dolzan, na fase judicial, afirmou: no dia dos fatos, logo após chegar à escola, foi chamada por outros alunos que disseram que W. estava correndo atrás e dando pontapés em uma aluno que é “especial”; foi conversar com o adolescente e ele lhe “deu as costas”; pediu que ele fosse até a sua sala e W. se negou; após muitas negativas por parte do adolescente, pediu a ajuda do professor Vlademir para abordar W.; nessa hora W. “já pulou para cima” de Vlademir; depois levou W. para sua sala; ao chegar à sala da direção, o adolescente bateu a porta e afirmou que ela deveria ter medo dele; se sentiu intimidada pela ameaça proferida, sobretudo porque seu marido viaja constantemente e mora em um sítio com um filho ainda bebê e com outro de 14 anos, possuindo receio de ficar sozinha em casa; essa não foi a primeira vez que W. fez ameaças desse tipo; após os fatos, W., juntamente com outros adolescentes, apedrejou a escola; o adolescente nunca respeitou os alunos e os funcionários do estabelecimento (CD de fl. 51).

Outrossim, a testemunha Vlademir Luiz Brasil Júnior relatou em juízo: é professor na escola onde os fatos ocorreram; na data em questão, foi solicitado pela diretora Andresa para ajudar a conter o adolescente; ouviu W. proferir palavras de baixo calão à vítima; não se recorda da ameaça especificamente naquele dia, mas lembra que W. estava extremamente alterado; o adolescente W. era bastante agressivo e toda a equipe da escola, bem como os outros alunos, se sentiam intimidados por ele (CD de fl. 51).

O adolescente W., por sua vez, confessou ter feito a ameaça, afirmando que estava meio nervoso por ter sido repreendido pela vítima e de fato disse que ela deveria ter medo dele (CD de fl. 30).

Dessarte, o conjunto probatório não deixa dúvidas acerca da autoria e da materialidade do ato infracional. Veja-se que a vítima expôs ter se sentido intimidada em razão da ameaça proferida pelo adolescente.

Desse modo, estando devidamente comprovado o ânimo intimidativo, não há falar em atipicidade da conduta.

Assim, a conduta realizada pelo apelante se subsome ao preceito normativo contido no art. 147 do Código Penal, visto que ameaçou, com palavras, causar mal injusto e grave à vítima, razão pela qual a manutenção da representação é medida que se impõe.

Quanto ao pleito subsidiário de redução do tempo de cumprimento da medida socioeducativa para 1 mês, melhor sorte não socorre ao adolescente, pelos mesmos motivos já bem lançados no parecer do ilustre Procurador de Justiça Paulo Antônio Günther, a quem se pede vênia para, com base no art. 150 do Regimento Interno desta Corte, transcrever o excerto, adotando-o como razão de decidir (fls. 107-108 – ipsis litteris):

Constata-se que o recorrente postula a minoração do período imposto para a execução da medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, alegando que o prazo de 04 meses equivale quase a totalidade da pena da pena máxima prevista aos maiores imputáveis que perpetram o crime de ameaça.

Acerca da medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, o artigo 117, do Estatuto da Criança e do Adolescente, dispõe: “Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais. Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a freqüência à escola ou à jornada normal de trabalho” (grifou-se).

Ou seja, o prazo estipulado pelo magistrado a quo está de acordo com o permitido na legislação específica, não havendo qualquer irregularidade em fixar o período de 04 meses para que o adolescente execute a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade.

Além disso, é sabido que o togado possui discricionariedade, dentro dos limites da legislação, para estipular o prazo a ser cumprido pelo adolescente. In casu, evidente que o quantum estabelecido pelo juiz sentenciante está de acordo com a realidade e o histórico desregrado de vida do menor, o qual, embora à época contasse com apenas 13 anos de idade, já possuía uma personalidade desvirtuada e agressiva, tendo sido, inclusive, agraciado com uma remissão cumulada com liberdade assistida em virtude da prática de ato infracional pretérito à infração em comento.

Assentou o Pretório Catarinense: “APELAÇÃO CRIMINAL. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO CRIME DO ART. 155, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. APLICAÇÃO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE PELO PERÍODO DE SEIS MESES E DURANTE OITO HORAS SEMANAIS. RECURSO DA DEFESA. PEDIDO PELA REDUÇÃO DO LAPSO TEMPORAL ESTABELECIDO PARA O CUMPRIMENTO DA MEDIDA, BEM COMO DE SUA CARGA HORÁRIA. NÃO ACOLHIMENTO. SITUAÇÃO QUE SE SUBMETE A DISCRICIONARIEDADE DO MAGISTRADO SENTENCIANTE. MEDIDA QUE ESTÁ DENTRO DO ESTABELECIDO PELO ART. 117 DA LEI 8.069/90. ADEMAIS, NÃO SE VISLUMBRAM NOS AUTOS A IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA MEDIDA, CONFORME ALEGADO PELO ADOLESCENTE. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO” (Apelação/ECA n.º 2013.016562-9, oriunda da Comarca de Chapecó, Relatora Desembargadora Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, votação unânime).

Ainda: “ATO INFRACIONAL. FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE PESSOAS. ABSOLVIÇÃO. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. INVIABILIDADE. Se o conjunto probatório patenteia a autoria e a materialidade do ato infracional, descabe a pretensão absolutória. MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. REDUÇÃO DO PRAZO ESTIPULADO PELO MAGISTRADO. IMPOSSIBILIDADE. QUANTUM QUE ATENTA PARA A REEDUCAÇÃO DO ADOLESCENTE. RECURSO DESPROVIDO. A medida sócio-educativa de prestação de serviços à comunidade objetiva conscientizar o adolescente da importância do trabalho e do papel que desempenha na sociedade, proporcionando-lhe a oportunidade de participar de atividades construtivas, permitindo-lhe desenvolver a solidariedade e a consciência social (vide Pereira, Tânia da Silva, Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar, Rio de Janeiro, Renovar, 1996, p. 569). Portanto, afigura-se ideal para aquele que tenha cometido ato infracional contra o patrimônio” (TJ/SC, Apelação / Estatuto da Criança e do Adolescente n.º 2009.062182-5, oriunda da Comarca de São José do Cedro, Relator Desembargador Sérgio Paladino).

Manifesto que a conduta do representado merece contenção mais rigorosa, evitando-se que o adolescente direcione, de modo permanente, sua vida à criminalidade, exigindo que seja reeducado e ressocializado, para então não voltar a praticar atos infracionais.

Dessa forma, certamente que o período fixado pelo magistrado a quo para que “W.S.B.” resgate a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, qual seja, 04 (quatro) meses, se mostra adequado para a reeducação do adolescente.

À vista do exposto, deve-se negar provimento ao recurso.

É como voto.

 

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