Jurisprudência
04 maio 15 11:26

INISTITUTO FEDERAL É CONDENADO A INDENIZAR ALUNO COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA POR NÃO DISPONIBILIZAR INTÉRPRETE EM LIBRAS

O Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) foi condenado a pagar indenização por danos morais de R$ 6 mil a um aluno com deficiência auditiva por não dispor de um professor intérprete em libras. A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve sentença que considerou haver falha por parte da instituição, em julgamento na última semana.

O autor foi reprovado em todas as disciplinas do 2° módulo do Curso Técnico de Informática, no primeiro semestre de 2012. Ele alegou que as reprovações se deram pela falta de um intérprete para lhe auxiliar nas aulas. A professora que o acompanhou no primeiro módulo do curso – quando ele foi aprovado em todas as matérias – teve que se licenciar em virtude de uma gestação de alto risco.  

O IFSC alegou ter tomado todas as providências cabíveis para a substituição da docente. Afirmou que o atraso na contratação do novo intérprete se deu devido à greve dos professores, ocorrida entre junho e setembro de 2012. A admissão do substituto foi efetivada em novembro do mesmo ano.

Segundo o desembargador federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, houve falha por parte da instituição que “deveria ter oportunizado ao aluno uma forma de recuperar os conhecimentos dados em aula”. Para o relator, “a obrigação de reparar o dano pela administração pública independe de culpa, não podendo o erro do órgão público resultar em prejuízo ao autor”.

 




 Nota:

A decisão trata de uma instituição mantida pelo Poder Público, portanto, educação escolar pública. A Constituição Federal no artigo 208, inciso III, descreve que esta é uma obrigação do Estado, ou seja, é o Estado aquele que é responsável por manter escolas públicas com atendimento ao portador de necessidades especial, preferencialmente em classes regulares.

Note-se que a ementa do Tribunal descreve que o Instituto mantinha professor para auxiliar o portador de necessidade. Tal assertiva nos permite por analogia, afirmar que as instituições particulares que de algum modo trabalham com um tipo de deficiência, e que forneçam mediador para auxiliar ao professor, não poderão no momento seguinte, alegar que não tiveram mais condições de atender aquela demanda, trazendo para si, a responsabilidade de fornecer a mão-de-obra necessária para atender o serviço.

É importante destacar que a escola particular antes de assumir qualquer obrigação com a educação inclusiva, realize uma avaliação para conhecer se tem a real condição de atendimento ao portador de necessidade, caso não, o melhor seria negar a matrícula afirmando estar preservando os direitos humanos do portador de necessidade.




APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5009245-06.2012.404.7202/SC

RELATOR      :   LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

APELANTE    :   INSTITUTO FEDERAL DE SANTA CATARINA

APELANTE    :   KELVIM FERREIRA PINTO

ADVOGADO  :   ADIR ISAIAS FIGUEIRO

APELADO      :   OS MESMOS

MPF                 :   MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EMENTA

ADMINISTRATIVO. CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DEFICIENTES AUDITIVOS. DIREITO À EDUCAÇÃO. CONTRATAÇÃO DE INTÉRPRETE DE LIBRAS. DEVER DE ADAPTAÇÃO DIRECIONADO ÀS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR. – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. DANO MORAL – CABÍVEL. QUANTIFICAÇÃO.

  1. A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação e do nexo de causalidade entre ambos (art. 37, §6º da CF/88).
  2. A contratação de intérpretes de LIBRAS é dever de adaptação previsto em Lei, direcionado às Instituições de Ensino, que não acarreta ônus desproporcional ou indevido, sendo nitidamente necessário para assegurar o exercício do direito à educação pelos deficientes auditivos, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas
  3. Cabível a indenização por danos morais quando comprovada a responsabilidade da instituição de ensino por não ter oportunizado ao aluno deficiente auditivo um plano capaz de recuperar as aulas em que não esteve assistido pelo professor intérprete – no caso, fundamental para a apreensão do aprendizado -, o que resultou na perda do semestre letivo.
  4. Na quantificação do dano moral devem ser sopesadas as circunstâncias e peculiaridades do caso, as condições econômicas das partes, a menor ou maior compreensão do ilícito, a repercussão do fato e a eventual participação do ofendido para configuração do evento danoso. A indenização deve ser arbitrada em valor que se revele suficiente a desestimular a prática reiterada da prestação de serviço defeituosa e ainda evitar o enriquecimento sem causa da parte que sofre o dano.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da ré e ao recurso adesivo da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 14 de abril de 2015.

Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle

Relator

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5009245-06.2012.404.7202/SC

RELATOR      :   LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

APELANTE    :   INSTITUTO FEDERAL DE SANTA CATARINA

APELANTE    :   KELVIM FERREIRA PINTO

ADVOGADO  :   ADIR ISAIAS FIGUEIRO

APELADO      :   OS MESMOS

MPF                 :   MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RELATÓRIO

Trata-se de recursos interpostos contra sentença que, nos autos de ação ordinária de indenização por danos morais decorrentes da não disponibilização de professor intérprete ao aluno deficiente auditivo, julgou o feito nos seguintes termos:

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, extinguindo o feito com resolução do mérito (CPC, art. 269, inciso I), para o efeito de:

(a) Condenar o réu a pagar à parte autora, a título de compensação por danos morais, a importância de R$ 6.000,00 (seis mil reais), a ser acrescida da variação da taxa SELIC (CC, art. 406) desde a data do evento danoso (fevereiro de 2012), abrangendo de forma exclusiva as funções de corrigir monetariamente a indenização e de compensar a mora no atraso do pagamento;

(b) Condenar o réu a pagar as custas processuais e os honorários advocatícios, que fixo em 20% do valor da condenação, diante da Súmula n. 326 do STJ (‘Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca.’)

IV – DISPOSIÇÕES FINAIS

Deixo de submeter esta sentença a reexame necessário (CPC, art. 475, § 2.º).

A ré apela, alegando que tomou todas as medidas necessárias para a contratação de novo(a) professor(a) intérprete em libras, não havendo qualquer ação ou omissão que lhe possa ser imputada, uma vez que deve seguir a Lei nº 8.745/1993. Neste contexto, defende a existência de excludente de responsabilidade, bem como ausência de dano moral,

A parte autora recorre adesivamente, requerendo a majoração da verba indenizatória.

Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

A parte autora relatou que estava matriculado no Módulo II do Curso Técnico de Nível Médio Integrado em Informática, no turno vespertino, no primeiro semestre de 2012. Afirmou que é portador de deficiência, surdez severa, e que teve negado o seu direito a professor intérprete em libras durante o primeiro semestre letivo de 2012, tendo sido reprovado sumariamente. Disse que em razão da surdez severa que lhe acomete não consegue entender e expressar-se utilizando a linguagem falada. Mencionou que se matriculou no instituto em razão da qualidade do ensino e da disponibilização de profissional intérprete em libras para o acompanhamento do ensino-aprendizagem dos alunos que necessitam desse amparo. Relatou que foi submetido à situação humilhante e vexatória, pois teve que participar das aulas sem a presença de professor intérprete e foi reprovado ao final do semestre. Defendeu que utilizou de todos os meios necessários para reverter a injusta reprovação, sem obter êxito. Asseverou que, em razão da não disponibilização de professor intérprete, houve a sua reprovação por insuficiência de nota, e a submissão a uma situação humilhante e vexatória, o que lhe gerou abalo moral, razão pela qual requereu a condenação do réu.

Da responsabilidade

Dispõe o art. 927, parágrafo único, do Código Civil, in verbis:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Por outro lado, a responsabilidade civil pressupõe a prática de ato ou omissão voluntária – de caráter imputável -, a existência de dano e a presença de nexo causal entre o ato e o resultado (prejuízo) alegado.

O direito à indenização por dano material, moral ou à imagem encontra-se no rol dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, assegurado no art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, in verbis:

‘Art. 5º. (…)

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (…)’.

No Código Civil/2002, está definida a prática de atos ilícitos e o dever de indenizar:

‘Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.’

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.’

Por outro lado, a responsabilidade civil do Estado por atos de seus agentes está consagrada no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, que determina:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)

  • 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.’

 Logo, se comprovado o nexo de causalidade entre a conduta de um e o dano causado a outro, cabível o dever de indenizar.

 Veja-se que meros transtornos na rotina não são o bastante para dar ensejo à ocorrência de dano moral, o qual demanda, para sua configuração, a existência de fato dotado de gravidade capaz de gerar abalo profundo, no plano social, objetivo, externo, de modo a que se configurem situações de constrangimento, humilhação ou degradação e não apenas dissabor decorrente de intercorrências do cotidiano.

 Do caso concreto

 A Lei n. 10.098/2000 estabeleceu normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Buscando regulamentar essa Lei, com relação aos portadores de deficiência auditiva, foi editado o Decreto nº 5.626/2005, o qual determina, em seu art. 23, que ‘as instituições federais de ensino, de educação básica e superior, devem proporcionar aos alunos surdos os serviços de tradutor e intérprete de Libras – Língua Portuguesa em sala de aula e em outros espaços educacionais, bem como equipamentos e tecnologias que viabilizem o acesso à comunicação, à informação e à educação’.

 Logo, é dever do Estado o fornecimento de intérprete em libras aos estudantes portadores de deficiência auditiva. Nesse sentido, cito precedente do TRF da 4ª Região:

 AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFICIENTES AUDITIVOS. DIREITO À EDUCAÇÃO. CONTRATAÇÃO DE INTÉRPRETE DE LIBRAS. DEVER DE ADPTAÇÃO DIRECIONADO ÀS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR. A contratação de intérpretes de LIBRAS é dever de adaptação previsto em Lei, direcionado às Instituições de Ensino Superior, que não acarreta ônus desproporcional ou indevido, sendo nitidamente necessário para assegurar o exercício do direito à educação pelos deficientes auditivos, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

(TRF4, AC 0017955-62.2005.404.7100, Terceira Turma, Relatora Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 10/02/2011)

 A fim de bem esclarecer a questão tratada nestes autos, cabe transcrever a sentença recorrida:

 c) Análise do Caso Concreto

 Expostas as considerações a respeito da responsabilidade do Estado e do direito à educação do portador de necessidades especial, em especial dos surdos-mudos, cabe analisar se houve ou não, no caso dos autos, responsabilidade do réu em relação à reprovação do autor no 2º Módulo do Curso Técnico de Nível Médio Integrado em Informática.

 O autora é aluno do Instituto Federal de Santa Catarina – Campus Chapecó, matriculada no Curso Técnico de Nível Médio Integrado em Informática (evento 01 – COMP5). Apresenta deficiência auditiva, ‘perda auditiva neurosensorial profunda em ambos ouvidos’ (evento 01 – COMP7), necessitando da ajuda de um professor intérprete para acompanhar as aulas. A reprovação ocorreu no primeiro semestre de 2012, 2º módulo do curso, por não ter sido considerada apto (evento 01 – COMP6). Afirmou que a sua reprovação se deu em virtude da não contratação pelo réu de intérprete em libras para acompanhá-lo nas aulas. Asseverou que a não contratação de intérprete lhe gerou danos morais.

 Em razão de sua reprovação, o autor, em 18/12/2012, protocolou junto ao réu requerimento de matrícula, e reconsideração da sua reprovação, em razão da não disponibilização de professor intérprete (evento 01 – COMP13/15). O pedido do autor foi indeferido, sendo mantida a sua reprovação (evento 01 – COMP16/19). Na decisão que indeferiu o pedido de reconsideração da reprovação, constou que será apresentado ao autor ‘(…) um plano de reposição das unidades curriculares com conceito insuficiente, sendo o mesmo liberado das unidades curriculares onde houve conceito Apto, ou seja, Aprovado, o mesmo irá fazer as reposições de conteúdos’ (evento 01 – COMP16/19).

 Do ‘Histórico da Intérprete campus Chapecó’, consta que o autor ficou sem professora intérprete nos seguintes períodos do ano de 2012 (evento 06 – ANEXO3, fl. 01):

 – de 12/03/2012 a 01/05/2012;

– a partir de 10/09/2012.

 No primeiro módulo do curso, o autor teve intérprete e foi aprovado, estando apto a cursar o segundo módulo (evento 21 – OUT2).

 No segundo módulo, o autor foi acompanhado por intérprete de 02/05/2012 (evento 06 – DOC4) até junho de 2012 e de 11/09/2012 a 21/09/2012. A 2ª fase do curso deveria ter sido cursada no período de fevereiro de 2012 a junho de 2012, mas em razão da greve dos professores no período de 25/06/2012 a 10/09/2012 o semestre foi concluído nos períodos de fevereiro de 2012 a 24/06/2012 e de 11/09/2012 a 21/09/2012 (evento 9). Apesar de o réu mencionar que a falta de intérprete teria ocorrido a partir de 12/03/2012, há documentos que informam que antes disso a professora Luciana já se encontrava de licença para tratamento de saúde (evento 06 – ANEXO12).

 Para análise das alegações do autor, foi realizada audiência de instrução. A testemunha Luciane Martins Cristiano disse que, em síntese:

 ‘a depoente foi interprete do autor. Na época em que a depoente trabalhou com o autor ele foi aprovado em todas as disciplinas. A depoente trabalhou com o autor no primeiro semestre do curso do autor. A depoente acompanhava todas as aulas do autor. A depoente trabalhou de julho/2011 a março/2012. A depoente deixou de trabalhar no IFSC em virtude de uma gestação de alto risco. Sem intérprete é bem difícil o autor aprender algo e acompanhar as aulas. O autor perde todo o aprendizado oral, sem o intérprete. O surdo e mudo também tem dificuldade na parte escrita, essa parte do ensino também era traduzida para o autor. A depoente foi contratada mediante concurso. Quatro pessoas passaram no concurso que a depoente fez. A depoente não sabe como foi feita a contratação da pessoa que a substituiu. A contratação dos intérpretes é por concurso. Há demanda no mercado de trabalho de intérpretes. O autor era o único aluno surdo e mudo no Instituto Federal. A depoente não sabe se tem outros alunos com necessidades especiais estudando no Instituto Federal’.

 A testemunha Lucas Dias relatou, em síntese, que:

 ‘enquanto o autor teve intérprete, ele entendia os conteúdos, interagia com os colegas. No segundo semestre do curso, a IFSC não forneceu intérprete, o autor passou a não entender o que os professores ensinavam, não compreendia os conteúdos. A segunda intérprete era muito ‘fraca’, sabia menos que os alunos, ela escrevia para o autor aprender, não sabia a linguagem de libras. No segundo semestre do curso o autor ficou bastante tempo sem intérprete. O autor ficou abalado e triste com a falta de intérprete. O autor às vezes nem ficava na aula, pois não entendia nada. O depoente as vezes conversava com o autor pelo facebook. O autor escreve de forma diferente no facebook, era difícil entender o que o autor escrevia. Ele dizia que estava triste. No semestre que houve a reprovação, o depoente via que o autor ficava cabisbaixo, triste. Os professores e o coordenador do curso diziam que a situação do autor ia se resolver, que iam recuperar a matéria já dada. A mãe do autor foi conversar com os professores e coordenadores. O depoente estudou com o autor no primeiro e segundo semestre do curso. No primeiro período o autor era motivado, no segundo ele estava triste. No primeiro período ele entendia tudo, no segundo não entendia nada e andava triste. O autor continua estudando. Hoje ele tem intérprete, professora Kátia. Os professores são contratados por edital. Mencionou que o instituto falhou no caso do autor, pois demorou em contratar novo intérprete. No ensino médio somente o autor precisa de intérprete. O autor as vezes dizia que saia da aula em razão de ter outro compromisso, mas o depoente via que ele estava mentindo, que saia da aula por estar triste’.

 O informante Felipe Sarturi mencionou o seguinte:

 ‘acompanhou o período em que o autor teve e não teve tradutor. Enquanto o autor teve tradutor, ele acompanhava as aulas, o desempenho dele era bom. Sem tradutor o autor ficou desorientado, não entendia nada. A direção prometia intérprete, mas não cumpria. Os colegas tentavam ajudar, mas não conseguiam, pois não entendem libras. O autor não entende direito texto escrito. As aulas envolvem parte expositiva, a maioria das aulas é oral. O autor ficava chateado e indignado depois das aulas, pois não conseguia entender nada do que os professores explicavam. O autor ficava confuso, ficava ‘perdido’. O depoente e os demais colegas tentavam ajudar o autor, mas encontravam dificuldade, em razão de não saberem libras. No semestre que o autor foi reprovado, os professores diziam que iam ajudar o autor, mas isso acabou não ocorrendo. No final do semestre um novo tradutor foi contratado. O autor ficou sem intérprete quase todo o semestre. Somente no final do semestre foi contratado intérprete. A primeira intérprete saiu em razão do final do contrato, a nova intérprete somente foi contratada no final do segundo semestre. Não sabe dizer que o autor pediu para alguma das intérpretes sair. Não sabe como ocorre a contratação de intérpretes. O depoente hoje consegue se comunicar com o autor, mas na época da reprovação o depoente não conhecia libras. O depoente percebia que o autor estava chateado, pelo seu comportamento’.

 Como já enfatizado anteriormente, é dever das instituições federais de ensino a contratação de intérprete em libras para auxiliar os estudantes portadores de deficiência auditiva. O réu, apesar de inicialmente ter contratado profissional para auxiliar o autor, demorou bastante tempo para efetivar nova contratação após a licença de saúde da professora contratada. A ausência por mais de quatro meses (de janeiro a maio) de intérprete por certo dificultaria a aprendizagem do autor, que somente se comunicava através da linguagem de libras, não entendendo a linguagem oral e tendo dificuldades com a linguagem escrita.

 No caso dos autos, verifica-se que desde janeiro de 2012 a professora Luciana noticiou problemas de saúde, tanto que foi afastada do trabalho, situação que perdurou por mais de quatro meses, sendo que somente no início do mês de maio o réu efetivamente contratou nova professora (evento 06 – CONTR14).

 Verifica-se que o serviço prestado pelo réu foi falho. Não interessa, exatamente, definir o IFSC teve culpa ou não pelo ocorrido, pois ele responde independentemente de culpa pela falha na prestação dos serviços que lhe cabe destinar aos estudantes (art. 37, § 6.º). Ante a responsabilidade objetiva, a questão deve ser analisada sob o ângulo do autor, que tinha direito a um serviço que não lhe foi entregue, e não do ponto de vista do IFSC. Não importa, por exemplo, definir se o prazo de duração da licitação, do concurso de provimento ou do certame de contratação temporária de um novo tradutor era razoável. Se era, não houve culpa strictu sensu; mas, mesmo assim, responde o IFSC pelos danos decorrentes da falha na prestação do serviço. Eventual dificuldade operacional constitui fortuito interno, pelo qual responde o órgão público.

 Entendo serem aplicáveis ao caso, seja direta ou analogicamente, os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor. A disponibilização de professor tradutor pode ser considerada serviço público em sentido amplo, o que permite a incidência do regramento contido no CDC, que é expresso quanto a reger, também, a adequada prestação dos serviços públicos, mesmo que prestados pelo Estado:

 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: […]

VII – racionalização e melhoria dos serviços públicos;

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: […]

X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. […]

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

 Há três correntes quanto à incidência do CDC na regência jurídica de serviços públicos, como ensina a doutrina consumerista:

 […] o tema não é pacífico na doutrina e na jurisprudência. […] existem, a respeito, três posições: 1) interpretação extensiva (todos os serviços públicos estão sujeitos ao CDC); 2) a prestação do serviço deve ser remunerada (art. 3º, § 2º), seja por taxa ou tarifa; 3) somente os serviços remunerados por tarifa ou preço público estariam sujeitos ao CDC, pois não há uma remuneração específica.

O STJ, em sua grande maioria, seguindo o entendimento da Min. Eliana Calmon, vem adotando a 3ª posição […].

(GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor. 6ª edição. Niterói : Impetus, 2010, p. 168).

 Mesmo que se adote a terceira posição, o regramento do CDC incide por analogia, porque contém um conjunto de causas excludentes de responsabilidade civil objetiva, sendo esta a incidente no caso concreto, de serviços falhos ou ausentes em determinados períodos. Saliente-se que o regramento do art. 37, § 6.º, da CF/88 é lacunoso quanto a vários aspectos que o CDC aborda, em especial quanto às excludentes de responsabilidade. O regramento contido no CDC prevê causas excludentes de responsabilidade nos termos do art. 14:

 Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

  • 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – o modo de seu fornecimento;

II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi fornecido.

  • 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
  • 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

 Ao não contratar nova intérprete em libras em tempo hábil a viabilizar o acompanhamento das aulas pelo autor – a demora na contratação foi de mais de quatro meses -, o IFSC prestou serviços falhos, prejudicando substancialmente o aprendizado do autor, tanto que ele, por não compreender o conteúdo ministrado, foi reprovado. E não se pode falar em culpa exclusiva do aluno ou em inexistência de defeito no serviço. Culpa exclusiva do aluno haveria se ele, por questões estritamente pessoais (relacionamento), não houvesse se adaptado à professora disponibilizada pelo IFSC. Ao contrário, depreende-se dos autos que o que houve foi que a professora disponibilizada em substituição à que saíra em licença tinha competência abaixo da exigível, fato constatado pelos colegas do autor (v. audiência).

 Restou comprovado que a reprovação do autor no 2º módulo do curso que freqüentava ocorreu devido à ausência de intérprete em libras. Os colegas do autor foram enfáticos ao afirmar que sem intérprete o autor não entendia o conteúdo ministrado, o que lhe gerava angústia e tristeza. Como houvera aprovação no semestre anterior, tudo indica que aprovação haveria novamente não fosse a falha. Logo, o nexo causal entre a omissão do réu na contratação de intérprete em libras e a reprovação do autor restou devidamente comprovado nos autos pela prova oral e pela comparação entre o desempenho no 1º e no 2º módulos do curso em que estava matriculado. No 1º módulo, o autor – assistido – conseguiu um bom aprendizado e compreensão dos assuntos discutidos, tendo sido aprovado (evento 21 – OUT2). Já no 2º módulo, pela falta de profissional qualificado para ajudá-lo no aprendizado, houve a reprovação. A prova oral, como já mencionado, também demonstrou que a não contratação de intérprete em libras gerou dificuldades de aprendizado ao autor.

 O réu alegou que elaborou um plano de reposição das unidades curriculares em que o autor não atingiu conceito suficiente. Apesar dessa alegação, não há nada nos autos que comprove esse fato. Pelo contrário, restou demonstrado que o autor está cursando novamente o 2º Módulo do Curso Técnico de Nível Médio Integrado em Informática (evento 01 – COMP5).

 No que tange às alegações do réu de que a contratação de um intérprete em LIBRAS fica condicionada à criação dos respectivos cargos, bem como ao seu regular provimento, qual seja, por concurso público (além de previsão orçamentária), melhor sorte não lhe assiste, na medida em que a própria Constituição da República autoriza a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária, nos termos do art. 37, inciso IX (‘Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público’).

 Estão provados: (i) o fato narrado na inicial, qual seja, a reprovação do autor no 2º módulo do Curso Técnico de Nível Médio Integrado em Informática, no 1º semestre de 2012; (ii) a existência de danos advindos da reprovação, como o dano psíquico, consistente em não compreender os conteúdos que lhe foram ministrados no período em que não houve disponibilização de intérprete em libras; (iii) o nexo causal entre a reprovação do autor e a não contratação de intérprete em libras; (iv) a falha nos serviços prestados pelo réu, que podia e devia ter disponibilizado profissional competente nos períodos em que o autor não foi assistido quando tinha direito de ser.

 Estando comprovados o fato, o dano, o nexo causal e a culpa, impõe-se a responsabilização do réu.

 Passo à análise da extensão dos danos.

 d) Danos Morais

 Quanto ao dano, percebe-se que está demonstrado o abalo moral sofrido pelo autor diante da demora na contratação de intérprete em libras no primeiro semestre de 2012, conforme a prova oral produzida.

 A testemunha Luciane Martins Cristiano disse que ‘a depoente foi interprete do autor. Na época em que a depoente trabalhou com o autor ele foi aprovado em todas as disciplinas. A depoente trabalhou com o autor no primeiro semestre do curso do autor. A depoente acompanhava todas as aulas do autor. A depoente trabalhou de julho/2011 a março/2012. A depoente deixou de trabalhar no IFSC em virtude de uma gestação de alto risco. Sem intérprete é bem difícil o autor aprender algo e acompanhar as aulas. O autor perde todo o aprendizado oral, sem o intérprete. O surdo e mudo também tem dificuldade na parte escrita, essa parte do ensino também era traduzida para o autor. A depoente foi contratada mediante concurso. Quatro pessoas passaram no concurso que a depoente fez. A depoente não sabe como foi feita a contratação da pessoa que a substituiu. A contratação dos intérpretes é por concurso. Há demanda no mercado de trabalho de intérpretes. O autor era o único aluno surdo e mudo no Instituto Federal. A depoente não sabe se tem outros alunos com necessidades especiais estudando no Instituto Federal’.

 A testemunha Lucas Dias relatou que ‘enquanto o autor teve intérprete, ele entendia os conteúdos, interagia com os colegasNo segundo semestre do curso, a IFSC não forneceu intérprete, o autor passou a não entender o que os professores ensinavam, não compreendia os conteúdos. A segunda intérprete era muito ‘fraca’, sabia menos que os alunos, ela escrevia para o autor aprender, não sabia a linguagem de libras. No segundo semestre do curso o autor ficou bastante tempo sem intérprete. O autor ficou abalado e triste com a falta de intérprete. O autor as vezes nem ficava na aula, pois não entendia nada. O depoente as vezes conversava com o autor pelo facebook. O autor escreve de forma diferente no facebook, era difícil entender o que o autor escrevia. Ele dizia que estava tristeNo semestre que houve a reprovação, o depoente via que o autor ficava cabisbaixo, triste. Os professores e o coordenador do curso diziam que a situação do autor ia se resolver, que iam recuperar a matéria já dada. A mãe do autor foi conversar com os professores e coordenadores. O depoente estudou com o autor no primeiro e segundo semestre do curso. No primeiro período o autor era motivado, no segundo ele estava triste. No primeiro período ele entendia tudo, no segundo não entendia nada e andava triste. O autor continua estudando. Hoje ele tem intérprete, professora Kátia. Os professores são contratados por edital. Mencionou que o instituto falhou no caso do autor, pois demorou em contratar novo intérprete. No ensino médio somente o autor precisa de intérprete. O autor as vezes dizia que saia da aula em razão de ter outro compromisso, mas o depoente via que ele estava mentindo, que saia da aula por estar triste’.

 O informante Felipe Sarturi mencionou que ‘acompanhou o período em que o autor teve e não teve tradutor. Enquanto o autor teve tradutor, ele acompanhava as aulas, o desempenho dele era bomSem tradutor o autor ficou desorientado, não entendia nada. A direção prometia intérprete, mas não cumpria. Os colegas tentavam ajudar, mas não conseguiam, pois não entendem libras. O autor não entende direito texto escrito. As aulas envolvem partes expositivas, a maioria das aulas é oral. O autor ficava chateado e indignado depois das aulas, pois não conseguia entender nada o que os professores explicavam. O autor ficava confuso, ficava ‘perdido’. O depoente e os demais colegas tentavam ajudar o autor, mas encontravam dificuldade, em razão de não saberem libras. No semestre que o autor foi reprovado, os professores diziam que iam ajudar o autor, mas isso acabou não ocorrendo. No final do semestre um novo tradutor foi contratado. O autor ficou sem intérprete quase todo o semestre. Somente no final do semestre foi contratado intérprete. A primeira intérprete saiu em razão do final do contrato, a nova intérprete somente foi contratada no final do segundo semestre. Não sabe dizer se o autor pediu para alguma das intérpretes sair. Não sabe como ocorre a contratação de intérpretes. O depoente hoje consegue se comunicar com o autor, mas na época da reprovação o depoente não conhecia libras. O depoente percebia que o autor estava chateado, pelo seu comportamento‘.

 Ficou claro nos autos que o autor sofreu abalo moral em razão do não acompanhamento de intérprete em libras em grande parte do primeiro semestre de 2012. A ausência do profissional impediu que o autor compreendesse os conteúdos que eram ministrados nas aulas e se relacionasse com professores e colegas, o que que gerou um grande constrangimento. A conduta do réu também impediu que o autor se formasse com os colegas com os quais iniciou o curso e atrasou seus estudos em seis meses, o que também caracteriza um sofrimento.

 Portanto, não se tratando de mero dissabor cotidiano, é devida a indenização por danos morais. Em situações semelhantes, a jurisprudência assim se manifestou:

 RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INOCORRÊNCIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. COMPRA DE VEÍCULO ‘ZERO’ DEFEITUOSO. DANOS MORAIS. INEXISTÊNCIA. MERO DISSABOR.

  1. Não há falar em maltrato ao disposto no artigo 535 da lei de ritos quando a matéria enfocada é devidamente abordada no âmbito do acórdão recorrido.
  2. Os danos morais surgem em decorrência de uma conduta ilícita ou injusta, que venha a causar forte sentimento negativo em qualquer pessoa de senso comum, como vexame, constrangimento, humilhação, dor.(…)

Recurso especial parcialmente provido.

(REsp nº 628854, Rel. Min. Castro Filho, 3ª T., unân., julg. em 3.5.2007, publ. em 18.6.2007).

 e) Arbitramento do Valor da Indenização (Compensação)

 O autor pleiteia a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de 61 salários mínimos.

 A definição do quantum indenizatório nas ações de reparação por dano moral deve ser estipulada de modo a (i) desestimular a ocorrência de repetição de prática lesiva, a (ii) levar à coletividade exemplo expressivo da reação da ordem pública para com os infratores e a (iii) compensar a situação vexatória a que indevidamente foi submetido o lesado, sem reduzi-la a um mínimo inexpressivo, nem elevá-la a uma cifra enriquecedora.

 Em casos semelhantes, o Superior Tribunal de Justiça tem manifestado o entendimento consubstanciado em trecho do voto proferido pelo eminente Ministro Castro Filho no REsp n. 291.625-SP, in verbis:

 Em que pese o grau de subjetivismo que envolve o tema da fixação da reparação, vez que não existem critérios determinados e fixos para a quantificação do dano moral, reiteradamente tem-se pronunciado esta Corte no sentido de que a reparação do dano não pode vir a constituir-se em enriquecimento indevido. Por outro lado, há de ser fixada em montante que desestimule o ofensor a repetir o cometimento do ilícito.

 O Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, no que diz respeito à quantificação do dano moral, assim decidiu:

 Para a quantificação do dano moral, o Juiz deve utilizar seu prudente arbítrio, fixando valor não tão vultoso que se traduza em enriquecimento ilícito, nem tão pequeno que se torne irrisória a condenação, relevando, também, o salário percebido pela vítima na época do ilícito, o valor do crédito concedido pelo banco, o período de permanência sob o constrangimento, as condições de vida daquela e as condições financeiras do agente causador do dano.

(TRF 4ª Região, 4ª Turma, Apelação Cível nº 0401075247-6, Rel. Des. Federal Valdemar Capeletti, DJ 24/11/1999, p. 132).

 Neste contexto, mostra-se exorbitante o valor postulado (61 x R$ 678,00 = R$ 41.358,00).

 Não há dolo do IFSC, que se mostrou atuante no sentido de tentar evitar a situação e minorar suas conseqüências, embora tenha sido limitado pelos procedimentos previstos na legislação quanto às contratações de funcionários. Foi disponibilizada professora substituta que, infelizmente, não deu resposta adequada, mas tal fato era aparentemente imprevisível para o IFSC. Em síntese, o dano foi causado de forma culposa, e não dolosa. Tal situação, por si só, impõe a fixação de quantum inferior ao postulado.

 Consideradas a situação socioeconômico do requerente, a ausência de dolo do ofensor e as demais particularidades do caso, bem como os princípios da moderação e da razoabilidade, impõe-se a condenação da requerida ao pagamento de danos morais ora arbitrados em R$ 6.000,00. Trata-se de valor suficiente para compensar o constrangimento que foi impingido ao autor e para coibir a reiteração futura pelo réu.

 Quanto ao termo inicial da incidência dos juros de mora, entende-se que ‘Nas ações envolvendo responsabilidade civil extracontratual, os juros moratórios fluem a partir do evento danoso’ (Súmula n.º 54/STJ). No mesmo sentido, o art. 398 do Código Civil menciona que ‘nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou’.

 No caso dos autos, o evento danoso (falta de contratação de professora) ocorreu em 02/2012 (início das aulas no primeiro semestre de 2012), sendo devidos, a partir de então, os juros moratórios.

 A Súmula n. 362 do STJ dispõe que ‘A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.’ Para facilitar o cálculo, esclareço que o arbitramento foi efetuado levando em conta o valor real e nominal da moeda em 02/2012, e não na data desta sentença. Portanto, desde 02/2012, deverá ser aplicada exclusivamente a variação da taxa SELIC, que engloba em índice único a correção monetária e os juros moratórios.

 No caso em exame, verifica-se que o autor ficou sem professora intérprete de 12/03/2012 a 01/05/2012 e a partir de 10/09/2012. Ou seja, no segundo módulo, o autor foi acompanhado por intérprete de 02/05/2012 até junho de 2012 e de 11/09/2012 a 21/09/2012. A 2ª fase do curso deveria ter sido cursada no período de fevereiro de 2012 a junho de 2012, mas em razão da greve dos professores no período de 25/06/2012 a 10/09/2012 o semestre foi concluído nos períodos de fevereiro de 2012 a 24/06/2012 e de 11/09/2012 a 21/09/2012.

 A Administração argumenta que tomou todas as providências cabíveis para a substituição da professora, até então contratada, a qual entrou em licença por motivo de saúde de 12/03/2012 a 13/06/2012, seguida de licença gestante de 13/06/2012 a 09/12/12.

 Dos documentos acostados no evento 6, observa-se que a ré efetivou a primeira substituição em 02/05/2012, entretanto, como a profissional não se desempenhou a contento, esta foi dispensada no mês de julho/2012. Considerando que a instituição de ensino esteve de greve entre 25/06 a 10/09/2012, e que o edital para substituição desta última foi expedido em 24/09/2012 e homologado em 17/010/2012, não se pode afirmar que houve desídia do órgão federal na contratação da professora substituta, efetivada em 12/11/2012.

 Com efeito, o processo seletivo, ainda que simplificado, previsto na Lei 8.745/1993, não pode ser realizado de um dia para o outro. Neste ponto, tenho que não há como se atribuir ao órgão público a responsabilidade pelo dano havido, em face da excludente de responsabilidade, já que, apenas 14 dias após o término da greve foi publicado o edital.

 Contudo, entendo ter havido omissão da ré no tocante a ausência de um plano de reposição das unidades curriculares em que o aluno teve conceito insuficiente (no caso, em todas do semestre), a fim de que este pudesse recuperar as aulas em que não teve acompanhamento de professor intérprete, fundamental para que ele pudesse apreender os conteúdos dados em aula. Embora a demandada tenha noticiado tal plano, não há comprovação nos autos de que tenha sido proposto, e em que bases isto teria ocorrido.

 Certo é que o aluno efetivamente perdeu o semestre por ausência de um professor que era indispensável em todas as disciplinas por ele cursadas. Neste ponto falhou a instituição, a qual deveria ter oportunizado ao aluno uma forma de recuperar os conhecimentos dados em aula, bem como nova possibilidade de avaliação, de modo que pudesse emparelhar-se aos colegas no semestre subseqüente.

A obrigação de reparar o dano pela administração pública independe de culpa, não podendo o erro do órgão público resultar em prejuízo ao autor.

  Com isto, caracterizado o sofrimento e angústia do autor, não só pela perda do semestre, mas também pela constrangedora e angustiante situação de, estando presente em aula, não ter condições de assiti-la. Tal situação transpõe meros aborrecimentos e dissabores do cotidiano. Resta evidenciado o nexo causal entre a conduta do agente público e a situação lesiva, e configurado o direito à indenização por danos morais.

 Da quantificação do dano moral

 Sobre o ‘quantum’ indenizatório, a jurisprudência do STJ já firmou o entendimento de que ‘a indenização por dano moral deve se revestir de caráter indenizatório e sancionatório de modo a compensar o constrangimento suportado pelo correntista, sem que caracterize enriquecimento ilícito e adstrito ao princípio da razoabilidade.’ (Resp 666.698/RN)

 Nesta linha tem se manifestado este Tribunal:

 ADMINSTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VALOR. PARÂMETROS.

  1. A manutenção da restrição cadastral, quando já comprovada a inexistência do débito, dá ensejo à indenização por dano moral.
  2. Para fixação do quantum devido a título de reparação de dano moral, faz-se uso de critérios estabelecidos pela doutrina e jurisprudência, considerando: a) o bem jurídico atingido; b) a situação patrimonial do lesado e a da ofensora, assim como a repercussão da lesão sofrida; c) o elemento intencional do autor do dano, e d) o aspecto pedagógico-punitivo que a reparação em ações dessa natureza exigem. (TRF4, AC 5000038-54.2010.404.7104, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Jorge Antonio Maurique, D.E. 20/06/2012)

Assim, o valor compensatório deve obedecer aos padrões acima referidos, devendo ser revisto quando se mostrar irrisório ou excessivo.

Adequando tal entendimento aos contornos do caso concreto, sem olvidar que a ré teve sua atuação limitada pelos entraves decorrentes do processo seletivo do professor substituto, bem como considerando os parâmetros adotados pelo Superior Tribunal de Justiça e por esta Turma em casos semelhantes, cabe manter a quantia fixada em R$ 6.000,00, atualizados a contar da sentença (Súmula 362 do STJ), com juros de mora a contar do evento danoso (Súmula 54 do STJ).

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da ré e ao recurso adesivo da parte autora.

Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle

Relator

 

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