05 set 16 10:41

EXPULSÃO DE CRIANÇA 3 ANOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL – EXCESSO DE AUTORIDADE

Circunscrição :7 – TAGUATINGA
Processo :2015.07.1.003794-3
Vara : 1401 – PRIMEIRO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE TAGUATINGA

SENTENÇA

Trata-se de ação de conhecimento, submetida ao procedimento da Lei 9.099/95, proposta por CARINA ESPINDOLA DA LUZ e RODRIGO BARBOSA MEDEIRO em desfavor de CENTRO EDUCACIONAL BRASIL CENTRAL, partes qualificadas nos autos.

A pretensão da autora está fundamentada na alegada conduta ilícita da instituição de ensino requerida de ter expulsado seu filho, de apenas três anos de idade, após o decurso de somente três dias de aula. Requer, desse modo, seja a ré condenada a lhe pagar a multa rescisória prevista na cláusula 9ª, § 4º, do contrato celebrado entre as partes, bem como indenização por danos morais, no valor de R$ 12.000,00.

Em contestação, a requerida alega que o filho dos autores apresentou comportamento indisciplinado, razão pela qual sugeriu que os pais procurassem outra instituição de ensino. Esclarece que formalizou a rescisão e devolveu aos autores a quantia de R$ 484,00, retendo apenas R$ 66,00, referente às aulas que foram efetivamente ministradas ao aluno. Sustenta a inaplicabilidade da multa contratual pleiteada pelos autores, em razão do acordo celebrado pelas partes no ato da rescisão. Refuta o pedido de danos morais e pugna, por fim, pela improcedência dos pedidos.

Às fls. 64/67 foi proferida sentença, na qual este Juízo decretou a revelia da ré e julgou parcialmente procedentes os pedidos.

A sentença foi cassada pela 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do DF, que afastou a revelia e determinou novo julgamento (fls. 125/128).

Após o retorno dos autos, foi realizada audiência de instrução e julgamento, ocasião em que foram colhidos os depoimentos das testemunhas da requerida.

Na mesma ocasião, a parte autora juntou a petição de fl. 165, reiterando o aditamento de fl. 159, requerendo a inclusão do Sr. Rodrigo Barbosa Medeiros, pai do aluno, no polo ativo da demanda. Dada vista à parte requerida, não houve manifestação.

Por fim, os autos vieram conclusos para julgamento.

É o relato do necessário (art. 38 da Lei 9.099/95).

DECIDO.

Quanto ao pedido de inclusão do Sr. Rodrigo Barbosa Medeiros no polo ativo, observo que a requerida não apresentou objeção, conforme se depreende da ata de fl. 162.

Desse modo, o acolhimento do aditamento é medida que se impõe, nos termos do enunciado nº 157 do FONAJE.

Anote-se a inclusão de Rodrigo Barbosa Medeiros no polo ativo. Comunique-se.

Superada essa questão processual, passo ao exame do mérito.

A presente demanda deve ser julgada à luz das regras dispostas no Código de Defesa do Consumidor, porquanto a parte requerida é fornecedora de produtos e serviços, cujos destinatários finais são os autores (artigos 2º e 3º do CDC).

É incontroverso nos autos, diante do reconhecimento na contestação (fl. 32, primeiro parágrafo), que o filho dos autores foi expulso da instituição de ensino requerida.

É necessário, para a resolução da lide, aferir a legalidade de tal conduta.

Embora as testemunhas da ré indiquem que o filho dos autores praticou atos de indisciplina, esse fato, por si só, não é suficiente para demonstrar a regularidade e a proporcionalidade da aplicação da pena de desligamento.

A jurisprudência do eg. STF tem afirmado que “os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados” (RE 201.819/RJ). É a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Nesse contexto, o espaço de autonomia privada garantido pela Constituição Federal às instituições de ensino privado não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seu corpo discente, no que se refere ao devido processo legal com observância dos princípios dele decorrentes: a) contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes; b) fundamentação; e c) proporcionalidade na aplicação da pena.

A autonomia privada não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais.

Não se descura, aqui, por certo, do grave fenômeno da indisciplina nas escolas. Todavia, não se pode fazer tabula rasa da força normativa dos preceitos constitucionais.

A propósito, revela-se pertinente a transcrição dos seguintes precedentes do eg. TJDFT em casos semelhantes ao presente:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ERRO MATERIAL. AUSÊNCIA DE RELEVÂNCIA. DEBATE SOBRE FORMA DE FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. REJEIÇÃO. DANOS MORAIS. ESCOLA. BRIGA. EXPULSÃO DE ALUNO. AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO PRÉVIO ADEQUADO PARA A APURAÇÃO DOS FATOS. INDENIZAÇÃO DEVIDA.
1. A existência de erro material em um único parágrafo no relatório do voto do Revisor não tem o condão de autorizar o manejo dos embargos de declaração, mormente porque as razões de decidir do voto estão em consonância com o tema dos autos.
2. O debate sobre como deve ser estabelecido o quantum indenizatório, se em reais ou em salários mínimos, não evidencia omissão, contradição ou obscuridade do julgado.
3. A instituição de ensino tem o direito de expulsar o aluno que apresenta desvio de conduta e comportamento social inadequado, mas para tanto deverá observar os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, sob pena de o ato de expulsão transformar-se em ato arbitrário e acarretar ao estabelecimento de ensino o dever de indenizar o dano moral decorrente.
(Acórdão n.220887, 20020110135679APC, Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, Revisor: HERMENEGILDO GONÇALVES, 1ª Turma Cível, Data de Julgamento: 23/05/2005, Publicado no DJU SEÇÃO 3: 23/08/2005. Pág.: 240)

DANOS MORAIS. ESCOLA. BRIGA. EXPULSÃO DE ALUNO. AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO PRÉVIO ADEQUADO PARA A APURAÇÃO DOS FATOS. INDENIZAÇÃO DEVIDA.
A Instituição de ensino tem o direito de expulsar o aluno que apresenta desvio de conduta e comportamento social inadequado, mas para tanto deverá observar os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, sob pena de o ato de expulsão transformar-se em ato arbitrário e acarretar ao estabelecimento de ensino o dever de indenizar o dano moral decorrente.
(Acórdão n.212561, 20020110135679APC, Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, Revisor: HERMENEGILDO GONÇALVES, 1ª Turma Cível, Data de Julgamento: 28/02/2005, Publicado no DJU SEÇÃO 3: 10/05/2005. Pág.: 143)

No caso dos autos, tenho que a expulsão de uma criança de apenas três anos de idade, após o decurso de tão somente três dias de aula, sem a observância dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais do aluno, constitui penalidade excessiva que ofende flagrantemente o princípio da proporcionalidade, notadamente se as provas constantes dos autos, em especial aquelas acostadas às fls. 21 e 22, demonstram que o aluno apresentou comportamento exemplar nos meses anteriores ao do seu desligamento da instituição.

Ainda que se admita o comportamento indisciplinado do aluno nesses três dias de aula do ano letivo de 2015, na forma descrita no relatório de fl. 20, caberia à instituição de ensino requerida, antes de aplicar a penalidade máxima da expulsão, aplicar sanções na proporção adequada para punir as supostas condutas reprováveis do aluno, tais como advertência verbal, advertência escrita e suspensão, com expressa ciência de seus responsáveis.

Registro, mais uma vez, que os relatórios de avaliação dos últimos bimestres de 2014 constam expressos elogios ao rendimento e comportamento (fsl. 21/22), mostrando-se desproporcional o desligamento do aluno logo nos primeiros dias letivos do ano de 2015, certo que a escola deveria diligenciar para adaptar o comportamento do aluno no período integral e, somente em último caso, após as providências citadas no parágrafo anterior, promover o desligamento da criança, repita-se, com apenas 03 (três) anos de idade.

Configurada a ilicitude da conduta da requerida, resta analisar se tal comportamento antijurídico foi suficiente para ocasionar aos autores os danos morais que alega ter suportado, bem como se justifica a aplicação da multa contratual pleiteada na inicial.

Em relação ao pedido de danos morais, tenho que a situação vivenciada pelos autores, de ter seu filho, de apenas três anos de idade, expulso abrupta e arbitrariamente da instituição de ensino requerida, foi suficiente para lhes ocasionar prejuízos que ultrapassam os meros dissabores do cotidiano.

O descaso da requerida, destarte, abrangeu não só a dor e o sofrimento psicológico, mas também o abalo da dignidade humana, razão por que o acolhimento do pedido de indenização por danos morais é medida de rigor.

No tocante ao quantum da indenização por danos morais, a reparação tem duas finalidades: reprimir o causador do dano pela ofensa praticada e amenizar o mal sofrido.

Assim, caberá ao juiz fixar o valor da indenização em consonância com o princípio da razoabilidade, atendidas as condições econômicas do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado. Sem olvidar que a condenação visa a que o mal não se repita maculando o corpo social.

Por conseguinte, calcado nesses pressupostos, a saber: a capacidade econômica das partes, a extensão do dano sofrido, e, ainda, com o escopo de tornar efetiva a reparação, sem se descurar de causar o enriquecimento indevido da parte de quem o recebe, nem impunidade e reincidência por parte do pagador, hei por bem fixar o valor da indenização a título de danos morais em R$ 3.000,00 (três mil reais), para cada autor.

Quanto à pretensão dos autores de receber a multa rescisória prevista na cláusula nona, parágrafo quarto, do contrato, é importante analisar o que estabelece o referido dispositivo. Vejamos:

“Na quebra do contrato, O CONTRATANTE que cancelar o contrato no decorrer do Ano Letivo em qualquer mês e data pagará 20% das mensalidades subseqüentes no valor integral (sem nenhum desconto), a contar da data da quebra do contrato e a mensalidade do mês que ocorrer a quebra do contrato” (fl. 38v).

Observo que a referida cláusula prevê a aplicação de multa apenas em desfavor do contratante, para a hipótese de rescisão antecipada do contrato.

Desse modo, razão não assiste aos autores, porquanto não há possibilidade de intervenção judicial para incluir no contrato uma multa rescisória em desfavor da requerida que as partes nunca discutiram.

Logo, a improcedência desse pedido é medida que se impõe.

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial para CONDENAR a instituição ré a pagar aos autores, a título de indenização por danos morais, a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais), para cada autor, corrigida monetariamente pelo INPC e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a contar da prolação desta sentença.

Em conseqüência, resolvo o mérito da lide, nos termos do art. 487, I, do CPC/15.

Sem custas, nem honorários (art. 55 da Lei 9.099/95).

Após o trânsito em julgado, se não houver requerimento de cumprimento de sentença, arquivem-se os autos, sem prejuízo de desarquivamento a pedido da parte.

Eventual concessão de Justiça Gratuita fica condicionada à comprovação da alegada hipossuficiência (2012 00 2 012911-5 DVJ – 0012911-58.2012.807.0000 (Res.65 – CNJ).

Anote-se a inclusão de Rodrigo Barbosa Medeiros no polo ativo. Comunique-se.

Sentença registrada eletronicamente nesta data. Publique-se. Intimem-se.

Taguatinga – DF, segunda-feira, 05/09/2016 às 13h40.

 

 

Tags: