Jurisprudência
26 out 15 10:52

ESTUDANTE ADVENTISTA CONSEGUE LIMINAR PARA PROVA APÓS PÔR DO SOL

O juiz da 3ª Vara Cível de Vitória, Jaime Ferreira Abreu, concedeu liminar para que uma estudante adventista realize a prova do vestibular de medicina de uma faculdade particular da Grande Vitória no horário das 19 horas, ou seja, após o pôr do sol, uma vez que a religião da candidata orienta que o sábado, dia da aplicação do exame, seja resguardado até o sol se pôr.

De acordo com o processo n° 0033416-63.2015.8.08.0024, a decisão tem validade para as duas fases do vestibular, caso a estudante seja aprovada para a segunda fase do certame. O descumprimento da medida liminar por parte da instituição poderá acarretar multa diária de R$ 3 mil.

A decisão do magistrado foi pautada no fato de que o sábado, por parte de algumas religiões, como a Adventista do Sétimo Dia, é um dia sagrado e de resguardo. O juiz ainda considerou o direito de liberdade ao culto, garantido no texto da Constituição Federal de 1988, devendo ser respeitado em qualquer esfera social.

Com efeito, entendo que o direito fundamental de liberdade de crença religiosa, assegurado pela Constituição Federal de 1998, deve ser respeitado, disse o magistrado.

Veja a integra da decisão:



Número do Processo: 0033416-63.2015.8.08.0024

Requerente: RAISSA ALMEIDA STORCH

Requerido: EMPRESA BRASILEIRA DE ENSINO PESQUISA E EXTENSAO SA MULTIVIX

DECISÃO

Trata-se de AÇÃO ORDINÁRIA ajuizada por RAISSA ALMEIDA STORCH contra EMPRESA BRASILEIRA DE ENSINO PESQUISA E EXTENSÃO S/A – MULTIVIX, partes qualificadas nos autos, visando, em sede de antecipação dos efeitos da tutela, a determinação de que a Ré oportunize a realização das provas do processo seletivo para vestibular, após o por do sol, no horário das 19:00 horas, haja vista ser a candidata integrante da igreja adventista, ao resguardo do sábado até o por do sol.

O art. 273 do CPC autoriza que os efeitos da tutela pretendida sejam antecipados desde que haja prova inequívoca da verossimilhança das alegações autorais. Portanto, para o deferimento da medida é necessário que haja elevado juízo de probabilidade do direito pleiteado. Ademais, é necessária também a presença do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, sendo, ainda, vedada a antecipação da tutela quando houver risco de irreversibilidade da medida, conforme dispõe o CPC em seu art. 273, I, e seu § 2º.

Como se depreende dos autos, de fato, a Autora concluiu o Ensino Médio Regular, como resta inequívocamente comprovado pelo histórico escolar de fl. 54, o que demonstra seu direito à concorrer à uma vaga para o curso de Ensino Superior. Ademais, restou comprovado nos autos a real condição de mebro regular da Igreja Adventista do Sétimo Dia, consoante declaração de fl. 64.

Ainda, verifica-se a recusa da Ré em oportunizar a realização de prova para alunos em condições especiais, consoante corroborado pela cláusula 3.1.6 do Edital de Processo Seletivo 2016 para o curso de Medicina, constante à fl.57 dos autos.

No caso em tela, entendo que a santificação e a guarda do sábado por parte de algumas religiões, como a Adventista do Sétimo Dia, constitui em um de seus preceitos, de modo que na liberdade de culto assegurada pela Constituição se insere o respeito aos mesmos, bem como a garantia de exteriorização de suas crenças.

Com efeito, entendo que o direito fundamental de liberdade de crença religiosa, assegurado pela Constituição Federal de 1998, deve ser respeitado, mormente na hipótese dos autos, porquanto a transferência de horário da prova não causará nenhum gravame à Demandada, nem implicará quebra do princípio da isonomia, já que não está se dando tratamento igual a pessoas que se encontram em situações distintas.

Neste sentido, por oportuno, insta registrar o que preleciona a CF/88 em seu Artigo 5º, inciso VIII, in verbis: “Ninguém será privado de direitos por motivos de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusa-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.”

Isto posto, temos que a norma constitucional supra preserva e assegura o direito fundamental à liberdade de culto, não pretendendo a Autora, no presente caso, eximir-se de obrigação legal a todos imposta ou recusar-se a cumprir prestação alternativa, mas, apenas, cumprir obrigação, que é imposta a todos os candidatos do concurso, em horário compatível com a preservação de seu direito fundamental à liberdade religiosa.

Traz-se lume o entendimento esposado pelos tribunais pátrios quanto ao tema em apreço. Vejamos:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ENSINO SUPERIOR. ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. LIBERDADE DE CULTO (CF, ART. 5º, VI E VIII). REALIZAÇÃO DE EXAME VESTIBULAR NO PERÍODO DE GUARDA. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA TEORIA DO FATO CONSUMADO. IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. CABIMENTO. I – Com a garantia de ser inviolável a liberdade de consciência e de crença (CF, arts. 5º,VI), “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei” (CF, art. 5º, VIII). II – A realização de exame vestibular em horário posterior ao período de guarda dos candidatos que comprovadamente sejam membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia, não põe em risco o interesse público, nem configura, por si só, qualquer violação aos princípios da igualdade, da impessoalidade, da moralidade nem da seriedade das normas administrativas, posto que tal medida não implica em isenção de obrigação legal a todos imposta, mas, tão-somente, em possibilitar o seu cumprimento, sendo os candidatos submetidos às mesmas avaliações, sem que seja violado o seu direito fundamental à liberdade de crença religiosa. III – Na hipótese dos autos, também deve ser preservada a situação fática consolidada com o deferimento da liminar postulada nos autos, em 30/05/2012, assegurando o direito a realização das provas em horário diferenciado dos demais candidatos, que, pelo decurso do prazo, já ocorreu. IV – “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de ser possível a imposição de multa, ainda que contra a Fazenda Pública, em se tratando de obrigação de fazer” (AgRg no REsp 951.072/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 05/03/2009, DJe 30/03/2009). V – Apelação e remessa oficial desprovidas. Sentença confirmada.

(TRF-1 – AC: 39062020124013813 MG 0003906-20.2012.4.01.3813, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Data de Julgamento: 31/07/2013, QUINTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.287 de 12/08/2013)”

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO VESTIBULAR. CANDIDATOS ADVENTISTAS DO SÉTIMO DIA. PLEITO PARA FAZEREM A PROVA EM DIA DIFERENTE DO SÁBADO. GARANTIA DADA PELA CARTA MAGNA À PROTEÇÃO DAS LITURGIAS E CRENÇAS RELIGIOSAS (ART. 5º, VI E VIII, CF/88). LIMINAR DEFERIDA. EXAME REALIZADO. PERDA DE OBJETO. AGRAVO PREJUDICADO. 1. Os agravantes, todos Adventistas do Sétimo Dia, obtiveram liminar desta 1ª Turma e prestaram Concurso Vestibular em dia diferente do sábado, em razão da crença religiosa que professam. 2. Uma vez realizado o exame, consoante informado pela Agravada (fl. 144), conclui-se pela perda de objeto deste Agravo. 3. Agravo de Instrumento prejudicado.

(TRF-5 – AGTR: 62586 SE 2005.05.00.016286-3, Relator: Desembargador Federal Ubaldo Ataíde Cavalcante, Data de Julgamento: 24/11/2005, Primeira Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça – Data: 15/02/2006 – Página: 805 – Nº: 33 – Ano: 2006)”

Para além do exposto, destaco que especialmente o Judiciário deve o exercício de sua atividade primordial – a de afastar eventuais óbices à efetivação dos direitos – à ampla e irrestrita vinculação aos direitos fundamentais teorizados na Constituição, mas que não guardariam utilidade se não puderem ser exercidos pelo seu destinatário: o cidadão.

Se assim não fora, como observa Flávio Galdino (Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos, Lumen Juris, Rio, 2005, p. 188) sobreviveria apenas a inutilidade de uma dimensão utópica dos direitos fundamentais, como “modelo teórico da utopia”, já que, apesar de sua relevância e imprescindibilidade, a prestação estatal não estaria honrada no plano da eficácia e disponibilização prática de sua eficácia, permitindo, na verdade, o paralelo reecrudescimento de suas violações, conforme já alertara Pierre-Henri Imbert por ocasião da Conferência de Viena.

No caso concreto, tem-se como incontroverso, decorrente de pesquisa simples, que a Igreja Adventista do Sétimo Dia reconhece o sábado como sinal distintivo de lealdade a Deus (Êx 20:8-­ 11; 31:13-­ 17; Ez 20:12, 20), cuja observância, segundo esse entendimento, é pertinente a todos os seres humanos em todas as épocas e lugares (Is 56:1-­ 7; Mc 2:27). Quando Deus “descansou” no sétimo dia da semana da criação, Ele também “santificou” e “abençoou” esse dia (Gn 2:2, 3), separando-­o para uso sagrado e transformando-­ o em um canal de bênçãos para a humanidade. Aceitando o convite para deixar de lado seus “próprios interesses” durante o sábado (Is 58:13), os filhos de Deus observam esse dia como uma importante expressão da justificação pela fé em Cristo (Hb 4:4-­ 11).

A observância do sábado é também enunciada em Isaías 58:13, 14 nos seguintes termos:

“Se desviares o pé de profanar o sábado e de cuidar dos teus próprios interesses no Meu santo dia; se chamares ao sábado deleitoso e santo dia do Senhor, digno de honra, e o honrares não seguindo os teus caminhos, não pretendendo fazer a tua própria vontade, nem falando palavras vãs, então, te deleitarás no Senhor.”

Ainda a considerar que a adesão ao pleito autoral guarda simetria e pertinência com lição do eminente jurista e Desembargador deste Estado, Samuel Meira Brasil Júnior, assim:

“A JUSTIFICAÇÃO FUNDADA EM RAZÕES AXIOLÓGICAS SUFICIENTES AUTORIZA O PROCESSO DE RESULTADOS JUSTOS E A PREPONDERÂNCIA DA SOLUÇÃO JUSTA SOBRE UMA REGRA JURÍDICA, SEJA PROCESSUAL, SEJA SUBSTANCIAL, SE HOUVER UM GRAU INTOLERÁVEL DE INJUSTIÇA OU UMA CONTRADIÇÃO PERFORMATIVA COM A PRETENSÃO DE CORREÇÃO DA NORMA” (Justiça, direito e processo: a argumentação e o direito processual de resultados justos, Atlas, São Paulo, 2007, p. 156).Dessa forma, sem prejuízo do debate e das ressalvas sobre eventuais pensamentos religiosos discrepantes, forçoso é reconhecer a liberdade de crença e da prática religiosa, tal qual proclamado no art. 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que bem sintetiza a adequação argumentativa do que aqui se decide.

Ademais, quanto à urgência, além de decorrer da própria necessidade de ingressar no Ensino Superior, pelo qual é necessária a participação no processo seletivo, gize-se que a prova do vestibular a qual a Autora é canditada fora designada para o dia 31/10/2015, e após, na segunda fase, no dia 07/11/2015, ambos aos sábados, no horário das 14:00 às 19:00 horas, restanto latente a urgência da presente demanda.

Destarte, segundo os parâmetros traçados pelo artigo 273 do CPC, entendo estarem devidamente preenchidos os requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela.

Ex expositis, concedo, inaudita altera pars, a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, determinando a imediata expedição de ordem à Demandada EMPRESA BRASILEIRA DE ENSINO PESQUISA E EXTENSÃO S/A – MULTIVIX, a fim de que seja oportunizada à Autora a realização da prova no vestibular de Medicina após o por do sol, a partir das 19:00 horas, tanto para a primeira fase do concurso, quanto à segunda fase, caso a mesma seja aprovada, sob pena de multa diária que arbitro em R$ 3.000,00 (três mil reais), sem prejuízo de perdas e danos.

Desta feita, determino o cumprimento das diligências a quem couber por distribuição, a qualquer oficial de justiça deste juízo, observando-se a urgência que o caso requer.

Ainda, defiro os benefícios da Assistência Judiciária Gratuita, haja vista ser a Autora estudante, pretendendo ingressar aderindo ao financiamento estudantil FIES.

VITÓRIA, 21/10/2015

JAIME FERREIRA ABREU

Juiz de Direito

 

Tags: