ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL: ESCOLA TEM O DEVER LEGAL DE ACIONAR O CONSELHO TUTELAR ANTE A SIMPLES SUSPEITA DE MAUS-TRATOS CONTRA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE.
A Terceira Turma Recursal Cível da Comarca de Santa Maria do Estado do Rio Grande do Sul manteve a sentença de primeira instância, julgando improcedente a ação de reparação de danos morais movida por genitora de aluno em face de Instituição Educacional por denunciá-la ao Conselho Tutelar, em razão de suspeita de maus-tratos.
Em sede recursal, os desembargadores entenderam que não houve conduta negligente da diretora da escola, tendo em vista que o artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que a Instituição educacional possui o dever legal de comunicar casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra a criança e o adolescente.
Elaborado por: Dra. Adriana Nascimento de Souza Almendro – Advogada Associada da Ricardo Furtado e Advogados.
Segue a íntegra do acórdão.
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
RI: nº 71008220022 (nº CNJ: 0080241-38.2018.8.21.9000) 3ª Turma Recursal Cível – Comarca de Santa Maria/RS.
ação de reparação de danos. comunicação de fato AO CONSELHO TUTELAR envolvendo a filha da autora. DENUNCIANTE ESCOLA INFANTIL. DEVER LEGAL DE REPORTAR SUSPEITA DE VIOLAÇÃO À INTEGRIDADE FÍSICA DA CRIANÇA. dano moral não configurado. SENTENÇA MANTIDA. recurso desprovido.
Recurso Inominado
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Terceira Turma Recursal Cível |
Nº 71008220022 (Nº CNJ: 0080241-38.2018.8.21.9000)
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Comarca de Santa Maria |
CHAIENE DA ROCHA COELHO
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RECORRENTE |
ESCOLA DE EDUC. INFANTIL LAPIS DE COR
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RECORRIDO |
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Juízes de Direito integrantes da Terceira Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Dr. Fábio Vieira Heerdt e Dr. Giuliano Viero Giuliato.
Porto Alegre, 13 de dezembro de 2018.
- CLEBER AUGUSTO TONIAL,
Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de ação indenizatória, em que a autora narrou ter sofrido dano extrapatrimonial em virtude de suposta denúncia infundada da escola ré ao Conselho Tutelar, acerca de possível violação à integridade física de sua filha.
Contestado e instruído o feito, sobreveio sentença de improcedência da ação.
Recorreu a autora, pugnando pela reforma da decisão.
Com contrarrazões, vieram os autos conclusos.
VOTOS
Dr. Cleber Augusto Tonial (RELATOR)
Narrou a autora que sua filha, à época com 9 meses de vida, foi constatada com manchas pelo corpo pelas professoras da escola ré, o que motivou, segundo alega, denúncia por maus tratos ao Conselho Tutelar e instauração de procedimento para averiguações. Por se tratar de marcas de nascença, e diante do constrangimento, requereu indenização por danos morais.
Sem razão, contudo, a recorrente.
O fato ocorreu no dia 18/04/2018, portanto no terceiro dia de freqüência da criança na escola ré, em que somente haviam sido realizadas trocas de fraldas, sem a necessidade de despi-la por completo, até então. As professoras não tinham o domínio de suas características físicas, hábitos comportamentais, histórico de saúde etc., senão aqueles informados pelos responsáveis quando da matrícula para freqüentar o local, por alguns dias, porque contrato temporário.
Não se tratava de aluna efetiva, portanto.
Mas não foi informado à escola que a filha da autora possuía manchas mongólicas de nascença, identificadas na região “infraescapular, lombar, glútea e da articulação da mão direita” (fl.18).
Por outro lado, ainda que ocorra com certa freqüência em bebês afrodescendentes, não se pode afastar a possibilidade de serem confundidas com hematomas decorrentes de traumas, batidas, pois possuem coloração arroxeada ou azulada.
Veja-se que, constatadas as manchas, a escola ré buscou manter contato com a autora, o que atesta a fatura de telefone de fl.86, mas não obteve êxito. Ato contínuo houve o acionamento do Conselho Tutelar, a fim de buscar alguma orientação para o deslinde da situação, e contato com a avó paterna da criança, para acompanhar o procedimento de averiguação, conforme determinado no Estatuto da Criança e orientado pela conselheira tutelar, na ocasião.
A própria conselheira tutelar Vera Brites, ao ver a criança na escola, incentivou a perquirição da causa das referidas manchas, por meio de exame de corpo de delito. A testemunha Dieniffer, que é advogada e já trabalhou no Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS, lidando com menores vítimas de violência, analisou a filha da autora e alimentou as mesmas suspeitas da ocorrência de agressões físicas.
Tratava-se, pois, de fundada suspeita de maus tratos.
Conduta negligente da diretora da escola não se cogita, porque a mãe foi procurada e a avó paterna participou dos fatos. Nem se sustenta o argumento de imprudência no seu agir, considerando a interveniência do Conselho Tutelar por sua iniciativa, diante do grau de suspeição da ocorrência de violência contra menor, a partir das constatações das testemunhas presenciais, todas com experiência no trato com crianças, diga-se de passagem.
Conforme o desenrolar dos fatos acima narrados, não é demais rememorar que é responsabilidade da sociedade como um todo garantir, com distinção (vide legislações especiais sobre o tema), vida digna a seus entes mais vulneráveis, e nesse contexto estão inseridas as crianças. É o que consta dos artigos 4º[1], alínea ‘a’, 18[2] e 70[3] do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90).
Há que se considerar que a comunicação de fatos suspeitos ao Conselho Tutelar é um dever legal, que está previsto no artigo 13 do referido estatuto, como segue:
“Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.”
O comunicante sequer necessita da certeza do ilícito cometido em detrimento da criança (autoria e materialidade), e que o simples fato de noticiá-lo não tipifica hipótese de denunciação caluniosa, imputação falsa de crime etc. Não se verifica na conduta das prepostas da escola ré dolo de prejudicar a autora.
E não é prudente inibir condutas dessa natureza, de busca do aparelhamento estatal para verificação de situações suspeitas envolvendo crianças, sempre que os fatos se encontrarem no limiar de uma possível antijuridicidade. Isso porque o interesse maior a ser preservado é o do vulnerável, cuidando-se de um direito indisponível a ele inerente, apenas que tutelado pelo ente público diante do interesse social que reclamam.
Enfim, não se está aqui ignorando os anseios e dissabores que por certo a autora vivenciou, ainda que em curto espaço de tempo, ocorre que não foram suficientes para o reconhecimento do direito a uma compensação pecuniária, pelos alegados danos morais. Como visto, não se pode qualificar de ilícita a conduta praticada pela diretora da escola ré, quando na verdade agiu nos estritos termos da lei.
Diante dessas considerações, a sentença merece ser mantida por seus próprios fundamentos, nos termos do artigo 46 da Lei 9.099/95.
Voto, pois, por NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
Sucumbente, o recorrente pagará as custas e os honorários advocatícios ao patrono da parte adversa, que fixo em 20% sobre o valor atualizado da causa. Suspensa a exigibilidade em face da gratuidade.
Dr. Fábio Vieira Heerdt – De acordo com o(a) Relator(a).
Dr. Giuliano Viero Giuliato – De acordo com o(a) Relator(a).
- LUIS FRANCISCO FRANCO – Presidente – Recurso Inominado nº 71008220022, Comarca de Santa Maria: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, UNÂNIME.”
Juízo de Origem: JUIZADO ESPECIAL CIVEL SANTA MARIA – Comarca de Santa Maria
[1]Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
- a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
[2] Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
[3] Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.