Jurisprudência
30 jul 14 00:00

DEIXAR DE FAZER ANOTAÇÃO EM CARTEIRA DE TRABALHO NÃO É CRIME (F)

Deixar de fazer anotação em carteira de trabalho não é crime, mas falta administrativa grave. A decisão foi tomada pela 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região em julgamento de recurso do Ministério Público Federal contra a decisão da 3ª Vara Federal do Pará.

Na 1.ª instância, a Justiça Federal paraense rejeitou a denúncia do MPF contra um empresário, sob o fundamento de que a conduta atribuída ao acusado constitui mera falta administrativa. Consta dos autos que o empregador deixou de fazer anotações na Carteira de Trabalho de oito de seus funcionários.

De acordo com o recurso do MPF dirigido ao TRF1, a omissão de um único elemento do contrato de trabalho já permite a tipificação da conduta no art. 297, § 4º, do Código Penal, “sobretudo quando a omissão se refere ao contrato de trabalho por inteiro, como na hipótese dos autos”.

Ao analisar o recurso, o relator, desembargador federal Olindo Menezes, rejeitou o argumento do MPF. Segundo explicou o magistrado, o Código Penal considera crime, punido com a pena de dois a seis anos de reclusão e multa, falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro. Tal previsão na lei, segundo o relator, não se identifica, em termos penais, com a simples conduta administrativa de falta de anotação da Carteira de Trabalho dos empregados, que traduz apenas uma falta trabalhista.

“O que a lei incriminou foi a omissão dolosa daquelas informações (“… nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços…”) nos referidos documentos, com a finalidade de fraudar a previdência social, especialmente no recolhimento das contribuições, o que não se dá com a singela falta de anotação na CTPS, tanto mais que o contrato de emprego pode ser provado por outro escrito, ou mesmo por prova testemunhal”, ressaltou Olindo Menezes.

Para o magistrado, não foi o propósito da lei, portanto, incriminar generalizadamente a falta de anotação da CTPS, pois, assim sendo, bastaria ao legislador dizer que constitui crime, punido com as mesmas penas, deixar o empregador de anotar a CTPS do empregado. “Anotações que, de resto, não se resumem ao espaço do contrato de trabalho, mas também às alterações de salário ou de remuneração, de concessão de férias, de suspensão do contrato etc”, explicou.

Porém, ele ponderou que a falta de anotação da CTPS, em qualquer circunstância, configura falta grave contra os direitos sociais do trabalhador e é sempre juridicamente relevante em face da legislação previdenciária ou trabalhista. Porém, não ficou demonstrado nos autos que o intuito do acusado seria o de fraudar a previdência social. Pelo exposto, negou provimento ao recurso do MPF.

 

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N. 0024533-46.2010.4.01.3900/PA

RELATOR     :           DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO HERCULANO DE MENEZES

RECORRENTE         :           MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADOR       :           FERNANDO JOSE AGUIAR DE OLIVEIRA

RECORRIDO           :           RICARDO MARIANELLI

ADVOGADO           :           JORDANO JUNIOR FALSONI

E M E N T A

PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. FALTA DE ANOTAÇÃO DA CTPS. CONDUTA ATÍPICA.

1. Não constitui crime (falsidade de documento público por equiparação) a falta de anotação da carteira de trabalho e previdência social do empregado, pelo empregador, senão apenas uma falta administrativa e trabalhista, que, mesmo grave, não tem conotação penal.

2. A figura típica do § 4º do art. 297 do Código Penal (“Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3º, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do o contrato de trabalho ou de prestação de serviços.”) não se identifica, em termos penais, com a simples falta de anotação da CTPS, pois, tendo como objeto jurídico a fé pública nos documentos relacionados com a previdência social, imprescinde do propósito direto de fraudá-la.

3. Recurso em sentido estrito desprovido.

A C Ó R D Ã O

Decide a Turma negar provimento ao recurso em sentido estrito, à unanimidade.

4ª Turma do TRF da 1ª Região – Brasília, 1º de julho de 2013.

Desembargador Federal OLINDO MENEZES, Relator

R E L A T Ó R I O

O Exmo. Sr. Desembargador Federal OLINDO MENEZES (Relator): – O Ministério Público Federal recorre em sentido estrito de decisão da 3ª Vara Federal/PA (fl. 39), que rejeitou denúncia contra Ricardo Marianelli, ao fundamento de que a conduta atribuída ao acusado — deixar de proceder anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS de 8 (oito) de seus empregados — constitui mera falta administrativa.

Assevera que a omissão de um único elemento do contrato de trabalho já permite a tipificação da conduta no art. 297, § 4º, CP, sobretudo quando a omissão se refere ao contrato de trabalho por inteiro, como na hipótese dos autos.

O Ministério Público Federal nesta instância, em parecer firmado pelo Procurador Regional da República Blal Yassine Dalloul (fls. 78 – 81), opina pelo provimento do recurso.

É o relatório.

V O T O

O Exmo. Sr. Desembargador Federal OLINDO MENEZES (Relator): – Pelo caput do art. 297 do Código Penal, constitui crime, punido com a pena de dois a seis anos de reclusão, e multa, “Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro.”, tendo o § 3º dito que incorre nas mesmas penas quem insere ou faz inserir:

“I – na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova perante a previdência social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório;”

”II – na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita;” ou

 “III – em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita;”

Já o § 4º do mesmo preceito estipula que “Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3º, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.”, previsão típica que, na minha interpretação, não se identifica, em termos penais, com a simples conduta administrativa de falta de anotação da CTPS dos empregados, que traduz apenas uma falta trabalhista.

As figuras do § 3º são comissivas, enquanto a do § 4º (“Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3º, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.”) é omissiva, o que levaria a compreensão de que a falta de anotação na CTPS, em qualquer circunstância, passou a ser crime, punido com a pena de dois a seis anos de reclusão, o que não tem propósito.

O que a lei incriminou foi a omissão dolosa daquelas informações (“… nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços…”), nos referidos documentos, com a finalidade de fraudar a previdência social, especialmente no recolhimento das contribuições, o que não se dá com a singela falta de anotação na CTPS, tanto mais que o contrato de emprego pode ser provado por outro escrito, ou mesmo por prova testemunhal.

Não foi o propósito da lei, portanto, incriminar generalizadamente a falta de anotação da CTPS, pois, assim sendo, bastaria ao legislador dizer que constitui crime, punido com as mesmas penas, deixar o empregador de anotar a CTPS do empregado, anotações que, de resto, não se resumem ao espaço do contrato de trabalho, mas também às alterações de salário ou de remuneração, de concessão de férias, de suspensão do contrato etc.

Pode-se objetar que a falta de anotação da CTPS, em qualquer circunstância, configura falta grave contra os direitos sociais do trabalhador e é sempre juridicamente relevante em face da legislação previdenciária ou trabalhista, mas, em face da redação dos incisos do § 3º do art. 297, parece-me que não basta essa relevância genérica e remota, senão que a conduta do empregador tenha o propósito direto de fraudar a previdência social, o que não restou demonstrado nos presentes autos.

Em face do exposto — o fato descrito na denúncia não constitui crime —, nego provimento ao recurso em sentido estrito.

É o voto.

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