A Justiça determinou que o Estado de Minas Gerais disponibilize, em favor de um estudante com transtorno do espectro autista, um professor de apoio permanente e exclusivo, em sala de aula, no prazo de 20 dias, sob pena de multa. A decisão foi proferida em 1ª Instância pela Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Governador Valadares, e confirmada pelos magistrados da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Em caso de descumprimento, a multa diária estipulada foi de R$ 200, limitada à quantia de R$ 20 mil, a ser revertida em favor do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

A disponibilização de um professor para acompanhamento individual do estudante já havia sido determinada, anteriormente, por uma decisão provisória. Porém, o julgamento do caso nas duas instâncias do Judiciário tornou a medida definitiva.

O estudante, representado por sua mãe, ingressou na Justiça contra o Estado, requerendo o fornecimento de um professor individual para apoiar suas atividades pedagógicas na escola estadual onde está matriculado. O relatório médico apresentado no processo indicou que, sem acompanhamento exclusivo, o desenvolvimento acadêmico do estudante tem ficado deficiente. (g.n.)

Estímulos

Uma avaliação pedagógica da escola também apontou que o estudante não dá conta de acompanhar as tarefas propostas. Segundo o relatório, o aluno precisa de apoio para se orientar em relação ao tempo e aos conteúdos ministrados a cada dia. Por isso, “necessita de professor de apoio pedagógico exclusivo para apoiá-lo, visto que tem necessidade constante de estímulos e de intervenção pedagógica para acompanhar a turma”. O documento aponta que, quando sozinho, o estudante fica desorientado, o que dificulta o trabalho do professor diante da turma.   

No processo, ajuizado pela Defensoria Pública, consta a informação de que a família não tem condições financeiras para arcar com as despesas de contratação de um professor orientador exclusivo.

O Estado, em suas alegações, afirmou que a administração pública atende a coletividade e não o interesse individual, respeitando a supremacia do interesse público sobre o privado. Por isso, requereu que o pedido da família fosse negado. Pediu ainda que fosse cancelada a aplicação de multa. Argumentou também que não compete ao Judiciário interferir na área administrativa, desconsiderando as políticas públicas e as limitações orçamentárias. “A contratação de professor de apoio sem prévia previsão orçamentária causa impactos na Lei de Responsabilidade Fiscal”, citou em sua defesa.

Em 1ª Instância, a juíza Andreya Alcântara Ferreira Chaves citou resolução do Conselho Nacional de Educação e da Câmara de Educação Básica, que instituiu Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica. O normativo prevê o atendimento de alunos com transtornos globais no desenvolvimento, com quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais e na comunicação, bem como estereotipias motoras.

Inclusão

A magistrada citou ainda, entre outras legislações, a Lei Federal 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. O documento assegura o acompanhamento especializado de acordo com as necessidades do portador, visando facilitar seu acesso à educação. “Há respaldo constitucional e legal apto a compelir o ente estatal a adotar medidas que visem a educação, inclusão, proteção da saúde intelectual e bem-estar dos estudantes. Além disso, a prova documental demonstra que o profissional de apoio deve atuar em benefício do estudante de forma exclusiva, vez que o compartilhamento do professor com outros alunos não atende às suas necessidades”, afirmou a juíza.

Na 2ª Instância, o relator do caso, desembargador Júlio Cezar Guttierrez, destacou que a educação é um dos mais importantes direitos sociais, por ser essencial ao exercício de outros direitos fundamentais. “Trata-se de dever do Estado assegurar o amplo acesso aos níveis de ensino, de forma gratuita e isonômica, oportunizando meios para que os portadores de necessidades especiais possam usufruí-lo em igualdade de condições com os demais”, citou.

O magistrado citou a Lei 7.853/1989, que dispõe, entre outros pontos, sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração social; o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que prevê expressamente a figura do profissional de apoio; e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que tem um capítulo acerca da educação especial.

Multa

“Tenho que ficou demonstrada a necessidade do adolescente, amparada em declarações dos profissionais que o acompanham na rede pública, de receber atendimento especializado e individualizado, por meio de um profissional de apoio que atenda exclusivamente às suas necessidades, de forma a garantir sua integração nas classes comuns”, entendeu o relator.

O magistrado também concluiu que a imposição da multa para o caso de descumprimento da decisão é medida necessária para que o ente público cumpra, com urgência, a determinação. Entendeu ainda não ser adequado ampliar o prazo para o cumprimento do que foi estabelecido, visto que a decisão provisória sobre o caso data de maio de 2018.

A desembargadora Sandra Fonseca, que integrou a turma julgadora, acompanhou o entendimento do relator. Contudo, citou Resolução da Secretaria de Estado da Educação (SEE), de 2020, que autoriza o professor contratado pela administração pública a atender, além do adolescente, outros dois estudantes, “desde que não comprometa o aprendizado, a educação do menor e a sua rotina escolar previamente estabelecida”.

O juiz convocado para atuar na 6ª Câmara Cível, Renan Chaves Carreira Machado, acompanhou integralmente o voto do relator. Ele observou o texto legal contido na Resolução da SEE, mas lembrou que o laudo médico foi específico ao descrever a necessidade de um professor de apoio permanente para atendimento individualizado do adolescente.

Processo nº 1.0105.18.020995-6/002


Notas:

1 – A matéria que apresentava uma imagem de uma mão infantil segura por uma mão adulta que dirigia a atividade, trazia a seguinte nota: Avaliação pedagógica demonstrou que desempenho acadêmico do estudante estava ficando comprometido (Crédito: Pillar Pedreira/Agência Senado).

2 – Nossas notas:

Diante das avalições e desempenho acadêmico comprometido, em face da necessidade especial gravosa, o Conselho Nacional de Educação já afirmou que: 

Os alunos que apresentem necessidades educacionais especiais e requeiram atenção individualizada nas atividades da vida autônoma e social, recursos, ajudas e apoios intensos e contínuos, bem como adaptações curriculares tão significativas que a escola comum não consiga prover, podem ser atendidos, em caráter extraordinário, em escolas especiais, públicas ou privadas, atendimento esse complementado, sempre que necessário e de maneira articulada, por serviços das áreas de Saúde, Trabalho e Assistência Social. G.n.

De outro lado o Supremo Tribunal Federal em Recurso Extraordinário assim se colocou:

1 – Os mandamentos insculpidos na legislação federal (Lei nº 13.146/2015, Lei nº 12.764/2012 e Decreto nº 8.368/2014) e distrital (artigo 232 da Lei Orgânica, Lei nº 5.310/2014) estabelecem que a inserção da pessoa com deficiência na rede pública regular de ensino, caso comprovada a necessidade, dar-se-á com o devido apoio e mediante a disponibilização do acompanhamento especializado no contexto escolar, não havendo garantia, entretanto, de exclusividade desse auxílio de monitor.

2 – A presença de monitor não assume contornos de exclusividade, já que a supervisão de que necessita a pessoa com deficiência, de acordo com a estrita observância de sua documentação médica, é mera decorrência dos deveres que são impostos à Administração Pública – na legislação infraconstitucional federal e distrital – para a consecução das políticas públicas de inclusão. O próprio âmbito de proteção assegurado no arcabouço normativo não se refere a atendimento especializado de caráter exclusivo, mas apenas a apoio qualificado na própria rede regular de ensino, com o fim de resguardar às pessoas com deficiência o mesmo tratamento oferecido aos que não possuam essa condição e, por conseguinte, a garantia do mínimo essencial ao seu desenvolvimento com dignidade. Apelação Cível parcialmente provida. Maioria qualificada.

Assim, nos parece que a decisão do Tribunal de Minas Gerais não observou as normas acima, o que certamente será matéria de recurso.

Por: Dr. Ricardo Furtado – Consultor Jurídico, Educacional, Tributário, Especialista em Ciências Jurídicas – 02/03/2023 


Leia Mais: Guarda compartilhada de forma informal entre os pais e, a cobrança rateada da parcela de anuidade em face do contrato