Corrida por provões e bolsas nas escolas particulares. Procura cresce 35%
Com a perda de renda e o orçamento apertado em razão da pandemia e guerra, muitas crianças e adolescente enfrentam os provões para conseguir descontos nas mensalidades. Essa tem sido a saída para as famílias que tentam manter os filhos na escola particular. Os colégios registram aumento de até 35% na procura pelos processos seletivos para as bolsas.
A escola privada percebeu que famílias que mudaram os filhos para a rede pública por conta de problemas financeiros durante a pandemia tentam agora voltar para o colégio particular via bolsão, o que garantiria mensalidades mais acessíveis.
— Apesar de haver uma retomada na procura pela educação privada, estamos numa situação macroeconômica pior. O perfil das famílias não mudou, mas percebemos a tentativa de retorno de ex-alunos por meio de bolsas, num esforço tremendo para investir na educação dos filhos — avalia Jackson Miguel, diretor de escola.
— Existe uma procura por descontos para tentar encaixar (as mensalidades) no orçamento. Isso sempre aconteceu, mas, neste momento, as famílias que passaram por uma situação mais difícil tentam ajustar as contas e buscam uma adequação da escola, principalmente pensando em não perder a qualidade do ensino — conta a diretora-geral do Pensi, Luciana Vidal.
Diretor pedagógico da Zero Hum — que tem 35 escolas nas regiões Metropolitana, Serrana e dos Lagos do Rio — André Biondi conta que, com o aumento da procura, ampliou o período das provas para bolsas:
— Percebo alunos vindo de colégios privados com um tíquete maior e que, se não passarem na prova, a saída para os pais será a rede pública.
Qualidade é prioridade
No Tamandaré, muitos inscritos também vêm de escolas mais caras. É o caso das gêmeas Júlia e Lívia Fernandes, de 13 anos, alunas do 7º ano do ensino fundamental no tradicional Santo Agostinho, unidade Barra da Tijuca, onde a família mora. Os pais, a funcionária pública Luciane Lira, de 50 anos, e o empresário Francisco Fernandes, de 53, inscreveram as filhas na prova do bolsão da rede e também na do Pensi em busca de mensalidades mais baratas.
— Quando você soma tudo, no fim do ano é um valor imenso. Se conseguirmos reduzir esse valor, em quantas coisas mais poderíamos investir na educação delas? Cursos, viagens, lazer… — questiona Fernandes.
No Colégio Stocco, que tem unidades em Santo André, no ABC Paulista, a procura por bolsas de estudos cresceu 35% neste ano, em relação aos números do ano passado. A maior parte dos interessados está no ensino médio.
— Do total, 7,5% dos que buscam descontos são alunos advindos de colégios públicos. A maioria vem de colégio particular do entorno. Muitos estudantes buscam a bolsa para colocar a família em uma situação mais confortável em termos financeiros. É uma questão de ajuste de orçamento — diz Roberto Belmonte Jr., diretor administrativo do Stocco, que oferece bolsas de até 80%.
Uma das estudantes a conseguir a bolsa na instituição foi Isabella Bompadre, de 16 anos, aluna do 1º ano do ensino médio.
— A bolsa de 30% contribuiu, mas a qualidade que queríamos do colégio foi a parte mais importante. Se ela não conseguisse, seria necessário maior esforço (financeiro) da nossa parte para que ela estudasse lá — conta Jamile, a mãe da estudante.
Maria Luzia Campos, de 13 anos, estuda desde 2020 com bolsa no colégio Intelecto, em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, e anualmente refaz a prova para manter o desconto. Segundo a mãe da adolescente, Andréa Campos, de 49, a mensalidade completa na escola chega a R$ 1.200, mas, com a bolsa de 70%, ela paga menos de R$ 400. Sem o desconto, diz, não teria condições de arcar com o colégio.
Cuidados na transição
Aluna do 8º ano do ensino fundamental, Maria Luiza tem uma rotina de estudos intensa. Além das aulas no Intelecto pela manhã, à tarde ela faz o curso preparatório para o Colégio Naval. Na parte da noite, a adolescente ainda revisa os conteúdos do dia. Andréa conta que a menina se exige demais:
— Ela se preocupa demais e se cobra até pelas pontuações no bolsão. Eu digo que já temos um desconto suficiente e que ela pode ficar tranquila. Ela só tem 13 anos, mas tem mentalidade de 54.
Para Andrea Ramal, doutora em Educação pela PUC-Rio, uma mudança de escola por questões financeiras é mais um desafio para as famílias no contexto da pandemia, que gerou grande impacto na aprendizagem. O caminho para evitar que a preocupação com as contas se reflita em pressão sobre as crianças de forma danosa, segundo ela, é o diálogo — da forma mais clara possível:
— O ideal é que as famílias conversem muito com as crianças sobre como está o trabalho do pai, da mãe, como estão as finanças, não para deixar a criança apavorada, mas para comprometê-la nessa ideia de que a família é uma comunidade, que deve se planejar e se replanejar diante dos desafios que vão surgindo. É preciso explicar que nada é definitivo, que são ciclos, e que as coisas pioram às vezes.
No Colégio Singular, também no ABC Paulista, o volume de alunos interessados em bolsas se manteve semelhante ao dos últimos anos. A diferença, contudo, se dá no momento de fechar negócio com a escola, que pratica mensalidades de, em média, R$ 1.500.
— Alguns alunos vêm, fazem o concurso de bolsa, mas, às vezes, o valor do desconto não é suficiente para a família. Nos últimos anos, tornou-se necessária uma negociação maior para que consigamos fechar a matrícula. Em alguns casos, as bolsas chegam a 60%, e ainda assim a família pede para fazer ajustes — diz Eduardo Zamborlini, supervisor de matrículas na instituição.
Fonte: O Globo, com adaptações – acesso em 10/10/22