BULLYUING – INÉRCIA DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0031581-78.2011.8.19.0087 FLS.1
Apelante: Gabryel de Oliveira Miguel (representado por sua mãe Renata de Oliveira Miguel)
Apelado: Externato Alfredo Backer Ltda.
Relator: Desembargador Claudio de Mello Tavares
A C Ó R D Ã O
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA AJUIZADA POR MENOR ABSOLUTAMENTE INCAPAZ, INTEGRANTE DO CORPO DISCENTE DO ORA APELADO. ALEGAÇÃO DE BULLYING, CONSUBSTANCIADO EM SUCESSIVAS AGRESSÕES AO DEMANDANTE POR PARTE DE OUTROS ALUNOS. INÉRCIA DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO. RELAÇÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. MANIFESTO DEFEITO NA PRESTA-ÇÃO DE SERVIÇO, ANTE A FALTA DE PROVIDÊNCIAS GARANTIDORAS DA SEGURANÇA DO ALUNO NAS DEPENDÊNCIAS DO COLÉGIO. INCIDÊNCIA À ESPÉCIE DO ARTIGO 14, § 1º DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DANO MORAL CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR. PRETENSÃO DEDUZIDA, NO ENTANTO, JULGADA IMPROCEDENTE. RAZÕES RECURSAIS APTAS À REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA, PARA ACOLHER-SE O PEDIDO RELATIVAMENTE AO DANO IMATERIAL, VISTO QUE O DANO MATERIAL NÃO RESTOU SUFICIENTEMENTE PROVADO. AFASTAMENTO DA PRELI-MINAR DE NULIDADE DO JULGADO SUSCITADA PELO AUTOR AO FUNDAMENTO DE CERCEAMENTO DE DEFESA, TENDO EM VISTA A PLENA OBSERVÂNCIA, PELO DOUTO JU-ÍZO DE PRIMEIRO GRAU, DOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DE-FESA. PRELIMINAR RECHAÇADA. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação Cível nº 0031581-78.2011.8.19.0087 em que é Apelante Gabryel de Oliveira Miguel (representado por sua mãe Renata de Oliveira Miguel) e Apelado Externato Alfredo Backer Ltda.
ACORDAM os desembargadores que compõem a Décima Primeira Câmara Cível, por unanimidade, em afastar a preliminar de nulidade do julgado e, no mérito, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator.
Trata-se de Ação Indenizatória por Dano Material e Moral, com tramitação originária no douto Juízo de Direito da 2ª Vara Cível Regional de Alcântara – Co-marca de São Gonçalo, ajuizada por Gabryel de Oliveira Miguel (representado por sua mãe Renata de Oliveira Miguel), por dependência à Ação Cautelar nº 0028022-16.2011.8.19.0087.
Alegou o autor, menor absolutamente incapaz, que vem sofrendo sucessivas agressões físicas e psicológicas, além de discriminação racial por parte de seus colegas de escola, situação que se agravou pela inércia da direção da instituição de ensino, não obstante os reclamos de sua genitora com vistas à adequada solução ao problema.
Relatou a mãe do infante que ele passou a ter comportamento arredio à escola, demonstrando ser vítima de bullying, tendo, por vezes, chegado em casa com hematomas pelo corpo e marcas de compressão de pontas de lápis em sua pele.
Afirmou a genitora ter presenciado seu filho nas dependências do réu com as mãos para trás, imobilizado por outro menor de porte avantajado, enquanto outros menores desferiam-lhe socos, inclusive na cabeça.
Salientou que envidou todos os esforços para obter solução para a questão, mas prevaleceu a letargia do demandado, que nenhuma providência adotou.
Ressaltou que o menor apresenta sinais e sintomas oriundos das agressões, com constantes dores de cabeça e no estômago, especialmente nos dias de aula, evidenciando quadro de depressão e ansiedade.
Acrescentou que os colegas de classe o ameaçavam, dizendo que iriam surrá-lo e até mesmo matá-lo, como também aos membros de sua família.
Asseverou, outrossim, ter informado tais fatos à Secretaria de Educação, ao Conselho Tutelar e à 74ª Delegacia Policial, até porque o réu preferiu tratar o assunto como mera rusga entre crianças.
Postulou a “manutenção e confirmação da medida liminar deferida em sede cautelar”, bem como a condenação do réu em danos morais (nestes incluídos os danos psicológicos) no valor mínimo de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) e, para a hipótese de irreversibilidade de tais danos psicológicos, fosse a indenização fixada em valor mínimo de R$100.000,00 (cem mil reais).
Pleiteou, ainda, a condenação do réu nas perdas e danos materiais, consubstanciados na “manutenção de profissionais que vierem a ministrar educação escolar ao autor …” e no “reembolso de despesas médicas, locomoção e demais custos relativos ao atendimento das necessidades do menor”.
Requereu, ao final, a condenação do réu ao pagamento das custas processuais e honorários de advogado.
À fl. 82, foi deferida a gratuidade de justiça ao autor.
Em sua contestação de fls. 87/101, o réu suscitou a intempestividade deste feito, ao argumento de que foi intimado da sentença no processo cautelar em 14.11.2011, tendo sido a presente demanda distribuída em novembro de 2011.
Após afirmar que o autor indica “tendência novelesca”, declina sua versão quanto aos fatos envolvendo o menor e, sobretudo, duas outras crianças, de nomes Lucas Rodrigues e Mateus Jardim, que figuram nos relatos do demandante acerca dos maus-tratos.
Sustentou que a demanda afigura-se teratológica, daí postular sua improcedência.
O autor apresentou a réplica de fls. 133/134, seguindo-se a decisão saneadora de fls. 137/138, por meio da qual foi deferida a realização de prova oral, com a oitiva das testemunhas das partes, e de prova documental superveniente. O depoimento da parte autora foi indeferido, consoante fl. 141.
À fl. 142, o autor requereu a juntada de DVD que, segundo o demandante, contém provas quanto as inúmeras tentativas sem êxito de atendimento pelo réu de sua representante legal.
Em audiência, cuja ata se encontra às fls. 145/150, foi determinada a jun-tada por linha do aludido DVD.
Foram ouvidas, como informantes, Leila Monteiro, Coordenadora do Ensino Fundamental, e Aline Araújo, Psicóloga, que também trabalha na instituição-ré. Na oportunidade, foi adunado à fl. 151, pelo demandante, o Laudo de Exame de Corpo de Delito.
O Ministério Público de primeiro grau opinou, às fls. 152/160, pela procedência parcial do pedido, para condenar-se o réu ao pagamento de indenização por dano moral.
Pela douta sentença de fls. 161/169, a pretensão deduzida foi julgada improcedente, sendo condenado o autor ao pagamento das custas processuais e honorários de advogado, estes em 10% (dez por cento) do valor da causa, observando, no entanto, o disposto no artigo 12 da Lei nº 1060/1950.
Apela o demandante, suscitando a nulidade da sentença, ao argumento de que não lhe foi conferido o direito de apresentação de seu rol de testemunhas. Diz, também, que as informantes ouvidas em juízo não foram arroladas, estando “preclusas”, e que o indeferimento da juntada aos autos do DVD mencionado em audiência se afigura irregular.
No mais, renova suas alegações constantes de peças pretéritas, acrescentando que os depoimentos tomados em audiência mostraram-se contraditórios e que a Magistrada prolatora da sentença foi induzida a erro.
Pugna, ao final, pela anulação ou modificação integral da douta sentença, para julgar-se procedente o pedido. Instruiu o Apelo com as fotos de fls. 199/207 e os documentos de fls. 208/219.
O recurso foi recebido á fl. 220, sendo objeto das contrarrazões de fls. 222/225, em prestígio do julgado.
O Ilustre representante do Ministério Público de primeiro grau opinou pelo conhecimento do recurso. Relativamente ao mérito, consignou que a manifestação deveria ser promovida pelo Parquet com atuação neste Tribunal.
A douta Procuradoria de Justiça se pronunciou às fls. 268/274 pelo parcial provimento da Apelação.
É o Relatório.
Cumpre, desde logo, a análise da preliminar de nulidade da douta sentença suscitada pelo autor, ao argumento de que foram ouvidas “testemunhas preclusas” que “em nenhum momento foram arroladas ou requeridas”, restando configurado o cerceamento de defesa.
Data vênia, razão não assiste ao demandante.
Com efeito, não há de se cogitar de “testemunhas preclusas”, uma vez que a preclusão diz respeito a atos processuais e não a pessoas que, direta ou indiretamente, participem da demanda.
Saliente-se, outrossim, que, na espécie, sequer as pessoas ouvidas em audiência o foram na condição de testemunhas, mas sim de informantes, circunstância que, como consignado pela douta Procuradoria de Justiça no primeiro parágrafo de fl. 271, afasta a suspeição dos depoimentos.
Frise-se, por derradeiro, que o eventual inconformismo do autor em face da oitiva de tais informantes poderia e deveria ser suscitado pela via própria, com o manejo do recurso cabível, o que não ocorreu na espécie, pelo que se houve preclusão, esta se verificou pela letargia do próprio demandante. Aliás, muito embora afirme que impugnou a oitiva das informantes em audiência, não se vislumbra tal impugnação na ata correspondente.
O autor inquina, ainda, de nulidade, ao fundamento, também, de cerceamento de defesa, a decisão prolatada em audiência determinando a juntada por linha do DVD por ele trazido.
Ocorre que em face de tal decisum o demandante não apresentou insurgência na forma e no tempo previsto na lei processual. Remete-se o autor ao artigo 523, § 3º do Código de Processo Civil que prevê:
“Art. 523. Na modalidade de agravo retido o agravante requererá que o tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação.
§ 1o (…)
§ 2o (…)
§ 3o Das decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento caberá agravo na forma retida, devendo ser interposto oral e imediatamente, bem como constar do respectivo termo (art. 457), nele expostas sucintamente as razões do agravante.”
Afasta-se, pois, a preliminar.
Antes de se ingressar no mérito da lide, cumpre salientar, ainda, que o autor instruiu seu recurso de Apelação com os documentos de fls. 199/219. A juntada se mostra manifestamente extemporânea, sobretudo por dizer respeito a fatos ocorridos antes mesmo da propositura da presente demanda.
Como se sabe, encerrada a instrução, a apresentação de documentos somente é admitida excepcionalmente, seja para a comprovação de fatos novos, seja pela impossibilidade de exibição oportuna.
O demandante sequer traz qualquer mínima justificativa para a aludida juntada intempestiva, até porque não se trata de documentos novos, restando configurada a preclusão consumativa.
A propósito:
“APELAÇÃO CÍVEL Nº 0078787-86.2010.8.19.0002 – DES. ANTONIO ILOIZIO B. BASTOS – JULGAMENTO: 28/11/2012 – DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL.
APELAÇÃO CÍVEL. SUMÁRIO. RELAÇÃO DE CONSUMO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. INTERRUPÇÃO NO FORNECI-MENTO DE ENERGIA ELÉTRICA – AMPLA S/A. TEMPO-RAL. 1. Inobstante a ocorrência de falta de energia decorrente de temporal seja imprevisível, houve inegável demora no restabelecimento do fornecimento de energia. 2. Não observância pela concessionária do disposto no artigo 91, § 2º, da Resolução 456/2000 da ANEEL. 3. Dano moral corretamente reconhecido. 4. Sentença que julgou parcialmente procedente o pedido e condenou a ré a compensação por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 5. Quantum indenizatório fixado em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 6. Incabível a juntada de documentos após a prolação da sentença, porquanto afronta o princípio da preclusão temporal prevista no artigo 396 do Código de Processo Civil. Com efeito, a juntada extemporânea de documentos só se justifica para comprovar fatos novos ou para contrapor os fatos produzidos nos autos, ex vi do artigo 397 do Código de Processo Civil. 7. Recursos aos quais se nega seguimento, na forma do artigo 557, caput, do CPC.”
Assim, mantém-se referidos documentos nos autos por mera liberalidade, sem qualquer interferência no decisum.
Ao se adentrar, efetivamente, ao mérito da demanda, cumpre consignar, desde logo, que se trata de relação de consumo, configurando-se o autor consumidor e a instituição de ensino ré fornecedora de serviços, nos termos dos artigos 2º e 3º da Lei nº 8078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), que estipulam:
“Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”
A responsabilidade do fornecedor de serviços é objetiva, nos termos do artigo 14 do aludido Código:
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – o modo de seu fornecimento;
II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi fornecido. § 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”
O cotejo entre tais preceitos, os fatos narrados e a prova dos autos conduz à conclusão que assiste razão em parte ao demandante.
Com efeito, os autos contêm expressivo acervo de documentos que corroboram os fatos declinados pelo autor. À guisa de exemplificação, tem-se as comunicações da genitora do menor ao réu (fls. 24/26 e 29), prescrições e laudos médicos relativos ao menor (fls. 30/34 e 86), Registro em Delegacia Policial (fls. 35/37, 40/48), comunicações da mãe do autor à Secretaria de Educação (fls. 50/56) e ao Conselho Tutelar (fls. 57/61), encontrando-se, às fls. 151, o laudo de exame de corpo de delito do menor Gabryel de Oliveira Miguel.
Do contexto dos autos, em especial dos documentos de fls. 118/119, emanados da Secretaria de Estado de Educação, por meio de sua Coordenação de Inspeção Escolar, depreende-se que, no âmbito do feito cautelar, preparatório à presente demanda, houve a determinação para que o réu custeasse profissionais qualificados para que ministrassem aulas ao autor no seu domicílio, o que, segundo os elementos dos autos foi, pelo menos em parte, cumprido.
Observa-se, outrossim, que não obstante procure o réu minimizar a gravidade dos fatos, atribuindo conotação de mera implicância entre crianças, sem maiores consequências, o fato é que o demandado estava, sim, plenamente cônscio das graves ocorrências, não se vislumbrando, entretanto, a adoção de efetivas medidas tendentes a pôr um ponto final aos lamentáveis fatos.
Saliente-se que a informante Leila Monteiro declarou em Juízo, consoante fls. 146/147, que nas vezes em que a mãe do autor se reuniu com a depoente, sempre se queixou de que seu filho estava sendo vítima de bullying, conceituado como agressões intencionais, verbais ou físicas, feitas de maneira repetitiva, por um ou mais alunos contra um ou mais colegas.
Portanto e, à toda evidência, o réu de tudo sabia, e se não se manteve totalmente inerte, muito pouco fez para solucionar o problema, não obstante lhe coubessem as providências garantidoras da segurança do aluno em suas dependências.
Patente é, pois, o defeito no serviço, exatamente por não ter sido fornecido ao consumidor a segurança esperada.
A propósito:
“REsp 762075 / DF – RECURSO ESPECIAL 2005/0099622-8 – Relator: Ministro LUIS FELIPE SALO-MÃO – Órgão Julgador: QUARTA TURMA – Data do Julgamento: 16/06/2009 – Data da Publicação/Fonte: DJe 29/06/2009 – CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ACIDENTE OCORRIDO COM ALUNO DURANTE EXCURSÃO ORGA-NIZADA PELO COLÉGIO. EXISTÊNCIA DE DEFEITO. FA-TO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. AU-SÊNCIA DE EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE.
1. É incontroverso no caso que o serviço prestado pela instituição de ensino foi defeituoso, tendo em vista que o passeio ao parque, que se relacionava à atividade acadêmica a cargo do colégio, foi realizado sem a previsão de um corpo de funcionários compatível com o número de alunos que participava da atividade.
2. O Tribunal de origem, a pretexto de justificar a aplicação do art. 14 do CDC, impôs a necessidade de comprovação de culpa da escola, violando o dispositivo ao qual pretendia dar vigência, que prevê a responsabilidade objetiva da escola.
3. Na relação de consumo, existindo caso fortuito interno, ocorrido no momento da realização do serviço, como na hipótese em apreço, permanece a responsabilidade do fornecedor, pois, tendo o fato relação com os próprios riscos da atividade, não ocorre o rompimento do nexo causal.
4. Os estabelecimentos de ensino têm dever de segurança em relação ao aluno no período em que estiverem sob sua vigilância e autoridade, dever este do qual deri-va a responsabilidade pelos danos ocorridos.
5. Face as peculiaridade do caso concreto e os critérios de fixação dos danos morais adotados por esta Corte, tem-se por razoável a condenação da recorrida ao pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de danos morais.
6. A não realização do necessário cotejo analítico dos acórdãos, com indicação das circunstâncias que identifiquem as semelhanças entre o aresto recorrido e os paradigmas implica o desatendimento de requisitos indispensáveis à comprovação do dissídio jurisprudencial.
7. Recursos especiais conhecidos em parte e, nesta parte, providos para condenar o réu a indenizar os danos morais e materiais suportados pelo autor.”
Cabe destacar que o acórdão relativo ao aresto ora reproduzido, ao tecer comentários acerca do defeito na prestação do serviço, ocorrente quando não é fornecida ao consumidor a segurança esperada, consignou com propriedade:
“Destaca-se que a teoria da responsabilização pelos riscos criados foi também acolhida pelo art. 927, parágrafo único, do CC/2002, que prevê a responsabilidade objetiva quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco aos direitos de outrem. Essa disposição, remete, por sua vez, a atividade dos educandários, prevista no art. 932, IV, do CC/20002 (antigo art. 1.521, IV, do CC/1916).
Nesse sentido o seguinte precedente:
‘Indenização. Vítima de acidente ocorrido durante treinamento de judô, ministrado por preposto da recorrida, que a deixou tetraplégica. Acidente ocorrido em virtude de negligência do professor. Comprovados a conduta, os danos e o nexo de causalidade, presente o dever de indenizar da recorrida que responde pelos atos do seu preposto. Código de Defesa do Consumidor, art. 14, § 3º. Aplicação. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (REsp 473085/RJ, Rel. Ministro CASTRO FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/06/2004, DJ 23/05/2005 p. 267)’”
Vale ressaltar que os mencionados artigos do Código Civil têm a seguinte redação:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I – (…) II – (…) III – (…) IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V – (…)”
Na espécie, desde que o estabelecimento de ensino não adotou as medidas que se faziam imperiosas para restabelecer a segurança do autor, reiteradamente agredido por outros alunos, trouxe para si a responsabilidade pelo evento danoso.
Tenha-se presente que as aludidas agressões importaram no quadro de fobia, depressão e ansiedade, consoante laudo médico neurológico de fl. 32, o que poderia ser evitado se o réu tivesse adotado as providências pertinentes.
Vale, neste ponto, lembrar as seguintes disposições que integram o Estatuto da Criança e do Adolescente:
“Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.”
O conjunto fático-probatório demonstra que as disposições acima não foram observadas em sua integralidade, restando inegavelmente evidenciado o dano moral e, em decorrência do qual o dever de indenizar.
Quanto ao arbitramento do valor a tal título, trata-se de árdua tarefa, à míngua de critérios puramente objetivos, devendo o Magistrado se orientar pelo bom senso, inseparável do Direito, e pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, observados o grau de lesão e a capacidade econômica e financeira das partes, havendo de se perquirir, neste feito em particular, acerca da pessoa da vítima. Por outro lado, a reparação não pode se converter em fonte de lucro ou de enriquecimento, tampouco fique aquém do necessário para compensar a parte lesada.
Nessa perspectiva, devem os danos morais ser fixados em R$40.000,00 (quarenta mil reais), valor que se afigura consentâneo com os elementos dos autos.
Os danos materiais não foram quantificados pelo autor, sequer cabalmente comprovados, não merecendo acolhimento.
À vista de todo o exposto, rechaça-se a preliminar de nulidade da sentença e, no mérito, dá-se parcial provimento ao recurso nos termos da presente fundamentação. Condena-se o réu ao pagamento das custas judiciais e dos honorários de advogado, ora fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Rio de Janeiro, 20 de maio de 2015.
Desembargador Claudio de Mello Tavares
Presidente/Relator