BULLYING – RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO – COMPORTAMENTO DO PROFESSOR CAUSANDO DANOS A ESCOLA
Apelação cível
Ação indenizatória por danos morais. Bullying.
Comentários preconceituosos acerca da sexualidade do aluno, por parte do professor em sala de aula, que resultaram em comentários pejorativos contra a vítima na internet. Procedência do pedido formulado em face do professor e improcedência do pedido endereçado à instituição de ensino e respectiva coordenadora. Recurso autoral visando a majoração da indenização e reconhecimento da responsabilidade solidária dos demais réus. Reforma parcial. Relação de consumo. Art. 14, § 1º do CDC.
Dano
Dano causado durante a prestação de serviço educacional, fazendo incidir a responsabilidade solidária da instituição de ensino por ato praticado por seu funcionário, no caso, o professor, que, pela própria natureza da sua nobilitante função social, deveria apresentar comportamento exemplar e irrepreensível diante dos seus alunos. Precedentes. 2 Inexistência de ato ilícito por parte da coordenadora da escola, que apenas tentou remediar a situação e convencer o professor a apresentar desculpas ao ofendido.
Provimento parcial do recurso para reconhecer a responsabilidade solidária da instituição de ensino, com majoração da condenação por danos morais para o montante de R$6.000,00.
Fonte: TJ RJ
28/02/2018
INTEIRO TEOR
ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
Apelação Cível nº Apelante:
Apelados:
Relator: Desembargador Luciano Saboia Rinaldi de Carvalho
(Classificação: 02)
Apelação cível. Ação indenizatória por danos morais. Bullying. Comentários preconceituosos acerca da sexualidade do aluno, por parte do professor em sala de aula, que resultaram em comentários pejorativos contra a vítima na internet. Procedência do pedido formulado em face do professor e improcedência do pedido endereçado à instituição de ensino e respectiva coordenadora. Recurso autoral visando a majoração da indenização e reconhecimento da responsabilidade solidária dos demais réus. Reforma parcial. Relação de consumo. Art. 14, § 1º do CDC. Dano causado durante a prestação de serviço educacional, fazendo incidir a responsabilidade solidária da instituição de ensino por ato praticado por seu funcionário, no caso, o professor, que, pela própria natureza da sua nobilitante função social, deveria apresentar comportamento exemplar e irrepreensível diante dos seus alunos. Precedentes.
Inexistência de ato ilícito por parte da coordenadora da escola, que apenas tentou remediar a situação e convencer o professor a apresentar desculpas ao ofendido. Provimento parcial do Recurso para reconhecer a responsabilidade solidária da instituição de ensino, com majoração da condenação por danos morais para o montante de R$6.000,00.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº 0017379-79.2015.8.19.0209, em que é apelante MATHEUS FIDELIS MURTA e apelados _________________________________ objetivando a condenação dos Réus ao pagamento de indenização por danos morais ao Autor, em valor a ser arbitrado pelo Juízo, além do pagamento das custas processuais e honorários advocatícios na base de 20% sobre o valor da condenação.
Acordam os Desembargadores que compõem a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em conhecer e dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator.
RELATÓRIO
Cuida-se de ação de reparação por danos morais proposta por MATHEUS FIDELIS MURTA em face de __________________________, objetivando a condenação das Rés ao pagamento de indenização por danos morais em valor a ser arbitrado pelo Juízo, bem como ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes no percentual de 20% sobre o valor da condenação, tudo com a devida atualização.
Narra o Autor na petição inicial (fls. 03/15) que alguns alunos da escola ____________________ teriam feito comentários pejorativos durante a aula do 2º Réu (professor), tendo este determinado que saíssem da sala, demonstrando nesse momento sentimento de homofobia ao se dirigir ao Autor como se fosse uma menina e, posteriormente, lhe perguntando se já teria decidido ser ele ou ela. Alega que, em decorrência desses fatos foram todos encaminhados para a sala de Coordenação do Colégio, onde a Coordenadora (3ª Ré) quis encerrar o episódio alegando que o Professor (2º Réu) pediria desculpas pelo ocorrido, o que não foi aceito. Afirma que o Colégio só tomou providências sobre o fato após ter recebido intimação para a audiência no Juizado Especial Criminal, afastando o 2º Réu de lecionar para a turma, o que não impediu a divulgação na página da internet do Colégio de comentários depreciativos sobre o Autor, fazendo que se sentisse constrangido e humilhado.
A petição inicial foi instruída com os documentos de fls. 16/30.
Regularmente citados, os Réus apresentaram contestação em peça única (fls. 57/64) aduzindo que o professor (2º Réu) apenas confundiu o Autor com uma menina, o que não configura homofobia ou bullying. Ademais, afirma que o pedido de desculpas após o equívoco afasta a possibilidade de procedência do pedido. Argumentam, ainda, que os prints juntados ao processo não são da página do colégio, mas sim provenientes de grupos de alunos.
Réplica às fls. 117/120, em que o Autor insiste em sua versão sobre os fatos e junta fotos.
Às fls. 134 foi proferida decisão deferindo a produção de prova oral e designando audiência.
Às fls. 141 e seguintes foi juntado pelos Réus os prints da página do facebook do Autor.
Audiência de Instrução e Julgamento conforme assentada de fls. 293/295, tendo sido ouvido os depoimentos pessoais do 2º, da 3ª Ré e do Autor, além dos depoimentos de um informante e de testemunhas (fls. 296/323).
Autor).
Memoriais às fls. 325/327 (dos Réus) e às fls. 332/335 (do
A sentença de fls. 346/349, proferida pela Juíza da 6ª Vara Cível Regional da Barra da Tijuca, julgou improcedente o pedido autoral em face do 1º Réu (escola) e da terceira ré (coordenadora) e procedente o pedido em face do segundo réu (professor), fixando a indenização por danos morais em R$3.000,00, com correção monetária desde a sentença e juros legais de 1% desde a citação.
Inconformado, apelou o Autor (fls. 352/359) alegando que os serviços educacionais prestados pelas escolas privadas, mediante remuneração, configuram relação de consumo e sujeitam-se às disposições previstas no Código de Defesa do Consumidor. Argumenta que o Apelante tinha apenas 16 anos na época do fato e era aluno novo, de sorte que tendo a instituição (1ª Ré) recebido a guarda do menor, ainda que provisória, tinha o dever de resguardá-lo do risco do bullying que veio a sofrer em decorrência do ato preconceituoso do professor (2º Réu), apesar de o fato ter sido levado ao conhecimento da Coordenadora (3ª Ré) que nada resolveu e ainda fez insulto ao Apelante. Sustenta que, sendo a 1ª Ré (escola) responsável pelos atos praticados pelos seus prepostos, resta perfeitamente claro que todos são responsáveis pela violação da intimidade, da vida privada e da honra do Apelante, devendo responder pelo dano moral que causaram. Destaca a condenação junto ao JECRIM, tendo em vista a transação penal aceita por todos. Invoca arestos jurisprudenciais em defesa da sua tese e pede a reforma da sentença para que seja elevado valor da indenização deferida a título de danos morais em relação a condenação do 2º Apelado (professor) e julgados procedentes os pedidos de indenização por dano moral em face das 1ª e 3ª Apeladas.
Regularmente intimados, os Apelados não apresentaram contrarrazões (fls. 368).
É O RELATÓRIO. PASSO AO VOTO.
O recurso é tempestivo e estão presentes os demais requisitos de admissibilidade, devendo, portanto, ser conhecido em seus regulares efeitos.
Conforme relato das testemunhas, indicado na sentença, resta evidenciado o dano moral em decorrência dos comentários pejorativos perpetrados pelo professor em sala de aula contra o aluno, que após rendeu repercussão jocosa nas redes sociais dos alunos. A sentença foi precisa nesse ponto ao reconhecer a responsabilidade civil.
Entretanto, a instituição de ensino se enquadra no conceito de fornecedor previsto no artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, que consagra a responsabilidade civil objetiva dos fornecedores de serviços, fundada na Teoria do Risco do Empreendimento, prescindindo da demonstração pelo consumidor da existência de culpa pelo prestador, bastando comprovar o dano sofrido e o nexo de causalidade entre este e o defeito do serviço.
In casu, a conduta ilegal do professor (2º Réu) importa na386 responsabilidade solidária da instituição de ensino (1ª Ré), a teor do que dispõe o artigo 14, § 1º, do CDC. É dever da escola selecionar professores que se destaquem não apenas pelo conhecimento acadêmico, mas também pela conduta ética e respeitosa diante dos alunos. A sociedade espera que os mestres sejam agentes de combate às intolerâncias, e não participantes delas.
Em resumo: o dano foi causado durante a prestação de serviço educacional, o que faz incidir a responsabilidade solidária da instituição de ensino por ato praticado por seu funcionário, no caso, o professor, que, pela própria natureza da sua nobilitante função social, deveria apresentar comportamento exemplar e irrepreensível diante dos seus alunos.
Com isso, deve ser reconhecida a responsabilidade civil da instituição de ensino pelo evento narrado nos autos, por ato ilegal praticado por seu funcionário.
Sobre o tema, seguem precedentes:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. ESTABELECIMENTO DE ENSINO. ADOLESCENTE REPREENDIDO POR UTILIZAR CELULAR DURANTE AULA DE GEOGRAFIA. PROFESSOR QUE APREENDE APARELHO CELULAR E QUESTIONA A LICITUDE DE SUA PROCEDÊNCIA. CONSIDERAÇÃO QUE NÃO DIZ RESPEITO AO OBJETO DA APREENSÃO E QUE REPERCUTIU DE FORMA NEGATIVA NO ÂNIMO DO AUTOR. DANO MORAL CONFIGURADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO POR ATOS DE SEUS PREPOSTOS. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA QUE DEVERÃO INCIDIR SOBRE A QUANTIA ARBITRADA. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO, TÃO APENAS PARA DETERMINAR QUE SOBRE A QUANTIA DEVIDA PASSE A INCIDIR JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. (0307355-97.2011.0001 – Apelação – Des(a). MARGARET DE OLIVAES VALLE DOS SANTOS – Julgamento: 20/10/2014 –VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL CONSUMIDOR) RESPONSABILIDADE CIVIL – DANOS MORAIS – ESTABELECIMENTO DE ENSINO – EXPERIÊNCIA COM ALUNOS QUE PODERIA LEVAR À MORTE – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA INSTITUIÇÃO POR ATO DE SEUS PREPOSTOS –
Experiência na aula de Ciências ministrada pelo segundo réu, consistente na colocação de um saco plástico na cabeça pelo máximo de tempo que o aluno suportasse, para que fossem constatados os efeitos da inalação de gás carbônico no organismo humano, da qual decorre a responsabilidade solidária da instituição de ensino por ato de seu preposto. A culpa do professor importa responsabilidade objetiva da instituição ré, a teor do artigo 14, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, somente elidida ante a comprovação da ausência de participação do seu preposto no resultado lesivo, prova esta que não logrou produzir. Falha na prestação de serviço a ensejar o direito à indenização por danos morais. Verba indenizatória fixada de maneira parcimoniosa, devendo ser majorada. Provimento ao recurso. (0115487-64.2010.8.19.0001 – Apelação – Des. EDSON AGUIAR DE VASCONCELOS – Julgamento: 30/11/2011 – DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL)
Em relação à Coordenadora (3ª Ré), não foi identificada a prática de qualquer ilícito, tendo, inclusive, atenuado a extensão do dano ao convencer o professor a apresentar desculpas ao ofendido. Assim, deve ser confirmada a improcedência do pedido em relação a ela.
Pelo exposto, voto no sentido de conhecer e dar parcial provimento ao recurso do Autor, reconhecendo a responsabilidade solidária da instituição de ensino pelos fatos ocorridos, com majoração da indenização moral para o montante de R$6.000,00 (seis mil reais).
Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 2018
LUCIANO SABOIA RINALDI DE CARVALHO
Desembargador Relator