AS CONSEQUÊNCIAS DA PANDEMIA NA EDUCAÇÃO: UM RETROCESSO CIVILIZATÓRIO
Em entrevista à Isto É, a educadora e gestora pública Claudia Costin, 63 anos, observa com atenção a crise da educação no Brasil. Se já era séria antes da pandemia, principalmente por conta do déficit de aprendizagem e de uma profunda desigualdade no ensino, a crise agora se agravou e vem acompanhada do negacionismo e da rejeição ao conhecimento. Sem o comando estratégico do Ministério da Educação (MEC), o ensino só não está sendo abandonado por conta do grande esforço de estados e municípios. “O problema não é só a educação das futuras gerações, mas também de uma sociedade que não quer ter contato com o saber, com a ciência”, disse Claudia à ISTOÉ. “O Brasil precisa romper com essa lógica de negação da inteligência.”
Que tipo de consequência essa longa interrupção das aulas nas escolas brasileiras pode trazer?
Infelizmente é muito triste o que está acontecendo, é uma pandemia que traz crise sanitária importante, com perdas de vida e com muita gente adoecendo, e há também uma crise econômica, com muita gente perdendo sua fonte de renda. E existe crise educacional, sem dúvida. Para quem fantasiava que homeschooling era a solução para os problemas educacionais brasileiros, ficou muito claro que não é dessa forma que se pode garantir aprendizado a crianças e jovens. A aula presencial, especialmente na educação básica, é fundamental.
A educação à distância não resolve?
Ensinar à distância não é impossível. Evidentemente houve um processo de mitigação de danos com o fato dos jovens estarem distantes das escolas, de tentar aprender um pouco, de não ter tanta perda de aprendizagem, como teria sido o caso se a gente tivesse cedido a uma narrativa paralisante que dizia que, se nem todos tem conectividade, não vamos fazer nada. Ainda bem que 82% dos municípios montaram alguma estratégia de dar aulas à distância, seja na forma de plataformas digitais, televisão, rádio foi muito usado, cadernos impressos enviados para as casas das crianças, e isso em todos os estados. As redes estaduais fizeram alguma coisa, mas é evidente que isso não substitui a escola presencial.
Esse tempo pode ser recuperado?
Não vou subestimar as perdas, mas em educação tudo é recuperável. Vai levar muito tempo e vai trazer danos para essas crianças e jovens. Vamos ter um risco enorme de abandono escolar, as pesquisas já vêm mostrando isso, e, se quisermos reerguer a educação brasileira, precisaremos fazer busca ativa desses jovens que se desengajaram da escola, caso contrário eles não terão futuro.
A pandemia expôs questões que estavam mascaradas?
A pandemia iluminou problemas que a gente vivia e que talvez não estivessem tão claros para todos, como a crise de aprendizagem e as profundas desigualdades educacionais. O Pisa, teste internacional de qualidade na educação, mostra que o Brasil é a segunda economia mais desigual do ponto de vista educacional entre as 79 que participaram do levantamento. E isso é pré-pandemia. Imagine um ano inteiro dentro de casa, uns com livros e pais com repertório cultural diversificado e outros acumulados num cômodo inadequado para aprender sem conectividade. É bem desigual. E vai aprofundar a desigualdade de uma maneira extrema.
A senhora acha que um novo normal irá se impor?
Vamos viver uma transformação profunda da educação. Em primeiro lugar, porque ficou claro que a conectividade é importante. A União Europeia, por exemplo, criou um processo para desenvolver competências digitais. O próprio Brasil já tinha posto a competência digital como a de número 5 na Base Nacional Curricular, como um fator essencial para o século 21. E com tudo o que aconteceu houve um número muito grande de professores que aprenderam a dar aulas de outras maneiras. Não vou dizer que são perfeitas ou que o mundo digital vai fazer desaparecer o mundo presencial. O que vai haver é um híbrido de ensino digital com presencial, mas não é qualquer híbrido.
Qual é, então, esse híbrido?
A gente vai aprender como construir algo que funcione nesses tempos em que a inteligência artificial está substituindo o trabalho humano numa velocidade que não tem precedentes na história, inclusive o trabalho humano que demanda competências intelectuais. O mundo do trabalho vai ser mudado frente à chamada 4ª Revolução Industrial. E o que vai mudar na educação não é só a tecnologia. Se os robôs vão nos substituir, temos de trabalhar cada vez mais com os alunos competências e habilidades que os robôs não poderão desenvolver, pelo menos em curto prazo, como a solução colaborativa de problemas com criatividade ou o pensamento crítico. Estamos caminhando para o aprendizado baseado em projetos e na solução de problemas.
Isso exige um atendimento personalizado do aluno?
Há pesquisadores em educação que mostram que a inteligência não é dado, os talentos não são dados fixos. Você pode — e esse é o papel da educação — desenvolver muito mais os talentos do que a gente imaginava há alguns anos. Nós vamos ter de olhar para cada criança e aprender a trabalhar com a aprendizagem de cada uma individualmente. Uma das coisas interessantes que esse período da pandemia nos trouxe foi gerar — já que o processo de ensino está acontecendo em plataformas digitais — dados de aprendizagem. Existem agora as plataformas adaptativas. Você consegue identificar as insuficiências de aprendizagem do aluno e dirigi-lo para a aula digital para completar o aprendizado. Isso permite a personalização do processo de ensino
O MEC abriu mão de qualquer papel estratégico e insiste em homeschooling. O que a senhora acha dessa prática?
O que está errado, em um momento como o atual, é o governo achar que é uma agenda importante. O homeschooling resolve a situação de uma parcela pequena da sociedade. Temos questões graves na educação e esse seria um dos últimos problemas na lista de prioridades.
Fonte: Isto É, acesso em 04/05/21
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