Jurisprudência
27 jul 15 10:21

ALUNO INDENIZADO EM R$ 15 MIL APÓS CONSTRANGIMENTO – REVISTA ÍNTIMA

Um aluno que foi submetido a uma revista íntima após o cartão de passagem de uma professora de artes supostamente sumir da sala de aula será indenizado em R$ 15 mil como reparação por danos morais. Na sentença proferida pelo juiz da Fazenda Pública Estadual da Serra, Carlos Alexandre Gutmann, ainda fica determinado que o valor da condenação será corrigido monetariamente e acrescido de juros.

De acordo com o processo de n° 0022348-15.2013.8.08.0048, em outubro de 2010, enquanto dava aula em uma escola estadual da região, uma professora da disciplina de artes percebeu que seu cartão de passagem havia sumido.

A professora teria perguntado a todos os alunos se alguém tinha visto o cartão, recebendo resposta negativa da sala toda. Não tendo conseguido a informação por parte dos alunos, a docente resolveu chamar o coordenador da instituição, sendo que o mesmo revistou todos os pertences de B.J.P. e dos demais alunos.

Não tendo encontrado o cartão em meio ao material dos alunos, o coordenador juntou-se a outra coordenadora, e resolveram fazer uma revista íntima nos estudantes, encaminhando-os, de três em três, para o banheiro para que os mesmos tirassem a roupa.

O juiz entendeu que de fato o autor foi submetido a constrangimento reprovável, sem nada que justifique a atitude dos coordenadores da escola.

O magistrado ainda ressaltou alguns pontos graves da atitude do coordenador, dizendo que, não satisfeitos com a situação vexatória vivida pelo estudante em sala de aula, os coordenadores encaminharam o autor ao banheiro determinando que ele retirasse toda a sua roupa, causando desconforto e constrangimento perante terceiras pessoas, finalizou o juiz.




Partes do Processo

Requerente

BRUNO DE JESUS PAGANINI

        12730/ES – GLAUBER ARRIVABENE ALVES

   IVANILDA SILVA DE JESUS

        12730/ES – GLAUBER ARRIVABENE ALVES

Requerido

   ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

        16474/ES – MARCOS JOSE MILAGRE

        10625/ES – ELAINE PEREIRA DA SILVA

 Juiz: CARLOS ALEXANDRE GUTMANN


Sentença

VISTOS E EXAMINADOS ESTES AUTOS DE AÇÃO INDENIZATÓRIA AUTUADOS NESTE JUÍZO SOB Nº. 0022348-15.

BRUNO DE JESUS PAGANINI, menor de idade, representado por sua genitora Sra. IVANILDA SILVA DE JESUS, devidamente qualificado, propôs a presente AÇÃO INDENIZATÓRIA em face do ESTADO DO ESPÍRITO SANTO,  pelos seguintes fundamentos de fato e de direito:

O autor era estudante da Escola Estadual “Elice Baptista Gaudio” localizada no bairro de Serra Dourada II, neste município.

Que no dia 27/10/2010 estava em sala de aula quando a professora de artes deu falta de seu cartão de passe, tendo indagado a todos os alunos se alguém estava na posse dele, sendo respondido negativamente.

Que o coordenador Sr. Felipe Nobre de Souza entrou na sala e procedeu a revista em todas as mochilas e pertences do autor e demais alunos, nada sendo encontrado.

Que o coordenador, juntamente com a coordenadora Sra. Marilza, determinaram que os alunos, de três em três, se dirigissem ao banheiro da escola e tirassem as roupas para revista íntima.

Requer indenização por danos morais em razão desses fatos.

Juntou documentos à inicial.

Devidamente citado, o réu apresentou contestação às fls. 41/48 alegando inexistência de dano e denunciação da lide.

Manifestação do Ministério Público às fls. 52/53.

Decisão às fls. 57/59 indeferindo o pedido de denunciação.

Agravo retido às fls. 60/63 e manifestação do autor às fls. 67/71 e 72/77.

Intimadas as partes para produção de provas, manifestaram-se às fls. 81 e 83.

Audiência de instrução às fls. 95, oportunidade em que foi dispensada por esse juízo a oitiva da testemunha arrolada.

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

O processo em questão comporta o julgamento antecipado, nos termos do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, haja vista que a questão controvertida nos autos é meramente de direito, mostrando-se, por outro lado, suficiente a prova documental produzida, para dirimir as questões de fato suscitadas, de modo que desnecessário a produção de outras provas.

Quanto ao mérito, o pedido é procedente.

É incontroverso que no dia 27 de outubro de 2010 o autor foi submetido a uma revista íntima dentro do banheiro da escola pública.

Esse fato é corroborado pelas reportagens e boletim de ocorrência juntados pelo autor (fls. 17/24).

A questão é definir se o ato praticado pelos coordenadores da escola dá ensejo a uma indenização.

Sobre a responsabilidade civil da Administração Pública, dispõe a Constituição Federal:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

  • 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Consagrou-se, assim, a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público. Significa que tal responsabilidade passou a fundar-se na causalidade e não mais na culpabilidade, autorizando o novo ordenamento jurídico o reconhecimento da responsabilidade sem culpa de tais pessoas jurídicas.

Discorrendo sobre a matéria, o renomado mestre Caio Mário da Silva Pereira (“in” Instituições de Direito Civil, Ed. Forense, v. III, 8ª ed. 1990, p. 397) assim se posiciona:

“Daí assentarmos a nossa posição já delineada aliás em o n. 115, no tocante a este problema e à sua solução: a regra geral, que deve presidir a responsabilidade civil, e a sua fundamentação na idéia de culpa; mas, sendo insuficiente esta para atender às imposições do progresso, cumpre ao legislador fixar especialmente os casos em que deverá ocorrer a obrigação de reparar, independentemente daquela noção. Não será sempre que a reparação de dano se abstrairá do conceito de culpa, porém quando o autorizar a ordem jurídica positiva”

Nos termos da norma insculpida no art. 37, § 6º, da Constituição Federal descabe examinar se houve ou não culpa do autor, respondendo objetivamente o Estado pelos danos causados por seus funcionários a terceiros, conforme determina o referido dispositivo.

Só a existência de culpa exclusiva da vítima poderia afastar ou mitigar-lhe a responsabilidade, pois, ao adotar a responsabilidade objetiva, tal admissão não implica na aceitação da teoria do risco integral, mas na do chamado”risco administrativo”, que admite temperamentos, tal como expõe, com maestria, o Ministro Carlos Mário da Silva Veloso (confira-se em”Temas de Direito Público”- Belo Horizonte, Del Rey – 1994 – p. 463/469).

Tal entendimento foi esposado no Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 68.107-SP – Rel. Min. Thompson Flores.

Na lição de Hely Lopes Meireles (in Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 27ª ed., 2002, p. 620):

“O risco administrativo não significa que a administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa, apenas e tão-somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente da indenização”.

A Constituição Federal adotou, pois a responsabilidade objetiva, com base na teoria do risco administrativo, na qual o que importa é a relação de causa e efeito, o nexo de causalidade entre o evento e o resultado.

No plano da responsabilidade objetiva, o dano ressarcível tanto resulta de ato doloso ou culposo como também de ato revelador de falha da máquina administrativa e que se tenha caracterizado como injusto para o particular, como lesivo a direito subjetivo, independente de culpa de agente. Mister se faz, no entanto, a prova de que a lesão ocorrida resultou induvidosamente do fato da atividade administrativa, do procedimento comissivo ou omissivo da Administração. Havendo o dano e o nexo de causalidade entre este e a conduta do agente, surge a obrigação de indenizar, mesmo não havendo culpa.

De fato, o autor foi submetido a constrangimento reprovável, para o qual não concorreu, em nada justificando a atitude dos coordenadores da escola.

Primeiramente o autor foi revistado em sala de aula, através da mochila, sob a suspeita de apropriar de um cartão de passe da professora. Não satisfeitos, os coordenadores encaminharam o autor ao banheiro determinando que ele retirasse toda a sua roupa, causando desconforto e constrangimento perante terceiras pessoas.

É inegável que o autor teve sua dignidade abalada diante dessa atitude dentro da escola.

À escola, uma vez constatado o desaparecimento do cartão da professora, assistia o legítimo direito de comunicar o fato à polícia e desta exigir a apuração, de modo que se por iniciativa da polícia, os alunos viessem a ser submetidos à revista a escola não teria qualquer responsabilidade, porque a polícia tem o poder de proceder à investigação utilizando os meios que lhe parecerem mais adequados para o descobrimento da verdade. É o órgão do Estado encarregado desta missão.

O que não pode é a escola, agindo como se fosse um órgão investigador, se aproveitando de sua maior força diante do aluno, expor, não só o autor, mas outros alunos a uma situação vexatória, qual seja, a de exibirem suas mochilas e se submeterem a revista íntima, para que pudesse ser encontrado o cartão desaparecido, ou seja, em última análise, desconfiando de furto ou apropriação indébita por parte dos alunos.

Nesse sentido:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL – ESTUDANTE QUE SOFRE CONSTRANGIMENTO E HUMILHAÇÃO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO DE ENSINO PÚBLICO – CULPA OBJETIVA DO ESTADO – DEVER DE INDENIZAR – DANOS MATERIAIS E MORAIS – FIXAÇÃO DO “”QUANTUM”” – DENUNCIAÇÃO DA LIDE AO AGENTE – ADMISSIBILIDADE. O Estado responde objetivamente pelos danos causados aos administrados, conforme preceito da CF 37, § 6º. Somente deixa de ser responsabilizado se demonstrar que o dano ocorreu por culpa exclusiva da vítima. Responde o Estado pela indenização se o aluno, durante sua permanência no interior de estabelecimento público, sofre humilhação e constrangimento, em decorrência de atitude imoderada de professor. É devida a indenização por danos morais se estiver patenteada a ofensa, por ato ilícito do agente, a direitos integrantes da personalidade e ao sentimento de auto-estima da vítima. Na fixação da indenização por danos morais deve-se levar em consideração sua gravidade objetiva, a personalidade da vítima, sua situação familiar e social, a gravidade da falta, além das condições do autor do ilícito. O ordenamento jurídico brasileiro admite a litisdenunciação feita pelo Estado ao servidor que tenha causado o dano, desde que comprovados o dolo ou a culpa. (TJ-MG, Relator: WANDER MAROTTA, Data de Julgamento: 16/11/2004)

O nexo causal entre o dano sofrido pelo autor, e a conduta dos coordenadores ficou sobejamente comprovado através da prova documental anexada aos autos.

Acresça-se que não houve contestação, pelo réu, quanto à conduta dos coordenadores, limitando-se apenas a apontar circunstâncias atenuantes, que lhe não retiram a responsabilidade de indenizar.

Em suma: responde o Estado pela reparação de danos materiais e morais se o aluno, durante sua permanência no interior de estabelecimento público, sofre dano psicológico em decorrência de conduta pouco recomendável de professor ou outro funcionário.

A indenização por danos morais, subsumida até mesmo a partir do art. 159 do Código Civil, integra-se na previsão legal, por não discriminar tipos de dano.

Sobre a obrigação de indenizar encontramos a resposta no mestre CLÓVIS BEVILÁQUA:

“Se o interesse moral justifica a ação para defendê-lo e restaurá-lo, é claro que tal interesse é indenizável, ainda que o bem moral se não exprima em dinheiro. É uma necessidade de nossos tempos e meios humanos, sempre insuficientes, e não raro grosseiros, que o direito se vê forçado a aceitar que se compute em dinheiro o interesse de aferição e os outros interesses morais.” (Teoria Geral do Direito, p. 30).

Quanto à fixação do quantum debeatur da indenização, deve o juiz ter em mente o princípio de que o dano moral não pode ser fonte de lucro, posto que extrapatrimonial, fundado na diminuição da autoestima pessoal e social, no caso em comento. A indenização, não há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano. O valor a ser arbitrado deve ser compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes.

Portanto, valorando-se as peculiaridades da hipótese concreta, bem como os parâmetros adotados normalmente pela jurisprudência para a fixação de indenização, em hipóteses símiles, fixo o dano moral em R$15.000,00 (quinze mil reais).

DISPOSITIVO:

ANTE O EXPOSTO, tudo o mais que dos autos consta, nos termos do artigo 269, inciso I do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para CONDENAR o ESTADO DO ESPÍRITO SANTO ao pagamento em favor do autor BRUNO DE JESUS PAGANINI o valor de R$15.000,00 (quinze mil reais) a título de danos morais, atualizada monetariamente pelo IPCA-E a partir de seu arbitramento (assim considerada a data da publicação da sentença no Diário da Justiça) e com juros de mora a partir da data do evento danoso (27/10/2010), nos termos do art. 1º-F da Lei 9494/94 (caderneta de poupança), com a redação dada pela Lei 11.960/09.

Condeno o requerido ao pagamento de honorários advocatícios, em favor do advogado do autor, que fixo em apreciação eqüitativa em R$ 1.000,00 (mil reais), considerando o espaço de tempo decorrido entre o ajuizamento da demanda e o seu julgamento e a ausência de complexidade da demanda, atualizado monetariamente pelo IPCA-E, de acordo com o artigo 1.º F, da Lei n.º 9.494/97 (ADIN 4425), a partir da publicação da sentença.

Deixo de condenar o requerido ao pagamento das custas processuais, em face da isenção que lhe é assegurada pelo artigo 20, V, da Lei Estadual n.º 9.974/2013.

P.R.I.

Serra, 22 de julho de 2015.

CARLOS ALEXANDRE GUTMANN

Juiz de Direito

Dispositivo

JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para CONDENAR o ESTADO DO ESPÍRITO SANTO ao pagamento em favor do autor BRUNO DE JESUS PAGANINI o valor de R$15.000,00 (quinze mil reais) a título de danos morais, atualizada monetariamente pelo IPCA-E a partir de seu arbitramento (assim considerada a data da publicação da sentença no Diário da Justiça) e com juros de mora a partir da data do evento danoso (27/10/2010), nos termos do art. 1º-F da Lei 9494/94 (caderneta de poupança), com a redação dada pela Lei 11.960/09.

 

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