ALUNA VÍTIMA DE BULLYING SERÁ INDENIZADA PELO COLÉGIO
A 3ª Vara Cível de Taguatinga condenou o Colégio Marista Champagnat de Taguatinga a indenizar, em danos morais e materiais, ex-aluna vítima de bullying. O colégio recorreu e a 1a Turma Cível do TJDFT deu parcial provimento ao recurso apenas para fixar prazo quanto ao custeio do tratamento psicológico imposto na sentença original. A decisão foi unânime.
A autora conta que estudava na instituição ré desde 2005, e que, no início de 2011, passou a sofrer agressões físicas e verbais de colegas de classe, juntamente com uma colega, por ambas possuírem problemas visuais. Diz que buscou a coordenadora da escola, por diversas vezes, para intervir junto aos colegas, mas que ela sempre ignorava seus pedidos e colocava “panos quentes” na situação. Afirma que sua mãe, ao procurar a escola, recebeu o mesmo tratamento da coordenadora, que insistia tratar-se de brincadeiras entre alunos. Sem ver qualquer atitude do colégio para coibir os ataques que recebia, sua mãe optou por transferi-la de escola.
A ré alega, em síntese, que a autora só fez uma reclamação sobre os fatos, em 25/8/2011. Diz que não houve omissão em face dessa reclamação, pois os alunos foram advertidos e posteriormente tiveram que assinar um termo de compromisso, juntamente com seus pais. Afirma, ainda, que não houve reincidência, nem qualquer notícia de que a autora estivesse com problemas psicológicos em virtude dos fatos.
Ao analisar o caso, a julgadora originária registra que “no momento em que os pais entregam seus filhos menores aos cuidados da escola, esta assume a responsabilidade por sua integridade, seja ela física, psíquica ou emocional, face ao dever de guarda e vigilância intrínseco à atividade educacional. (…) Assim, sendo a escola fornecedora de serviços, sua responsabilidade pelos danos causados ao consumidor-aluno é objetiva, em razão da teoria do risco da atividade, estampada no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. (…) Tratando-se de responsabilidade objetiva, não se exige, para fins de reparação, a comprovação da culpa do agente, mas é essencial a prova da existência do dano e a prova do defeito na prestação de serviço, ou seja, a violação do dever de guarda”.
Para a magistrada, faltou à ré a sensibilidade de constatar que a autora não estava aceitando nem lidando bem com as alegadas brincadeiras, eis que documentos juntados aos autos demonstram evidente queda em seu rendimento escolar, o que deveria ter sido verificado pela escola. “O caso estampado nos autos revela uma clara situação de bullying, que demanda uma atitude proativa da escola, tanto na sua prevenção, quanto na sua repressão, o que não se verificou na prática”, acrescentou.
A juíza destaca que o colégio até tomou medidas na tentativa de contornar a situação, contudo, tais providências foram inócuas para solucionar o problema, tendo em vista que vários pais não assinaram o termo de compromisso apontado pela defesa, e que as agressões dos alunos se perpetuaram ao longo do ano letivo.
Assim, entendendo que “a reação da escola foi ‘tímida’, ou seja, “insuficiente ou desproporcional” ante os fatos apresentados, e que esta falhou ao não conseguir promover a integração social da autora dentro daquele ambiente escolar, a juíza: a) declarou a rescisão do contrato firmado entre autora e ré, retroagindo à data de 29/9/2011; b) condenou a ré ao pagamento da reparação pelos danos morais, no valor de R$ 15 mil; c) condenou a ré a ressarcir as despesas tidas com consulta médica e tratamento psicológico, no valor de R$ 1.190,00, e com material escolar, no valor de R$ 70,00; e d) condenou a ré a custear o tratamento psicológico da autora até o término de sua convalescença.
Em sede recursal, a Turma fixou como condenação do custeio do tratamento psicológico da autora o pagamento de sessões semanais durante o período de um ano, com profissional indicado pela autora. No mais, manteve inalterada a sentença.
Circunscrição : 7 – TAGUATINGA
Processo : 2011.07.1.037137-3
Vara : 203 – TERCEIRA VARA CIVEL DE TAGUATINGA
Processo : 2011.07.1.037137-3
Classe : Procedimento Ordinário
Assunto : Indenização por Dano Material
Requerente : MARIA ADALA PAIVA RODRIGUES
Requerido : COLEGIO MARISTA CHAMPAGNAT TAGUATINGA
SENTENÇA
Cuida-se de ação de conhecimento, subordinada ao rito comum ordinário, ajuizada por Maria Ádala Paiva Rodrigues, em desfavor de Colégio Marista Champagnat Taguatinga, partes devidamente qualificadas.
Afirma a autora que estudava na instituição de ensino requerida desde 2005, e que no início do primeiro semestre de 2011, quando cursava o primeiro ano do ensino médio, passou a sofrer agressões físicas e verbais de colegas de classe, juntamente com uma colega, por ambas possuírem problemas visuais. Diz que buscou a coordenadora da escola, Sra. Esmeralda, por diversas vezes, para intervir junto aos colegas, mas que ela sempre ignorava seus pedidos e colocava “panos quentes” na situação. Alega que sua mãe, após perceber que a autora evitava ir às aulas, havia mudado seu comportamento e passado a ter problemas de saúde, buscou saber o que estava acontecendo e foi informada das agressões e da conduta da coordenadora. Afirma que sua mãe, ao procurar a escola, recebeu o mesmo tratamento da coordenadora Esmeralda, que afirmava tratar-se de brincadeiras entre alunos.
Afirma que os colegas somente foram chamados à Coordenação uma vez, quando assinaram termos de punição. Diz que após este fato as agressões não cessaram, causando na autora um quadro de ansiedade acima do nível esperado, sintomas depressivos, além da queda de seu rendimento escolar. Sem ver qualquer atitude da escola requerida para coibir os ataques que a autora recebia, sua mãe optou por transferi-la de escola, ao fim do ano escolar, o que gerou diversos gastos. Sustenta que a requerida tem responsabilidade pelo caso de bullying em suas dependências, que não foi reprimido, e que, por se tratar de relação de consumo, esta responsabilidade seria objetiva.
Requer a condenação da requerida à reparação dos danos morais sofridos, que estima em 60 (sessenta) salários mínimos, além da condenação ao pagamento de tratamento psicológico, bem como a declaração da rescisão do contrato de prestação de serviços educacionais e isenção das mensalidades de outubro, novembro e dezembro de 2011. Pede, ainda, o ressarcimento do dano material, abrangendo tratamento psicológico, despesas médicas, aquisição do novo material escolar, aquisição do novo uniforme e medicamentos. Instruem a inicial os documentos de fls. 24/44.
A representação da autora está regular, conforme documentos de fl. 24 e fl. 232.
A autora apresentou emenda à inicial às fls. 72/92 e à fl. 94 foram concedidos a ela os benefícios da justiça gratuita.
A parte ré foi devidamente citada (fl. 95-v).
Petição da autora às fls. 98/99, pugnando pelo acolhimento da emenda à inicial juntada aos autos.
A requerida ofereceu sua contestação às fls. 100/149. Alega, em síntese, que a autora só fez uma reclamação sobre os fatos, em 25/08/2011. Diz que não houve omissão em face dessa reclamação, pois os alunos foram advertidos e posteriormente tiveram que assinar um termo de compromisso, juntamente com seus pais. Afirma, ainda, que não houve reincidência, nem qualquer notícia de que a autora estivesse com problemas psicológicos. Formula pedido de denunciação da lide aos pais dos alunos envolvidos nas agressões sofridas pela autora, ao argumento que deles é o dever de vigilância pelos atos de seus filhos. Pugna pela improcedência dos pedidos veiculados na inicial.
A representação processual da ré também está regular, conforme instrumento de fl. 125, fl. 223 e substabelecimento de fl. 222.
Decisão de fl. 121 acolheu a emenda à inicial oferecida pela parte autora e intimou a parte ré a complementar sua peça de defesa, o que foi feito à fl. 155, onde a ré reiterou todos os termos da contestação já apresentada.
Réplica às fls. 158/165.
As partes não especificaram as provas que pretendiam produzir (fl. 168), tendo sido os autos remetidos ao Ministério Público, que ofereceu seu parecer às fls. 169/170.
Em despacho saneador de fl. 173 foi indeferido o pedido de denunciação da lide formulado pelo réu e deferida a prova oral requerida pelo Ministério Público.
Retornando sem cumprimento mandados de intimação das testemunhas arroladas pelo Ministério Público (fl. 204), sobreveio manifestação do Parquet às fls. 205/206, informando da maioridade da autora e da desnecessidade de sua intervenção no feito.
Colhidos os depoimentos das partes e das testemunhas arroladas (fls. 213/220) e juntada nova petição da autora às fls. 224/232, com documentos, dos quais teve vista a parte ré, sem se opor à juntada, foi encerrada a instrução.
A autora não apresentou suas alegações finais, conforme certificado à fl. 233, e a ré apresentou suas alegações finais às fls. 235/238.
É o relatório. Passo ao julgamento.
A relação estabelecida entre as partes é, à toda evidência, uma relação de consumo, enquadrando-se a autora na posição de consumidora prevista no art. 2º da Lei nº 8.078/90 e a escola ré na posição de fornecedora de serviços, conforme art. 3º, caput e parágrafo 2º da mesma Lei.
No momento em que os pais entregam seus filhos menores aos cuidados da escola, esta assume a responsabilidade por sua integridade, seja ela física, psíquica ou emocional, face ao dever de guarda e vigilância intrínseco à atividade educacional.
Segundo a lição de Rui Stoco, “ao receber o estudante menor, confiado ao estabelecimento de ensino da rede oficial ou da rede particular para as atividades curriculares, de recreação, aprendizado e formação escolar, a entidade de ensino é investida no dever de guarda e preservação da integridade física do aluno, com a obrigação de empregar a mais diligente vigilância, para prevenir e evitar qualquer ofensa ou dano aos seus pupilos, que possam resultar do convívio escolar”. Desse modo, “responderá no plano reparatório se, durante a permanência no interior da escola o aluno sofrer violência física por inconsiderada atitude do colega, do professor ou de terceiros, ou, ainda, de qualquer atitude comissiva ou omissiva da direção do estabelecimento, se lhe sobrevierem lesões que exijam reparação e emerge daí uma ação ou omissão” (in Responsabilidade Civil e a sua interpretação jurisprudencial, 1994, p. 321).
Nesse mesmo sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça e esta Corte de Justiça local, segundo os arestos abaixo transcritos:
ADMINISTRATIVO E DIREITO PÚBLICO. ESCOLA. SAÍDA DE ALUNO. ESTUPRO DE MENOR EM REGULAR HORÁRIO ESCOLAR. LIBERAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO ESTADO. OMISSÃO. DEVER DE VIGILÂNCIA. NEGLIGÊNCIA. CARACTERIZAÇÃO. ARTIGOS 186 E 927 DO NOVO CÓDIGO CIVIL. DANO MORAL. I – Mesmo diante das novas disposições do Novo Código Civil, persiste o entendimento no sentido de que, “No campo da responsabilidade civil do Estado, se o prejuízo adveio de uma omissão do Estado, invoca-se a teoria da responsabilidade subjetiva” (REsp nº 549.812/CE, Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, DJ de 31/05/2004). II – “..o Poder Público, ao receber o menor estudante em qualquer dos estabelecimentos da rede oficial de ensino, assume o grave compromisso de velar pela preservação de sua integridade física…” (RE nº 109.615-2/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 02/08/96). III – A escola não pode se eximir dessa responsabilidade ao liberar os alunos, pelo simples fato de ter havido bilhete na agenda dos menores no sentido da inexistência de aulas nos dois últimos períodos de determinado dia. Liberada a recorrente naquele horário, que seria de aula regular, e dirigindo-se para casa, sem os responsáveis, culminou por ser molestada sexualmente em terreno vizinho à escola, que se sabia ser extremamente perigoso. Presentes os pressupostos da responsabilidade civil (conduta culposa, nexo causal e dano). IV – Violação aos artigos 186 e 927 do Código Civil caracterizada, bem como a responsabilidade subjetiva do Estado na hipótese, devendo os autos retornarem ao Tribunal a quo, por ser a Corte competente para, diante do exame do quadro fático-probatório, fixar a indenização respectiva. V – Recurso provido. (REsp 819.789/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/04/2006, DJ 25/05/2006, p. 191)
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. NATUREZA OBJETIVA. TEORIA DO RISCO DO NEGÓCIO. AFOGAMENTO NA PISCINA LOCALIZADA NA ESCOLA DURANTE AULA DE NATAÇÃO. FALHA NO DEVER DE PROTEÇÃO E VIGILÂNCIA. DANO MORAL CARACTERIZADO.
- O contrato de prestação de serviços educacionais, por se amoldar aos parâmetros dos artigos 2º e 3º da Lei 8.078/90, submete-se à regência normativa desta Lei Protecionista. II. Pela teoria do risco do negócio, explicitamente albergada no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, os fornecedores respondem objetivamente pelas vicissitudes empresariais que envolvem a prestação de serviços inerentes à atividade lucrativa que desempenham. III. A instituição de ensino é responsável pela integridade física dos alunos que recebe em suas instalações, máxime quanto ao desempenho das atividades contratadas. IV. Traduz dano moral passível de compensação pecuniária o profundo abalo psíquico e emocional sofrido pelos pais em face da morte da filha durante aula de natação. V. O valor de R$ 200.000,00 para cada um dos pais compensa adequadamente o dano moral e não desborda para o enriquecimento injustificado. VI. Recurso dos autores parcialmente provido. Recurso da ré desprovido. (Acórdão n.801662, 20110112297552APC, Relator: ANTONINHO LOPES, Relator Designado:JAMES EDUARDO OLIVEIRA, Revisor: JAMES EDUARDO OLIVEIRA, 4ª Turma Cível, Data de Julgamento: 19/03/2014, Publicado no DJE: 18/07/2014. Pág.: 148)
CIVIL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. RESPONSABILIDADE CIVIL. LESÃO CORPORAL OCORRIDA EM ESTABELECIMENTO PARTICULAR DE ENSINO. DEVER DE GUARDA E VIGILÂNCIA. CONDUTA NEGLIGENTE CARACTERIZADA. DEVER DE
INDENIZAR. A escola tem o dever de zelar pela integridade física, psicológica e emocional de seus alunos, durante o período de aulas. Omitindo-se no dever de guarda, cuidado e vigilância das crianças, de forma que lesões corporais sejam reincidentemente cometidas nas dependências da escola, sem que qualquer estratégia pedagógica seja tomada para minimizar a situação, responde civilmente a instituição de ensino pelos danos materiais e morais advindos, uma vez que resta caracterizada a falha na prestação dos serviços educacionais. Nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, “o fornecedor de serviço responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”. Apelo conhecido e parcialmente provido. (Acórdão n.282110, 20040111177095APC, Relator: ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, Revisor: JAIR SOARES, 6ª Turma Cível, Data de Julgamento: 29/08/2007, Publicado no DJU SECAO 3: 27/09/2007. Pág.: 121)
RESPONSABILIDADE CIVIL – ACIDENTE OCORRIDO EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO – DEVER DE GUARDA E VIGILÂNCIA – DEVER DE INDENIZAR – SENTENÇA MANTIDA. 1 – A instituição de ensino, mesmo que não cobre de forma direta pelos serviços, não tem afastado o dever objetivo de guarda e vigilância dos menores que se encontram sob seus cuidados, respondendo pelos danos ocorridos no interior de seu estabelecimento. 2 – O valor dos danos morais deve ser justo e não pode ser minorado pela só alegação de não poder o civilmente responsável arcar com o pagamento. Apelação não provida. Unânime. (Acórdão n.270164, 20050110123868APC, Relator: MARIA BEATRIZ PARRILHA, Revisor: CRUZ MACEDO, 4ª Turma Cível, Data de Julgamento: 25/04/2007, Publicado no DJU SECAO 3: 03/05/2007. Pág.: 99)
Assim, sendo a escola fornecedora de serviços, sua responsabilidade pelos danos causados ao consumidor-aluno é objetiva, em razão da teoria do risco da atividade, estampada no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.
Tratando-se de responsabilidade objetiva, não se exige, para fins de reparação, a comprovação da culpa do agente, mas é essencial a prova da existência do dano e a prova do defeito na prestação de serviço, ou seja, a violação do dever de guarda.
A causa de pedir, no que se refere à violação do dever de guarda, é ampla, pois a autora afirma que procurou diversas vezes a Coordenadora, Sra. Esmeralda, que ignorava os pedidos de intervenção, não dava crédito ao sentimento da autora e procurava colocar “panos quentes” na situação. Além disso, afirma que sua mãe também cobrou providências, várias vezes, da Coordenadora, Sra. Esmeralda, que considerava o fato “brincadeiras entre os alunos”, sendo a punição adotada muito “tímida”, ou seja, desproporcional em face da gravidade do fato, o que permitiu que eles se agravassem.
Embora esses fatos tenham se tornado controvertidos, a prova colhida dá razão à autora.
O depoimento da autora merece fé porque relata fatos específicos, com riqueza de detalhes, o que foi, de modo geral, confirmado pelo depoimento de sua colega de classe e também vítima das agressões à época.
No depoimento da autora há relatos de que “as ofensas consistiam basicamente em xingamentos e risos, tentando ridicularizar a depoente; a depoente usava óculos na época e os xingamentos envolviam esse fato; a depoente era chamada de ‘retardada’, ‘mongol’, e essas eram as melhores palavras”. O depoimento da testemunha Maria Clara, por sua vez, traz o relato de que “a depoente era chamada sempre de ‘vesga’ e a autora de ‘gordinha’, que os apelidos eram sempre ligados a isso”.
A autora relata que a situação piorou depois da intervenção da coordenação da escola, fato confirmado pela testemunha Maria Clara, que “se lembra de ter reclamado a um professor e que após a Coordenação procurou saber o que estava acontecendo; que depois que as brincadeiras aumentaram, passando a ser toda hora (…)”.
O depoimento da testemunha Maria Clara ainda confirma alguns fatos específicos mencionados pela autora, o que comprova que as agressões contra as duas, de fato, ocorreram, como por exemplo “que se recorda do dia em que a autora mencionou ter parado de apresentar o trabalho em razão das brincadeiras, mas que não se lembra de as brincadeiras terem sido com a autora, e sim, pelo fato de a depoente ter errado a apresentação do trabalho e ter sido corrigida pelo professor; a depoente acredita que as risadas naquele momento se deram porque se tratava dela e da autora, se fosse qualquer outro aluno não teriam risos naquele momento” e, ainda, “a depoente se recorda do dia em que a autora foi acertada por um caderno por um dos garotos; a depoente sabe que a autora sentia medo, mas não sabe dizer se era um medo muito grande; a depoente também sentia medo, inclusive de sofrer agressão física, principalmente após a autora ter levado um murro de um dos garotos”.
Nesse sentido, os depoimentos da autora e de sua colega de classe Maria Clara merecem mais crédito, porquanto são coerentes e, em casos como esse, os adolescentes são a parte mais frágil da relação jurídica, e é difícil a prova por parte de testemunhas.
Além disso, o depoimento da Coordenadora Esmeralda, suspeito, porque ela pode ser em tese responsabilizada pelo estabelecimento com quem tem vínculo empregatício, revelou que, na sua compreensão, os fatos não tinham gravidade, eis que ela afirmou que, pelo que apurou, o que estava havendo eram brincadeiras de adolescentes. Contudo, faltou a sensibilidade de constatar que a autora não estava aceitando nem lidando bem com as alegadas brincadeiras, eis que os documentos de fls. 27/28 demonstram evidente queda do rendimento escolar da autora desde o segundo bimestre de 2011, o que deveria ter sido verificado pela escola. Acresce, nesse aspecto, que o representante da ré, em seu depoimento, afirmou que era, na época, o coordenador pedagógico da escola, e que não havia tomado conhecimento dos fatos até a data em que a mãe da autora compareceu à escola para requerer a transferência de sua filha para outro estabelecimento.
O caso estampado nos autos revela uma clara situação de bullying, que demanda uma atitude proativa da escola, tanto na sua prevenção, quando na sua repressão, o que não se verificou na prática.
“Por definição universal, bullying é um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, adotado por um ou mais alunos contra outro(s), causando dor, angustia e sofrimento. Insultos, intimidações, apelidos cruéis, gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais, são algumas manifestações do comportamento bullying.” (FANTE, Cléo. Fenômeno Bullying: como prevenir a violência e educar para a paz. 2ªed. Campinas: Verus Editora, 2005, p. 28-29. Citado no artigo A responsabilidade civil da escola perante as violências que ocorrem entre os alunos. DANI, Lúcia Salete Celich; DANI, Grasiela Cristine Celich. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 97, fev 2012. Disponível em: . Acesso em jul 2014).
A função precípua da escola de educar os seus alunos não se restringe à transferência de conhecimentos ligados a disciplinas específicas. A função de educar é muito maior e envolve a criação de indivíduos pensantes, de cidadãos, que respeitem uns aos outros e, sobretudo, que respeitem as diferenças entre uns e outros.
Quanto a este ponto, permito-me transcrever o trecho do voto do e. Des. Waldir Leôncio Júnior, proferido no julgamento da Apelação Cível nº 2006.03.1.008331-2, que brilhantemente aborda a questão da função da escola na abordagem das diferenças e do respeito a essas diferenças com seus alunos:
Com efeito, o Colégio réu tomou algumas medidas na tentativa de contornar a situação, contudo, tais providências foram inócuas para solucionar o problema, tendo em vista que as agressões se perpetuaram pelo ano letivo. Talvez porque o estabelecimento de ensino apelado não atentou para o papel da escola como instrumento de inclusão social, sobretudo no caso de crianças tidas como “diferentes”.
Nesse ponto, vale registrar que o ingresso no mundo adulto requer a apropriação de conhecimentos socialmente produzidos. A interiorização de tais conhecimentos e experiências vividas se processa, primeiro, no interior da família e do grupo em que este indivíduo se insere, e, depois, em instituições como a escola.
No dizer de Helder Baruffi , “Neste processo de socialização ou de inserção do indivíduo na sociedade, a educação tem papel estratégico, principalmente na construção da cidadania.”
Continua o autor , in verbis:
“(…) A educação se apresenta como um interesse não apenas do sujeito individualmente considerado, mas como um direito coletivo, próprio da sociedade. Entretanto, o primado é o interesse superior daqueles diminuídos na sua capacidade de ‘ser gente’, como expressa Paulo Freire. Não há como pensar este direito sem referirmo-nos ao sujeito próprio da educação que deve ser apreendido no seu sentido de construtor da realidade.
O direito à educação e o direito de aprender são direitos de todos e de cada uma das crianças e adolescentes. Mas não uma educação qualquer. É um direito de ‘toda pessoa’, sem qualquer tipo de discriminação, independente de origem étnica, racial, social ou geográfica.(…).”(sem grifo no original)
Assim, a escola e a família são consideradas as instituições pilares da sociedade. É no ambiente escolar que as crianças aprendem as noções de convívio e agregam conhecimento para formar o caráter. De outro turno, na família são construídos os primeiros conceitos de moralidade, civismo e ética. Família e escola são responsáveis pela formação do cidadão.
Vale lembrar que o art. 227 da Constituição Federal dispõe ser dever da família, da sociedade e do Estado o dever de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à educação, dentre outros.
E o direito à educação, como direito subjetivo público, é um direito social fundamental (art. 6º c/c art. 205 CF), com três objetivos definidos na Constituição Federal, que estão diretamente relacionados com os fundamentos do Estado brasileiro (art. 1º c/c art. 3º da CF): a) pleno desenvolvimento da pessoa; b) preparo da pessoa para o exercício da cidadania; c) qualificação da pessoa para o trabalho.
Com efeito, não é fácil ser “diferente” em uma escola, ou seja, ter qualquer característica sem muito apoio ou identificação com a maioria, o que acaba se constituindo uma espécie de exclusão.
E a Escola apelada não conseguiu cumprir o seu papel de promover a integração social de uma criança considerada “diferente”, que passou o ano letivo sofrendo agressões físicas, verbais e emocionais.
É certo que toda pessoa, independentemente de seu comportamento ou de sua condição física ou mental, é digna e deve ser tratada pela sociedade, pelas instituições e pelo demais indivíduos de um modo que seja respeitada essa qualidade intrínseca.
Desse modo, falhou o Colégio réu ao não conseguir promover a integração social do autor dentro daquele ambiente escolar.
Com efeito, a boa-fé objetiva exige por parte da escola, na relação contratual estabelecida com o aluno e sua família, bem como o seu dever de guarda e vigilância e, ainda mais, de proteção, uma conduta mais cuidadosa no trato de questões que envolvam agressões entre os alunos, exigindo-se que os problemas de relacionamento entre alunos sejam também tratados do ponto de vista pedagógico, em conjunto com a coordenação responsável pela área da disciplina.
A dificuldade em lidar com adolescentes, e o fato de ser cada vez mais comum uma certa omissão no ambiente doméstico, no que refere à colocação de limites, exige do estabelecimento de ensino, hoje, um desafio maior, de intervir de forma contundente para reprimir qualquer tipo de preconceito ou desrespeito ao aluno. Isso não significa que se deve ignorar que a primeira responsabilidade de dar limites é da família, mas o que a escola não pode mais ignorar é que os novos tempos impõem uma nova conduta, mais eficaz, mais exemplar, mais clara, nos sentido de que a escola deve ser um ambiente de respeito.
Assim, merece também acolhimento a alegação da autora de que a reação da escola foi “tímida”, ou seja, insuficiente ou desproporcional, já que os pais dos adolescentes deveriam ter sido cientificados dos fatos desde o início, o que não restou demonstrado pela parte ré, pois a primeira advertência dada aos alunos em 29/08/2011 teria que ser levada por eles mesmos aos seus responsáveis, como consta no depoimento da aluna Maria Clara, e o que se verifica é que vários pais não assinaram o documento (ver fls. 128, com assinatura do responsável, em comparação com fls. 134, 139, 145, sem assinatura dos responsáveis).
Apesar de ter sido ouvida apenas como informante, merece fé o depoimento da mãe da autora, quando esta menciona que esteve na escola mais de uma vez para tratar com a Coordenadora, considerando a gravidade do estado psicológico e emocional revelado por sua filha, tanto nos relatórios de fls. 31 e 32, quanto em seu próprio depoimento pessoal e na sua reação na data da audiência, revelando ainda medo e instabilidade emocional significativa.
Ainda que se possa considerar, em favor da ré, que a autora pode ter agüentado as ofensas, em silêncio, durante um bom tempo, para só comunicar os fatos quando já não suportava mais, e quando já estava bem fragilizada, visto que para comunicar à própria mãe a autora teve dificuldades (ver, nesse ponto, o depoimento da mãe), o fato é que faltou a sensibilidade e o cuidado que o caso exigia, pois o órgão disciplinar da escola deveria, no mínimo, ter chamado as duas alunas, nas semanas seguintes à da advertência feita aos alunos, para que dissessem se havia surtido efeito e se estavam mais confortáveis em sala de aula. Nada foi feito, pois, não só a autora, mas a testemunha Maria Clara, narraram que, depois dessa advertência, as ofensas pioraram.
A maior sensibilidade da autora, em comparação à sensibilidade da testemunha Maria Clara, que conseguiu permanecer no colégio, não descaracteriza o caso como bullying, porque a própria aluna Maria Clara declarou que as supostas brincadeiras passaram a ocorrer todos os dias e a todo momento, a ponto de não conseguirem se concentrar para estudar, ao relatar que “toda hora eu me sentia como se alguém tivesse rindo de mim” e, ainda, que “eu não tinha a paz de sentar e estudar”. Assim, presentes as atitudes agressivas reiteradas, necessárias com conceito de bullying.
O estado psicológico e emocional da autora não pode ser inteiramente atribuído à sua maior sensibilidade, porque a aluna Maria Clara também relatou que sentia medo dos rapazes, principalmente depois que houve a suspeita de que uma agressão física desferida por um deles contra a autora – soco nas costas – não havia sido acidental, e sim proposital.
Certamente, os fatos se agravaram durante o mês de setembro, após a intervenção “tímida” da escola, que teve o efeito contrário, passando a impressão aos alunos de que não seriam punidos e de que a conduta deles seria tolerável no ambiente educacional.
Nesse sentido, considero comprovado o dano moral sofrido pela autora, por meio de seu depoimento e do de sua mãe, bem como dos relatórios de fls. 31/32, que relatam ansiedade e quadro de depressão. Os danos, segundo os depoimentos, e conforme ficou evidente na audiência, ainda estão atingindo a autora, e isso é normal numa situação que envolve uma adolescente, que ainda está em formação, no que se refere à estrutura emocional.
Sobre o dano e o nexo de causalidade, é relevante transcrever o seguinte trecho do depoimento da autora (fl. 214, verso):
“(…) mesmo depois que mudou de escola, a depoente ainda sofreu e sofre muito com o ocorrido, teve grande dificuldade de convivência social, mesmo na outra escola; sentia muito médio, tinha que voltar mais cedo; não conseguiu ficar nessa primeira escola e no segundo ano pe3diu para mudar para outra; não tinha vontade de estudar, às vezes tinha crise de choro na escola, às vezes a mãe tinha que levar a depoente, às vezes ainda inventava que estava passando mal, “a coisa mais difícil foi terminar o ensino médio”; até hoje tem dificuldade de passar em frente ao Marista, lembra ainda de tudo, sente-se mal em uma sala de aula, porque se lembra do ambiente do Marista, perdeu muito peso porque não dormia nem comia direito, não queria sair de casa (…)”
O nexo de causalidade repousa no fato de que, com a conduta “tímida” da escola, que não teve a sensibilidade de apoiar a autora na resolução do problema, nem de eliminar as agressões por ela sofridas, teve o condão de ofender os atributos de sua personalidade, de tal sorte a merecer uma compensação pecuniária a título de dano moral.
Cumpre frisar que o dano moral decorre de uma violação de direitos da personalidade, atingindo, em última análise, o sentimento de dignidade da vítima. Pode ser definido como a privação ou lesão de direito da personalidade, independentemente de repercussão patrimonial direta, desconsiderando-se o mero mal estar, dissabor ou vicissitude do cotidiano, sendo que a sanção consiste na imposição de uma indenização, cujo valor é fixado judicialmente, com a finalidade de compensar a vítima, punir o infrator e prevenir fatos semelhantes que provocam insegurança jurídica.
A doutrina e a jurisprudência estão apoiadas na assertiva de que o prejuízo imaterial é uma decorrência natural (lógica) da própria violação do direito da personalidade ou da prática do ato ilícito. Assim, o dano moral é “in re ipsa”, ou seja, de acordo com SÉRGIO CAVALIERI FILHO: “deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de modo que, provada a ofensa… está demonstrado o dano moral” (in Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Editora Malheiros. 2003. p. 99).
A fixação do “quantum” indenizatório, a título de reparação por danos morais, deve se pautar pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, devendo ainda estar em conformidade com as circunstâncias específicas do evento, a situação patrimonial das partes (condição econômico-financeira) e a repercussão da ofensa, atendendo ao objetivo compensatório, pedagógico e punitivo da condenação. Ademais, deve o julgador atentar para o equilíbrio da indenização, de modo a não permitir que esta se transforme em fonte de enriquecimento sem causa (Código Civil, art. 884), mas sirva de fator de desestímulo ao agente ofensor na prática de condutas antijurídicas.
Neste caso concreto, a repercussão do dano foi relevante, pois, conforme se vê nos depoimentos da autora e de sua mãe, esta ainda enfrenta problemas emocionais e psicológicos em razão do ocorrido, que prejudicaram sua vida escolar como um todo. Do depoimento da autora foi possível verificar que os danos se refletem na sua vida como um todo, até os dias atuais, pois afirma que “ainda está fazendo terapia, o que tem ajudado na socialização, mas até hoje não é fácil e não é como antes”. Além disso, a intervenção da escola acabou agravando o problema, em lugar de melhorar as condições a que estava exposta a autora, o que também merece especial reprovação. Em face dessas circunstâncias, entendo razoável, neste caso, que a reparação se dê com o pagamento da quantia de R$15.000,00 (quinze mil reais).
Anoto, por oportuno, que o fato de fixar o valor da reparação pelo danomoral em montante inferior ao que foi pedido na inicial não configura a sucumbência parcial da autora, tendo em vista o teor da súmula 326 do STJ, que dispõe, in verbis: “Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca.”
Para a reparação integral do dano causado, mister se faz o acolhimento dos pedidos da autora referentes ao tratamento psicológico, tanto o de ressarcimento dos gastos já efetuados com o tratamento, quanto a obrigação de fazer consistente no custeio do tratamento.
Tal obrigação encontra-se inserta no art. 949 do Código Civil, segundo o qual “no caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”.
Dessa forma, deve a requerida ser compelida a ressarcir as despesas que a autora teve com o tratamento psicológico durante todo o tempo em que se estendeu o processo, que considero como o valor de R$ 950,00 (novecentos e cinqüenta reais), à míngua de outros documentos comprobatórios das despesas à exceção dos documentos de fls. 34, 36 e 229 (o recibo de fl. 37 está sendo desconsiderado por ser mera cópia do recibo de fl. 36).
Com relação às sessões que serão realizadas a partir da data de prolação desta sentença, entendo que não se pode impor à ré uma obrigação de caráter perpétuo, devendo, para o atendimento da disposição legal que impõe que a indenização das despesas com o tratamento de saúde se dê até o fim da convalescença, haver a realização de avaliações periódicas da autora, a fim de se verificar o estágio do tratamento em que ela se encontra e eventual necessidade de continuação ou mesmo finalização do tratamento.
Assim, a requerida deverá arcar com o custeio das sessões de tratamento psicológico da autora, cujos valores, duração e as reavaliações serão fixados em liquidação de sentença, nos termos do art. 475-C, inciso II, do Código de Processo Civil.
Com relação às despesas médicas, o pedido cinge-se às despesas com o pediatra que continua atendendo a autora e com o valor que a mãe da autora paga por dependente do plano de saúde.
Com relação aos gastos com pediatra, os recibos de fls. 35 e 36, da Clínica Climune, são de datas próximas às datas do fato e não foram impugnados pela requerida, devendo a pretensão de ressarcimento ser acolhida.
Com relação ao valor que a mãe paga por dependente do plano de saúde – embora haja a afirmação de que o plano foi feito em razão dos problemas causados pelo bullying – verifica-se que o plano é geral, para qualquer despesa de saúde, e dar provimento a esse pedido é impor à ré a obrigação de indenizar a autora além do dano.
Fora isso, não há outras despesas médicas comprovadas, nem comprovação de despesas com medicamentos, razão pela qual, nessa parte, o dano material fica restrito aos valores de fls. 35/36.
Quanto às despesas com a aquisição de novo material escolar e uniforme, entendo que o dano decorre diretamente dos fatos, pois não era a intenção da autora mudar de escola, e essa medida só foi adotada como mais uma forma de proteção e preservação de sua saúde, razão pela qual há que se reconhecer a presença do nexo de causalidade e o dever de indenizar o valor comprovado à fl. 37, que se refere ao uniforme escolar. Não há, contudo, comprovação de valor gasto com material escolar, razão pela qual a indenização, quanto a este ponto, ficará restrita ao valor de R$ 70,00 (setenta reais).
O pedido de rescisão contratual retroagindo à data da transferência deve ser acolhido, porquanto é fato que a saída da autora da escola ré se deu apenas em razão da omissão da coordenação em resolver o problema das agressões constantemente sofridas pela autora, sendo esta rescisão motivada, de tal sorte que deve a ré isentar a autora do pagamento das mensalidades de outubro, novembro e dezembro do ano de 2011.
Nada obstante a petição de fls. 224/225, não há como incluir no valor da condenação o montante gasto com mensalidades no novo colégio onde a autora passou a estudar, pois além de não ter sido incluído no pedido, tal quantia é efetivamente devida pela autora como contraprestação dos serviços educacionais que recebeu na outra escola, não podendo ser considerado dano decorrente dos fatos, mesmo porque a autora já foi dispensada do pagamento das mensalidades ao réu, no período após a transferência de escola, que se deu em 29/09/2011, conforme documento de fl. 33.
Por fim, pediu a autora, desde o início do processo, a antecipação dos efeitos da tutela para que o réu custeie o seu tratamento psicológico. A urgência é inconteste, pois esse tipo de tratamento, já iniciado, deve ter continuidade no tempo, para ser eficaz. E a necessidade de custeio restou devidamente delineada no depoimento da mãe da autora, que esclareceu que se trata de família sem muitos recursos financeiros, e que não está mais tendo condições de custear esse tratamento diretamente.
Evidentemente, concedida a antecipação dos efeitos da tutela para que a ré seja obrigada a custear esse tratamento desde logo, independentemente do trânsito em julgado, deverá a autora promover, no momento oportuno, a liquidação provisória para fins de fixação do valor das sessões, da duração estimada do tratamento e da forma e periodicidade de realização de reavaliações da necessidade de continuidade do tratamento. Assim, caberá à autora instruir o pedido de liquidação provisória com orçamento e laudo emitido por profissional da área que contenham uma proposta clara em relação a todos os aspectos ora referidos.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, para:
- a) declarar a rescisão do contrato firmado entre autora e ré, retroagindo à data de 29/09/2011, e declarar a inexigibilidade das mensalidades devidas pela autora pelos meses letivos de outubro a dezembro de 2011;
- b) condenar a ré ao pagamento da reparação pelos danos morais, no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), corrigido pelo INPC desde a data da prolação desta sentença (Súmula 362, STJ) e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde a citação, ou seja, 23/04/2012 (cf. fl. 96);
- c) condenar a ré a ressarcir as despesas tidas pela autora em decorrência dos danos:
c.1) com o tratamento psicológico, nos valores de: R$ 100,00 (cem reais), atualizados pelo INPC a partir do desembolso (31/10/2011 – fl. 34); R$ 100,00 (cem reais), atualizados pelo INPC a partir do desembolso (13/10/2011 – fl. 34); R$ 100,00 (cem reais), atualizados pelo INPC a partir do desembolso (26/10/2011 – fl. 36); e R$ 650,00 (seiscentos e cinqüenta reais), atualizados pelo INPC a partir do desembolso (30/04/2014 – fl. 229). Sobre estes valores incidirão juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação (23/04/2012 – fl. 96);
c.2) com médico pediatra, nos valores de: R$ 140,00 (cento e quarenta reais), atualizados pelo INPC a partir do desembolso (09/11/2011 – fl. 35); e R$ 140,00 (cento e quarenta reais), atualizados pelo INPC a partir do desembolso (11/10/2011 – fl. 36). Sobre estes valores incidirão juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação (23/04/2012 – fl. 96); e
c.3) com material escolar, no valor de R$ 70,00 (setenta reais), devidamente atualizados pelo INPC a partir do desembolso (03/10/2011 – fl. 37) e acrescidos de juros de mora desde a citação (23/04/2012 – fl. 96).
- d) condenar a requerida a custear o tratamento psicológico da autora até o término de sua convalescença, cujo período, valores e reavaliações serão fixados em liquidação de sentença. Concedo a antecipação dos efeitos da tutela em relação a esse pedido, devendo a autora ingressar com requerimento de liquidação provisória de sentença para efetivo cumprimento da medida.
Resolvo o processo com exame do mérito, na forma do art. 269, inciso I, do CPC.
Em face da sucumbência recíproca, mas não proporcional, arcarão autora e réu com as despesas processuais, à proporção de 80% (oitenta por cento) para a parte ré e 20% (vinte por cento) para a parte autora. Condeno o réu a pagar honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, § 3º do CPC, à proporção de 60% (sessenta por cento) desse valor, já realizada a compensação dos 80% com os 20% que deveriam ser pagos pela parte autora. A exigibilidade da verba sucumbencial devida pela parte autora fica suspensa, em razão da concessão dos benefícios da justiça gratuita.
Ficam as partes cientes de que, transitando em julgado a sentença em primeiro grau, o prazo de 15 dias para pagamento voluntário da parte líquida da condenação transcorrerá da data do trânsito em julgado, independentemente de sua intimação (art. 475J, caput, CPC).
Sentença registrada eletronicamente. Publique-se. Intimem-se.
Taguatinga – DF, segunda-feira, 25/08/2014 às 14h53.
Priscila Faria da Silva
Juíza de Direito