Jurisprudência
24 jul 15 20:09

ADOLESCENTE COM SÍNDROME DE DOWN RECEBE DIREITO À VAGA EM ESCOLA DO MUNICÍPIO DO RIO

O desembargador Peterson Barroso Simão, da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, determinou que o Município do Rio providencie a inclusão de um menor de 17 anos, com Síndrome de Down, em classe especial de escola pública vinculada à 4ª Coordenadoria Regional de Educação – CRE da Secretaria Municipal de Educação e com adequada estrutura para atender às suas necessidades. Caso a rede municipal de educação não tenha vaga, a Administração do Rio deverá custear o ensino do adolescente numa escola privada com condições estruturais para fazer o atendimento.

O magistrado decidiu a antecipação de tutela no processo de agravo de instrumento, requerido pela mãe do adolescente, com base no direito fundamental à educação e de proteção ao menor, previstos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo o relato no processo, a educação especial recebida pelo adolescente mostra-se insuficiente e inadequada ao preenchimento das suas necessidades. Em consequência, ele ainda não foi alfabetizado. Assim, precisa de atendimento em classe prioritária em turno integral, com acompanhamento multidisciplinar  do programa escolar.

No relatório, o desembargador observa que “o dever de eficiência se impõe a todo agente público de cumprir suas atribuições de forma plena e com presteza para todos, atendendo às necessidades das pessoas integrantes da sociedade, máxime quando a Constituição Federal prevê o direito de todos os estudantes à educação”.

A Administração municipal tem prazo de 30 dias para cumprir a decisão, sob pena de multa diária de R$ 1 mil.




AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 0036916-09.2015.8.19.0000

AGRAVANTE: PABLO RICARDO RANGEL BARBOSA REP/P/S/MÃE LUCIANA RANGEL BARBOSA

AGRAVADO: MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

RELATOR: DESEMBARGADOR PETERSON BARROSO SIMÃO

DECISÃO MONOCRÁTICA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Pleito de acesso à educação especial com inclusão em classe especial de atendimento prioritário para adolescente portador de Síndrome de Down. Decisão que indeferiu antecipação de tutela. Direito fundamental à educação. Proteção Integral. Menor com 17 anos de idade que ainda não foi alfabetizado e que, apesar de vir tendo acesso à educação especial, esta não se mostra suficiente e adequada ao atendimento por completo de suas necessidades. Necessidade de atendimento em classe prioritária em turno integral, com acompanhamento multidisciplinar para cumprimento do programa escolar de forma adequada. Presença dos requisitos autorizadores da tutela antecipada. PROVIMENTO DO RECURSO.

Trata-se de Agravo de Instrumento contra decisão proferida pelo Juízo da 9ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital que indeferiu pedido de antecipação dos efeitos da tutela nos seguintes termos:

“Após análise dos fatos narrados na petição inicial, acrescidos dos documentos a ela acostados, não ficou demonstrada a existência dos requisitos necessários ao deferimento da medida. O autor é absolutamente incapaz, em razão de síndrome de down e consequente deficiência mental. Aduz que sempre frequentou classes especiais de escolas públicas, no entanto, mesmo prestes a completar 18 anos de idade sequer encontra-se alfabetizado. Pretende a concessão de tutela antecipada para determinar liminarmente que seja determinado aos réus que o autor tenha acesso à educação especial com inclusão em classe de atendimento prioritário, mediante sala de recursos, ou em classe especial de Escola Pública que tenha vaga para tal espécie de ensino, com adequada estrutura para atender às necessidades do autor, vinculada à 4ª Coordenadoria Regional de Educação – CRE, ou em escola da rede privada que disponibilize ensino multidisciplinar voltado às necessidades do autor, a expensas do réu. Frise-se que inexiste em fase de cognição prévia prova inequívoca capaz de legitimar as alegações do autor. . A questão posta em Juízo, máxime em sede de antecipação de tutela, não pode ser decidida num Juízo de cognição sumária, tendo em vista tratar-se de matéria que exige a dilação probatória, restando afastada a verossimilhança das alegações, um dos requisitos autorizadores da medida antecipatória pretendida. Ademais, não há em que falar em possível infringência de dano irreparável ou de difícil reparação à parte autora uma vez que o autor encontra-se matriculado em classe especial de instituição de ensino. Assim, não estando presentes os requisitos legais da prova inequívoca e da verossimilhança das alegações, nesta fase processual, INDEFIRO A TUTELA ANTECIPADA. Cite-se e Intimem-se”.

É o relatório. Decide-se:

Presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal.

O julgamento monocrático é instrumento que confere celeridade ao procedimento recursal, sendo, no presente caso, a solução mais apropriada. Neste sentido, Enunciado Jurídico nº. 65, do Aviso TJ nº. 55/2012: “A tese recursal manifestamente procedente se insere entre as matérias previstas no art. 557, do CPC, e autoriza o relator a prover o recurso por decisão monocrática”.

O tema em debate na presente demanda é de amplo conhecimento no âmbito deste Tribunal de Justiça, o que permite utilizar o parâmetro delineado pela jurisprudência para solucionar a controvérsia nos termos do art.557, do CPC, o que dispensa inclusive a prévia intimação do Ministério Público.

A agravante pretende que os réus disponibilizem ao autor, portador de Síndrome de Down, acesso à educação especial com inclusão em classe de atendimento prioritário, mediante sala de recursos, ou em classe especial de Escola Pública que tenha vaga para tal espécie de ensino, com adequada estrutura para atender às necessidades do autor, vinculada à 4ª Coordenadoria Regional de Educação – CRE, ou em escola da rede privada que disponibilize ensino multidisciplinar voltado às necessidades do autor, a expensas dos réus.

A Constituição Federal, em seu art. art. 227, consagrou a Doutrina da Proteção Integral, considerando a criança e o adolescente como sujeito de todos os direitos fundamentais conferidos aos adultos, além de outros direitos próprios e especiais decorrentes da sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Nesse sentido:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Esse Princípio foi recepcionado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, destacando-se os seguintes dispositivos:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Especificamente em relação ao direito fundamental à educação, os art. 205 e 208, III da Carta Magna dispõem que:

 “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho;

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

(…)

III – Atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.”

Por outro lado, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96, com nova redação dada pela Lei nº 12.796/2013 disciplina, em seus artigos 58 e 59, a educação pública especial, prevendo a existência de apoio especializado, bem como de currículos específicos aos portadores de necessidades especiais.

Como se sabe, a concessão da tutela antecipada somente é cabível quando se pode aferir, em Juízo de cognição sumária, a verossimilhança das alegações autorais e o receio de lesão grave ou de difícil reparação.

A documentação acostada aos autos demonstra a verossimilhança das alegações, tendo em vista que o menor é portador de Síndrome de Down e, apesar de vir tendo acesso à educação especial, esta não se mostra suficiente e adequada ao atendimento por completo de suas necessidades.

O risco de lesão grave e de difícil reparação consubstancia-se no fato do menor, já contando com 17 anos de idade, ainda não ter sido alfabetizado, sendo necessário atendimento em classe prioritária em turno integral, com acompanhamento multidisciplinar para cumprimento do programa escolar de forma adequada, até para que a genitora possa exercer sua atividade laborativa com tranquilidade e garantir o sustento da família.

O dever de eficiência se impõe a todo agente público de cumprir suas atribuições de forma plena e com presteza para todos, atendendo às necessidades das pessoas integrantes  da sociedade, máxime quando a Constituição Federal prevê o direito de todos os estudantes à educação.

Razão maior para esta eficiência é o pronto atendimento aos portadores de necessidades especiais. Não poderia ser outro o entendimento em vista  do que dispõe o supracitado art.  208, III da C.F, norma de eficácia imediata. O teor do parágrafo segundo do referido dispositivo prevê que o não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público ou sua oferta irregular, como no caso ocorre, importa responsabilidade da autoridade competente.

Cabe salientar que tais regras constitucionais ou infraconstitucionais  concernentes à educação são umbilicalmente ligadas ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana que fundamenta a Constituição da República Federativa do Brasil, nos termos do art. 1º, III.

Diante de todo o exposto, CONHEÇO DO RECURSO E DOU-LHE PROVIMENTO nos termos do art. 557, § 1º-A do CPC, para deferir a antecipação de tutela no sentido de determinar aos réus que incluam o menor em classe de atendimento prioritário, mediante sala de recursos, ou em classe especial de escola pública que  tenha  vaga  para  tal  espécie  de  ensino,  com  adequada  estrutura  para atender às necessidades do mesmo, vinculada à 4ª Coordenadoria Regional de Educação – CRE da Secretaria Municipal de Educação, ou em escola de rede privada que disponibilize ensino multidisciplinar voltado às suas necessidades, às expensas dos agravados, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária fixada em R$ 1.000,00 (mil reais)

Intimem-se.

Ciência ao Ministério Público.

Rio de Janeiro, 20 de julho de 2015.

PETERSON BARROSO SIMÃO

Desembargador Relator

 

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