A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E A LOCAÇÃO DE IMÓVEIS PELAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO E DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SEM FINS LUCRATIVOS
Não é incomum que as instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos, as quais gozam de imunidade tributária, necessitem angariar recursos por vias diversas daquelas diretamente relacionadas à consecução de seus objetivos sociais.
Uma das fontes de receitas secundárias para a sobrevivência dessas instituições de caráter complementar às atividades do Estado decorre da locação de seus imóveis próprios a terceiros.
É imprescindível reconhecer a legitimidade desse auferimento de receitas decorrentes de atividades secundárias pelas instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos – desde que respeitados todos os requisitos legais – sem que esse fato prejudique o direito constitucional à desoneração tributária.
A Constituição Federal (art. 150, VI, “c”), no capítulo que trata das limitações ao poder de tributar, garante a imunidade tributária às pessoas jurídicas classificadas como instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, no que se refere à instituição de impostos incidentes sobre o patrimônio, a renda ou serviços relacionados às suas finalidades essenciais.
Tal norma de imunidade tributária tem como finalidade o estímulo das atividades exercidas pelas instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos, haja vista o seu caráter complementar às atividades públicas.
Visam, portanto, ao incentivo das atividades daquelas entidades, no interesse da sociedade, para a prestação de serviços que o próprio Estado esteja impossibilitado ou com a sua capacidade de atuação reduzida por insuficiência de recursos ou por qualquer outra condição.
A lei 5.172/66 (Código Tributário Nacional – “CTN”) estabelece em seus artigos 9º e 14 os requisitos para que as instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos possam usufruir da imunidade tributária de que trata o artigo 150, VI, “c” do texto constitucional.
Além das condições estabelecidas no CTN, há no ordenamento jurídico brasileiro leis ordinárias dispondo regras relacionadas à imunidade tributária.
Não obstante, diante da ausência de normas na legislação complementar e ordinária que tratem especificamente da locação de imóveis e dos recursos daí decorrentes, o presente estudo cinge-se ao texto constitucional. Nesse contexto, destaca-se que a previsão do § 4º do art. 150 da Constituição Federal restringe a imunidade acima abordada ao patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos.
À vista disso, restaria esclarecer se o patrimônio e a renda imunes são aqueles diretamente ligados às atividades essenciais das instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos, ou se abarcaria o patrimônio aplicado e renda auferida em atividades colaterais cujos resultados são destinados à finalidade institucional, caso da locação de imóveis em exame.
De início é importante destacar que a mais abalizada doutrina sobre o assunto está em consenso1: a imunidade não está restrita à renda decorrente da realização do objeto social da entidade, mas sim de toda forma regular de captação de recursos, desde que as atividades colaterais contribuam para o êxito de sua atuação institucional.
Em linha com a doutrina está a jurisprudência do STF, cujo posicionamento sobre a matéria foi materializado na Súmula Vinculante 52 – publicada em 22 de junho de 2015 – preconizando (quanto à imunidade do patrimônio) a inexigibilidade do IPTU em relação aos imóveis alugados a terceiros pelas entidades de educação e assistência social quando os recursos decorrentes da locação forem destinados às finalidades essenciais.
Nessa mesma perspectiva, em recente julgado acerca do § 4º do artigo 150 da Constituição Federal, o Tribunal Pleno do STF, no Recurso Extraordinário 611.510/SP, de relatoria da Ministra Rosa Weber, foi categórico ao reafirmar que “A exigência de vinculação do patrimônio, da renda e dos serviços com as finalidades essenciais da entidade imune, prevista no § 4º do artigo 150 da Constituição da República, não se confunde com afetação direta e exclusiva a tais finalidades”2.
Observa-se, portanto, que o STF tem o entendimento firmado de que o disposto no § 4º do artigo 150 da Constituição Federal não limita a renda auferida à atividade da entidade sem fins lucrativos, mas sim ao atendimento da finalidade da respectiva instituição.
Acertadamente as autoridades fiscais vêm dando o mesmo tratamento ao tema na esfera administrativa.
Como exemplo de relevante manifestação em âmbito municipal, é de destacar o posicionamento do Conselho de Contribuintes do Município do Rio de Janeiro, o qual proferiu, em 05 de dezembro de 2019, o acórdão nº 17.119, de relatoria do Conselheiro Alfredo Lopes de Souza Junior, segundo o qual “Estando a entidade enquadrada para receber o gozo da imunidade nos termos do art. 14, incisos I e II do CTN, não poderá ser exigido o IPTU em relação aos seus imóveis. Quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades para as quais tais entidades foram constituídas”.
Nessa perspectiva, a Coordenação-Geral de Tributação (“COSIT”) da Receita Federal já se manifestou por meio da Solução de Consulta COSIT nº 639, de 27 de dezembro de 2017, especificamente sobre a receita de aluguéis de entidades beneficentes, cuja conclusão se deu nos seguintes termos: “são imunes ao Imposto de Renda às rendas das entidades beneficentes de assistência social, decorrentes do aluguel de bens imóveis, desde que, cumulativamente: a) sejam atendidos os requisitos da legislação de regência, em especial o art. 14 do CTN e o art. 12 da lei 9.532/97; b) as pessoas jurídicas em questão destinem as receitas em questão às suas finalidades essenciais; c) os objetivos sociais das pessoas jurídicas em questão não se desvirtuem; e d) o aluguel dos bens imóveis em questão não afronte o princípio da livre concorrência”.
Nota-se que a referida Solução de Consulta expõe entendimento alinhado com a doutrina e jurisprudência acerca da interpretação do § 4º do artigo 150 da Constituição Federal, concluindo que todo o patrimônio, renda ou serviços das instituições de educação e assistência social que, ao serem explorados, tenham o resultado de sua exploração revertido integralmente para a manutenção e o desenvolvimento dos objetivos sociais dessas entidades no País estão abrangidos pela imunidade tributária.
É de se atentar também que para além da conclusão de que atendidos os requisitos do CTN e da legislação ordinária, a imunidade tributária estaria garantida quanto aos recursos advindos da locação de imóveis das entidades mencionadas no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal, a Solução de Consulta COSIT 639/17 aponta mais dois requisitos indispensáveis para a preservação do referido benefício constitucional: (i) que não haja desvirtuamento dos objetivos sociais das instituições de educação e assistência social com a locação de imóveis; e (ii) que o aluguel dos bens imóveis em questão não afronte o princípio da livre concorrência.
Segundo a referida Solução de Consulta, o desvirtuamento dos objetivos sociais das instituições de educação e assistência social ocorre quando a principal fonte de receita dessas entidades passa a ter origem em outra atividade que não àquela para a qual foi constituída.
Além disso, a RFB entende que há violação princípio da livre concorrência no caso de as atividades secundárias das instituições de educação e assistência social prejudicarem o mercado, situação que enseja a desqualificação daquelas entidades para a imunidade tributária.
Respeitados estes requisitos, além daqueles previstos no artigo 14 do CTN e nas leis ordinárias aplicáveis, a locação de imóveis a terceiros pelas instituições de educação e assistência social não se revela uma ameaça à imunidade tributária.
Fonte: Migalhas, acesso em 17/02/22
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