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03 out 22 09:08

Estudo analisa riscos relacionados ao uso de dados dos usuários no ecossistema educacional, incluindo adolescentes e crianças

A pandemia de covid-19 levou escolas, alunos e professores a se adequarem ao ensino remoto, até então pouco adotado no Brasil, passando a utilizar plataformas tecnológicas estrangeiras, fenômeno conhecido como “plataformização da educação”. Em tempos de economia global baseada em dados, os problemas e os desafios que este cenário criou foram traduzidos pelo Grupo de Trabalho sobre Plataformas na Educação Remota do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), que lançou nesta quinta-feira (29) o estudo “Educação em um cenário de plataformização e de economia de dados: problemas e conceitos”. O tema tem sido tratado por especialistas de diversos países.

O estudo mostra que somente 14% das escolas públicas urbanas usavam algum tipo de plataforma de ensino a distância antes da suspensão das aulas presenciais. Em números gerais, 28% das instituições de ensino, sejam elas públicas ou privadas, localizadas em áreas urbanas, contavam com essa tecnologia. As escolas localizadas em áreas urbanas tiveram maior presença em redes sociais, sendo 73% entre as públicas e 94% entre as particulares – números que, respectivamente, eram de 67% e 76% em 2018.

A pesquisa aponta, ainda, que plataformas de redes sociais são um dos principais canais de interação entre a escola e a família: na rede pública, 54% dessas instituições afirmam utilizá-las como meio de comunicação com os pais ou responsáveis, ao passo que, na rede privada, esse percentual foi de 79%.

Por outro lado, o e-mail institucional caiu em desuso, sendo utilizado por apenas 16% das escolas públicas e de 63% das particulares. O ano de 2020, marcado pela necessidade de manutenção das atividades educativas de forma remota, trouxe um cenário bem diferente. Além de constatar a falta de dispositivos (como computadores e celulares) e do acesso à internet em casa como os dois fatores mais desafiadores para o ensino remoto, 91% dos gestores entrevistados disseram ter criado grupos em aplicativos ou redes sociais como alternativa para comunicação e envio de atividades.

O uso de sistema de videoconferências comerciais – especialmente Google Meet, Zoom e Microsoft Teams — como recurso de apoio à continuidade das aulas foi citado por 80% das escolas estaduais, 75% das particulares e 42% das municipais. O estudo conclui que, embora seja um caminho possível diante do fechamento de escolas, a entrada irrestrita desses recursos tecnológicos na educação traz diversas preocupações. Dentre elas, o fato de que empresas de tecnologia concederam acesso a seus serviços voltados à educação de forma aparentemente gratuita, com adesão ampla de muitos gestores públicos imediatamente à iniciativa sem uma análise crítica sobre o tema.

A ausência de regulação que explicite as responsabilidades (seja do governo ou da empresa fornecedora) na contratação ou adesão de plataformas privadas na educação é outra preocupação mostrada na publicação. O relatório analisou os termos de uso e políticas de privacidade dos pacotes educacionais das duas empresas mais utilizadas — Google Workspace for Education e Microsoft 365 — e apontou que os documentos consideram somente legislações dos respectivos países-sede das empresas.

Além disso, outro desafio verificado foi que, em vez de promover formação profissional continuada aos professores, as redes de ensino têm incentivado educadores a participarem diretamente de treinamentos oferecidos pelas empresas fornecedoras de plataformas, criando uma dependência crescente do setor educacional em relação aos serviços oferecidos pelas grandes plataformas digitais.

“A falta de diversidade na adoção de aplicações e outras soluções digitais existentes parece ir de encontro ao pluralismo de ideias estabelecido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Tudo isso apresenta também uma discussão relevante não só do ponto de vista jurídico, mas também da autonomia das redes de ensino e, direta ou indiretamente, sob o olhar pedagógico do uso de tais ferramentas”, frisa o estudo.

Foi constatado, também, que, mesmo antes da pandemia, o uso de plataformas no ensino no Brasil vinha sendo foco de pesquisas e estudos. Os pesquisadores alertam para a concentração de poder de mercado em um grupo muito pequeno de empresas coletando dados dos usuários para “monitoramento, vigilância e controle, seja pelas próprias empresas, seja pelas agências de espionagem internacional que interceptam tais dados”.

O estudo adverte sobre a inexistência de supervisão pública ou auditoria sobre os algoritmos utilizados para ofertar serviços a centros de formação, pesquisa e disseminação do conhecimento científico do país, além do uso para veicular propaganda. Além disso, foi observado que a terceirização de serviços de TI para empresas privadas desestimula a capacitação técnica de profissionais gestores públicos e estudantes, tornando-os cada vez mais dependente de tecnologias fechadas e estrangeiras.

Essa terceirização, alertam os pesquisadores, ainda obriga o cidadão, no momento de exercício de um direito público — como o acesso à educação —, a aderir de forma compulsória a um mercado privado, correndo o risco de não ter sua necessidade atendida caso não dê o consentimento automático exigido pelos sistemas.

Em 2019, no Simpósio da Rede Lavits, o artigo “Coletando dados sobre o Capitalismo de Vigilância nas instituições públicas do ensino superior do Brasil”, abordou o crescimento da oferta de plataformas às instituições públicas de ensino e de pesquisa no Brasil por meio de acordos assimétricos, nos quais as empresas têm, potencialmente, acesso a uma grande quantidade de dados das instituições públicas.

A pesquisa TIC Educação 2020 também registrou dados semelhantes ao informar as medidas utilizadas para a realização de atividades pedagógicas durante o ano de 2020, contatando que 65% de uso de plataformas virtuais comerciais para aulas a distância e 58% de uso de recursos educacionais como os oferecidos pelo pacote educacional da Google.

De acordo com o grupo de trabalho, trata-se do primeiro documento de uma série que reunirá três volumes, que pretendem analisar as preocupações e possíveis providências relacionadas ao destino e armazenamento dos dados de usuários das plataformas utilizadas no ensino.

Considerando o ecossistema educacional, os integrantes mais vulneráveis são os que estão em maior número: as crianças e adolescentes facilmente se tornam alvo de publicidade, desinformação e manipulação do comportamento, dados os modelos de negócios das plataformas de redes sociais. Isso requer muita atenção.

Dentre os problemas apontados pelo estudo do CGI.br, estão a falta de transparência das soluções adotadas por instituições de ensino, bem como a ausência de autonomia nacional em termos de infraestrutura tecnológica de suporte ao ensino e à pesquisa e também falhas relacionadas ao uso comercial dos dados de alunos brasileiros, assim como a vigilância de suas atividades educacionais.

A publicação aborda, ainda, ações estratégicas que podem ajudar a aprimorar a utilização da internet no Brasil, com o incentivo ao desenvolvimento tecnológico nacional. “Essas questões precisam ser consideradas no escopo de uma política de governança de educação digital, para assegurar um ensino público gratuito e de qualidade alinhado aos parâmetros da ética e dos direitos humanos”, reforça o conselheiro do CGI.br.

O evento de lançamento do estudo foi palco de um importante debate liderado por Evangelista sobre os efeitos do uso e adoção de plataformas digitais no ensino e pesquisa durante a pandemia: como essas plataformas têm utilizado os dados pessoais de alunos e professores e quais os riscos para a proteção da privacidade desse público.

Participaram da discussão a educadora, pesquisadora e diretora do Instituto Educadigital, que produziu o relatório, Priscila Gonsales; a diretora de Parcerias e Monitoramento do Programa Operacional de Comunicações e Informações da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Marielza Oliveira; e o professor e representante da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Nelson Pretto.

Fonte: correiobraziliense, acesso em 03/10/22


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