AS EMPRESAS SUJEITAS À TRIBUTAÇÃO DE PIS E COFINS PODEM SE CREDITAR DOS GASTOS DECORRENTES DA LGPD?
A criação de novas regras para o tratamento de dados pessoais, bem como a imposição de sanções em caso de seu descumprimento, desencadeou nos últimos três anos um movimento das pessoas jurídicas para a adequação de seus processos internos, adequação esta que invariavelmente gerou e, tem gerado, custos muitas vezes bastante expressivos.
Tais custos levantam um questionamento: as empresas sujeitas à tributação do Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) pelo regime não cumulativo podem se creditar dos gastos decorrentes da LGPD?
A resposta a essa questão passa pela análise da tortuosa interpretação do conceito de insumo. A controvérsia sobre quais valores podem ser considerados como insumos para o creditamento de PIS e Cofins nasce com as Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, que instituíram o regime de incidência não cumulativa das contribuições e trouxeram a possibilidade de aproveitamento de diversos créditos, dentre os quais os bens e serviços adquiridos como insumos na prestação de serviços e produção de bens para revenda.
Ao instituir a possibilidade do aproveitamento de créditos sobre insumos, a lei o fez de maneira bastante genérica, deixando dúvidas sobre a extensão da permissão legal.
Sob o pretexto de regulamentar o tema, a Receita Federal do Brasil editou as Instruções Normativas 247/2002 e 404/2004, trazendo restrições ao aproveitamento de crédito muito além daquelas dispostas pela lei.
A falta de critérios claros e objetivos fixados por lei e a restrição indevida do aproveitamento de créditos por meio de instruções normativas motivaram múltiplas disputas administrativas e judiciais, culminando com o julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça do Recurso Especial representativo de controvérsia 1.221.170/PR.
STJ fixou o debruçar-se sobre a legalidade das instruções normativas, o que pode ser chamado de conceito “intermediário” (nem tão restrito quanto pretendiam as instruções normativas e nem tão amplo quanto pedido pelos contribuintes) de insumo: itens essenciais e relevantes para aquele contribuinte.
O critério da essencialidade está relacionado ao item do qual o produto ou serviço dependa intrínseca e fundamentalmente, seja porque é um elemento estrutural e inseparável deste, seja porque a sua falta o prive de qualidade ou suficiência. Por sua vez, a relevância relaciona-se ao item que, mesmo que não seja indispensável, integrará o processo seja por singularidades da cadeia, seja por imposição legal.
Não há, portanto, um conceito geral de insumos que pode ser aplicado indistintamente, sendo que a essencialidade e relevância deverão ser analisadas de maneira casuística levando em conta as atividades desenvolvidas por cada pessoa jurídica e os bens e serviços que são essenciais e relevantes para esta atividade específica.
Na esteira do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a Receita Federal editou, em 17/12/2018, o Parecer Normativo nº 5, trazendo seu entendimento quanto às situações passíveis de classificação como insumos. No que importa a este artigo, merece destaque o item 4 do referido parecer, que discorre sobe o aproveitamento de créditos relativos aos bens e serviços utilizados em razão de imposição legal.
De acordo com o entendimento da Receita Federal, não poderão ser considerados como insumos itens exigidos pela legislação de todas as empresas, independente da atividade, ou itens que não estejam relacionados ao processo produtivo ou prestação de serviços.
No Supremo Tribunal Federal, o alcance do princípio da não cumulatividade das contribuições ao PIS e à Cofins ainda está sob julgamento no Recurso Extraordinário 841.979 (leading case do Tema 756 de repercussão geral).
E é exatamente sob este panorama que deve ser feita a análise quanto à possibilidade do creditamento de PIS e Cofins sobre os gastos tidos pelas empresas para adequar seus procedimentos aos novos padrões impostos pela LGPD.
É inegável que a adequação aos padrões estabelecidos pela LGPD, nos termos da decisão do STJ é de extrema relevância para as atividades empresariais. Caso não se adequem às normas estabelecidas pela legislação, estarão sujeitas à multas de até 2% de seu faturamento, percentual bastante relevante para empresas de todos os portes.
Não há escolha por parte de uma empresa entre adotar ou não as novas regras fixadas pela legislação.
Assim, tendo em vista tratar-se de imposição legal, com diferentes graduações (e diferenças nos processos de adequação das empresas, no volume e tipo de gastos incorridos) a depender das atividades da empresa, a nossa conclusão é pela possibilidade de aproveitamento dos valores gastos com bens e serviços para a implementação das regras de LGPD.
Utilizando como os critérios adotados pela própria Receita Federal em seu Parecer COSIT nº 5, trazemos uma analogia com a utilização de equipamentos pessoais específicos ou da obrigatoriedade de certos testes de qualidade pelas indústrias do que de alvarás de funcionamento. É ainda de se destacar que o aproveitamento de créditos, exclusivamente com base nos critérios da essencialidade e relevância já tem sido aplicado em posicionamentos recentes da própria Receita Federal ao analisar os gastos das empresas com equipamentos para a proteção dos trabalhadores contra à exposição à Covid-19.
Ainda utilizando esse entendimento, a Receita Federal possui diversas manifestações favoráveis ao aproveitamento de créditos em relação a despesas relacionadas à aquisição de produtos e serviços necessários para o atendimento da legislação ambiental, regras estas específicas para cada setor econômico.
Percebe-se, portanto, que mesmo considerando entendimento mais restrito da Receita Federal à aplicação do Recurso Repetitivo, há base para sustentar o creditamento dos valores dispendidos pelas pessoas jurídicas com a adequação à LGDP, sendo que o direito de aproveitamento de tais créditos será mais claro quanto maiores foram as exigências legais aplicáveis aquela atividade específica.
Por se tratar de tema recente, é certo que ainda não acalcou os tribunais em volume suficiente de modo que ainda é cedo para dizer de uma formação jurisprudencial, mas já é possível notar manifestações dos tribunais baseadas exclusivamente nos critérios da essencialidade e relevância, obrigação legal e aplicáveis também a empresas comerciais.
Por fim, vale relembrar que o julgamento do REsp nº 1.221.170/PR não encerrou o tema no âmbito dos Tribunais Superiores já que o alcance da não cumulatividade e o conceito constitucional de insumo ainda pendem de julgamento pelo STF, podendo trazer esclarecimentos ou aumentar ainda mais as discussões sobre o tema.
Apesar de ser tema que movimenta os tribunais há mais de 15 anos, as discussões sobre certos gastos como insumos está longe de ter uma definição, mesmo com os critérios fixados pelo STJ. Isto porque, conforme as relações econômicas se tornam cada vez mais refinadas e informatizadas, novos desafios e obrigações são impostos às empresas.
É de se notar, que enquanto nem sequer a questão sobre a possibilidade de creditamento de valores gastos com a implantação da LGPD estão pertos de serem pacificados, temos a possibilidade de em um próximo enfrentarmos discussões semelhantes sobre os gastos realizados para adequação das empresas aos padrões ESG (Environmental, social and corporate governance), os quais cada vez mais deixam de ser um diferencial e passam a ser critérios de acesso a mercados. Ou seja, há ainda espaço para muito debate enquanto não aprovada uma reforma tributária que efetivamente simplifique nosso sistema tributário.
Fonte: Jota, acesso em 02/05/22
LEIA MAIS: IMPLEMENTAÇÃO DO NOVO ENSINO MÉDIO É DESAFIO PARA 2023 PARA NOVO MINISTRO DA EDUCAÇÃO