Jurisprudência
15 ago 14 00:00

POSSIBILIDADE DE CANCELAMENTO DE BOLSA DE ESTUDOS NO CURSO DO ANO (F)

Possibilidade de cancelamento de bolsa parcial de estudos. De acordo com o acórdão a instituição de ensino disponibilizava bolsas de estudos para alunos de baixa renda. Para possuir esse direito era necessário apresentar documentação comprovando a renda familiar.

No caso em tela a instituição de ensino enviou para os representantes do aluno, que já possuía bolsa de estudo, formulário para a nova comprovação de renda familiar. Ocorre que o prazo para a entrega do formulário era de apenas 10 dias, no entanto o documento não foi entregue dentro do prazo. Passado o prazo o aluno entregou o formulário faltando alguns documentos solicitados. Sendo assim é direito da instituição de ensino cancelar a bolsa de estudos.

APELAÇÃO CÍVEL. ENSINO PARTICULAR. cancelamento de bolsa parcial de estudos.  PRAZO PARA ENTREGA DE FICHA SÓCIO-ECONÔMICA. DESATENDIDO. exercício regular de direito. dever de indenizar. inocorrência. imPROCEDÊNCIA MANTIDA.

1.         Inequívoco nos autos que o autor Bruno cursava o Ensino Médio e o Curso Técnico em Química na instituição de ensino demandada no ano de 2006, como se deflui do certificado de conclusão e do histórico escolar insertos aos autos.

2.         Preambularmente, oportuno destacar que restou esclarecido nos autos que as mensalidades escolares não sofreram aumento ou reajuste, na verdade o que ensejou a variação no valor destas foi a perda da bolsa parcial de estudos concedida ao aluno.

3.         Frise-se que as mensalidades eram classificadas em diversas faixas, as quais variavam de acordo com a renda familiar comprovado pelo aluno. Neste sentido, a fim de controlar e retificar os registros a instituição, no ano de 2006, solicitou que os responsáveis pelos alunos apresentassem uma ficha sócio-econômica, bem como os respectivos documentos comprobatórios, através da qual seriam classificados nas diversas faixas.

4.         A escola enviou para os pais ou responsáveis um ofício, postulando o preenchimento de nova ficha, concedendo o prazo de 10 dias para serem prestadas as informações solicitadas, após o qual ocorreria a perda da bolsa educacional.

5.         No caso em exame, o aluno Bruno recebeu o ofício em 10/08/2006. Contudo, a ficha só foi apresentada em 09/10/2006, ou seja, extemporaneamente, estando desacompanhada de todos os documentos solicitados.

6.         Logo, o cancelamento da bolsa parcial de estudos por parte da instituição de ensino constitui exercício regular de direito.           Cumpre salientar que o autor tinha plena ciência das regras para a concessão e manutenção da bolsa de estudos. Ademais, não há qualquer irregularidade ou abusividade nas condições impostas pela ré.

7.         Assim, não houve a prática de qualquer ato ilícito pelo apelado capaz de ensejar a sua responsabilização. Ainda mais considerando o seu agir como sendo no exercício regular de um direito juridicamente protegido, decorrente de prévia contratação, o qual sabidamente não é fonte de responsabilidade civil.

Negado provimento ao apelo.

 

Apelação Cível

                                                                        Quinta Câmara Cível

Nº 70030950604

                                                                        Comarca de Novo Hamburgo

MARIA JOSE PAIXAO PACHECO

                                                                        APELANTE

Bruno Henrique Reis

                                                                        APELANTE

FUNDACAO ESCOLA TECNICA LIBERATO SALZANO VIEIRA DA CUNHA

                                                                        APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Leo Lima (Presidente) e Des. Romeu Marques Ribeiro Filho.

Porto Alegre, 26 de agosto de 2009.

DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO,

Relator.

I – RELATÓRIO

                        Des. Jorge Luiz Lopes do Canto (RELATOR)

Trata-se de recurso de apelação interposto por MARIA JOSÉ PAIXÃO PACHECO e BRUNO HENRIQUE REIS nos autos da ação revisional de débito cumulada com pedido de danos morais, pelo rito ordinária, proposta em face de FUNDAÇÃO ESCOLA TÉCNICA LIBERATO SALZANO VIEIRA DA CUNHA.

A decisão atacada (fls. 163/164) julgou improcedente o pedido deduzido na presente ação, condenando os autores, ora apelantes, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da demandada, fixados em R$ 800,00 (oitocentos reais), suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade judiciária concedida.

Em suas razões recursais (fls. 166/174), argumentou que a variação no valor da mensalidade escolar é abusiva. Aduziu que a instituição de ensino procedeu ao aumento com base na Declaração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, a qual não possui responsabilidade quanto ao custeio dos ensinos do autor Bruno. Referiu que apenas os auditores da Receita Federal são capacitados para analisar declarações de imposto de renda.

Defendeu que o princípio da universalidade veda a discriminação de valores de mensalidade escolar em razão da renda pessoal.

Pugnou pelo provimento do recurso e a reforma da sentença.

O prazo para contra-razões transcorreu in albis (fl. 177).

Os autos foram remetidos a esta colenda Corte de Justiça.

                        Registro que foi observado o disposto nos arts. 549, 551 e 552 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

            II – VOTOS

                        Des. Jorge Luiz Lopes do Canto (RELATOR)

Admissibilidade e objeto do recurso

                        Eminentes colegas, o recurso intentado objetiva a reforma da sentença de primeiro grau, com a inversão do ônus da sucumbência, versando sobre ação revisional de cláusulas contratuais cumulada com pedido de danos morais.

                        Os pressupostos processuais foram atendidos, utilizado o recurso cabível, há interesse e legitimidade para recorrer, este é tempestivo e está dispensado do preparo em função da assistência judiciária concedida (fl. 34), inexistindo fato impeditivo do direito recursal, noticiado nos autos.

                        Assim, verificados os pressupostos legais, conheço do recurso intentado para a análise das questões de fundo suscitadas.

                        Mérito do recurso em exame

No caso em exame, entendo que não merece guarida a pretensão da parte recorrente, pois inequívoco nos autos que o autor Bruno cursava o Ensino Médio e o Curso Técnico em Química na instituição de ensino demandada no ano de 2006, como se deflui do certificado de conclusão e do histórico escolar insertos aos autos às fls. 133/134.

Preambularmente, oportuno destacar que restou esclarecido nos autos que as mensalidades escolares não sofreram aumento ou reajuste, na verdade o que ensejou a variação no valor destas foi a perda da bolsa parcial de estudos concedida ao aluno.

Frise-se que as mensalidades eram classificadas em diversas faixas, as quais variavam de acordo com a renda familiar comprovada pelo aluno. Neste sentido, a fim de controlar e retificar os registros a instituição, no ano de 2006, solicitou que os responsáveis pelos alunos apresentassem uma ficha sócio-econômica, bem como os respectivos documentos comprobatórios, através da qual seriam classificados nas diversas faixas.

A escola enviou para os pais ou responsáveis um ofício, postulando o preenchimento de nova ficha, concedendo o prazo de 10 (dez) dias para serem prestadas as informações solicitadas, após o qual ocorreria a perda da bolsa educacional (fl. 138).

No caso em exame, o aluno Bruno Henrique dos Reis recebeu o ofício em 10 de agosto de 2006, conforme se depreende do documento da fl. 139. Contudo, a ficha só foi apresentada em 09 de outubro de 2006, ou seja, extemporaneamente, estando desacompanhada de todos os documentos solicitados (fl. 107). Ressalte-se que tal fato se mostra suficiente para o cancelamento da bolsa parcial, tendo em vista a advertência realizada.

Destarte, não há qualquer adminículo de prova nos autos de que os autores tenham postulado perante a instituição de ensino pedido de reconsideração acerca do novo enquadramento.

Portanto, o cancelamento da bolsa parcial de estudos por parte da instituição de ensino constitui exercício regular de direito, porquanto o regulamento das bolsas educacionais – Resolução nº. 1561/2004 (fls. 97/101) prevê no artigo 4, letra “b” que, mediante solicitação da fundação, em qualquer tempo, os beneficiados com bolsa parcial ou integral, poderão ser solicitados a atualizarem os dados referentes a manutenção/alteração do benefício através do preenchimento de ficha sócio-econômica com a respectiva documentação.

Releva ponderar, ainda, que os autores tinham plena ciência das regras para a concessão e manutenção da bolsa que Bruno foi beneficiário, contudo, deixaram de prestar oportunamente as informações necessárias para continuidade do referido benefício, o que demonstra desinteresse em perceber este ou desnecessidade de mantê-lo.

Ademais, não há qualquer irregularidade ou abusividade nas condições impostas pela ré. Aliás, como bem ressaltado pelo culto Magistrado de Primeiro Grau, Dr. Luiz Felipe Severo Desessards (fls. 163/164), ao asseverar que:

Depreende-se dos documentos acostados que a majoração da mensalidade escolar, de R$ 191,00 para R$ 213,00 e, após, R$ 451,00, se deu em virtude da cessação do benefício da bolsa de estudo parcial em decorrência da não-apresentação dos documentos solicitados pela escola ao aluno, conforme cláusula 4-B e 5-K da Resolução 1561/04 – Regulamento das Bolsas Educacionais (fls. 85/89 e 138/139).

Inexiste, na hipótese, ilegalidade na exigência de documentos de comprovação de rendimentos para concessão do benefício instituído pela requerida – bolsa ou redução no valor da mensalidade-, notadamente porque a benesse, como instituída, encontra previsão no Estatuto da Fundação (fls. 75 e ss.).

Além do mais, a parte autora não logrou comprovar a abusividade ou ilegalidade de enquadramento à faixa de mensalidade nº 23, com pagamento devido ao patamar de R$ 451,00, nos termos da Resolução editada pela ré, e era ônus que lhe incumbia a teor do art. 333, I, do CPC.

Outrossim, embora a ré não seja obrigada a realizar a rematrícula de aluno inadimplente, nos termos do art. 5º da Lei nº 9.870/99, observei que a requerida realizou a matrícula daquele para o ano-letivo de 2007 sem a quitação de todos os débitos do semestre anterior (fls. 28/29).

Inclusive, a existência de débitos no ano de 2006 não privou o autor da obtenção do certificado de conclusão do ensino médio (fl. 133) e do histórico escolar do curso técnico (fl. 134).

Logo, diante do quadro apresentado, inexistem danos a serem ressarcidos, e o autor não faz jus a enquadramento em faixa de mensalidade diversa da que operada pela ré, devendo, para obter o benefício de bolsa ou redução de mensalidade junto à requerida, submeter-se às condições da Resolução da escola e preencher os requisitos pertinentes.

Desse modo, entendo que não houve a prática de qualquer ato ilícito pela apelada capaz de ensejar a sua responsabilização. Ainda mais considerando o seu agir como sendo no exercício regular de um direito juridicamente protegido, decorrente de prévia contratação, o qual sabidamente não é fonte de responsabilidade civil. Utilizo os ensinamentos de Sergio Cavalieri Filho[1] para melhor ilustrar o instituto em tela o qual exclui a ilicitude, o que afasta a possibilidade de reparação, como se vê a seguir:

Exercício regular de um direito – o nome já diz – é o direito exercido regularmente, normalmente, razoavelmente, de acordo com seu fim econômico, social, a boa-fé e os bons costumes. Quem exerce seu direito subjetivo nesses limites age licitamente, e o lícito exclui o ilícito. O direito e o ilícito são antíteses absolutas, um exclui o outro; onde há ilícito não há direito; onde há direito não há ilícito. Vem daí que o agir em conformidade com a lei não gera responsabilidade civil ainda que seja nocivo a outrem – como, por exemplo, a cobrança de uma dívida, a propositura de uma ação, a penhora numa execução forçada.

Destarte, o artigo 186 do Código de Processo Civil estabelece que: aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Da mesma forma reza o artigo 927 do diploma legal precitado: aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, hipóteses de incidência estas que entendo não se aplicaram ao suporte fático descrito na exordial.

Nesse sentido são os arestos a seguir transcritos:

RESPONSABILIDADE CIVIL. CADASTRAMENTO EM ÓRGÃO DE RESTRIÇÃO DE CRÉDITO. DÍVIDA EXISTENTE. EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO. COMPROVADO. DANO MORAL. NÃO CONFIGURADO. A ré logrou êxito em comprovar que a autora encontra-se inadimplente para consigo em decorrência de utilização de serviços de telefonia móvel em período anterior a transferência de titularidade do número em questão. Assim, o lançamento do nome da autora em órgão de restrição de crédito não configura ato ilícito, mas exercício regular de um direito, o que não gera dever de indenizar. DESPROVERAM O APELO. (Apelação Cível Nº. 70022094585, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 05/12/2007).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANIFICAÇÃO DE MERCADORIA. ABORDAGEM A CLIENTE. EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO. ABUSO NÃO COMPROVADO. Demonstrado nos autos que os prepostos da ré agiram no exercício regular de um direito ao abordarem a autora, a qual, segundo alegações da empresa corroboradas com a fita de vídeo coligida aos autos, danificou algumas peças de roupas, ao retirar os respectivos alarmes anti-furto, inexiste o dever de indenizar. Conduta legítima da demandada que não se excedeu e não expôs a imagem da autora perante terceiros, conforme revela o contexto probatório constante dos autos. Ilícito não configurado. Sentença de improcedência mantida. APELAÇÃO IMPROVIDA. (Apelação Cível Nº. 70022051130, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 29/11/2007).

APELAÇÃO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. COMUNICAÇÃO DE OCORRÊNCIA POLICIAL. NOTÍCIA CRIME. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. 1. Não há falar em recebimento das contra-razões de apelação como recurso adesivo ¿ pedido este formulado pelo réu – para fins de majoração dos honorários de seu procurador. Ora, se o demandado pretendia se insurgir contra algum ponto da sentença, deveria tê-lo feito por meio de interposição de recurso de apelação ou de recurso adesivo, tendo, cada espécie, requisitos próprios de processamento. Não cabe, pois, pedido de recebimento de contra-razões de apelação como recurso adesivo, principalmente se não cumpridas as exigências processuais de interposição e processamento. 2. Não se efetivou falsa comunicação de crime. O requerido apenas levou ao conhecimento da polícia situação fática que efetivamente ocorreu, sem mencionar suspeitos, o que somente foi feito em caráter sigiloso. Não houve atuação imprudente ou afoita do réu, que, muito pelo contrário, agiu com bastante cautela quando levou os fatos ao conhecimento da polícia. O autor, por sua vez, sequer foi indiciado. 3. Agiu o réu, portanto, no exercício regular do direito de acionar o Estado, para que este exercesse, entendendo plausível a provocação, seus atributos de persecutio criminis e jus puniendi. 4. Configurado o exercício regular de direito, inexiste ato ilícito, restando afastado, assim, o dever de indenizar. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº. 70020624334, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 05/09/2007).

Portanto, nenhum reparo há que ser feito ao cancelamento da bolsa de estudos que foi concedida ao aluno Bruno Henrique Reis, quanto mais no caso em tela no qual a parte autora receberia a benesse em questão mediante o atendimento a determinadas condições, não as tendo cumprido, por certo em função de prescindir deste benefício.

            III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao apelo, para manter a sentença de primeiro grau, inclusive no que tange à sucumbência.

Des. Romeu Marques Ribeiro Filho (REVISOR)

Com o eminente Relator, no caso concreto.

Des. Leo Lima (PRESIDENTE) – De acordo.

DES. LEO LIMA – Presidente – Apelação Cível nº 70030950604, Comarca de Novo Hamburgo: “NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.”

 Julgador(a) de 1º Grau: LUIZ FELIPE SEVERO DESESSARDS

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