Jurisprudência
06 ago 14 00:00

TRF3 DECLARA QUE É INCONSTITUCIONAL A OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES SOBRE MOVIMENTAÇÕES BANCÁRIAS SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL

O Tribunal Regional Federal da Terceira Região julgou recentemente a impossibilidade do fisco de se utilizar de informações de contas e movimentações bancárias dos contribuintes. Diversos tribunais federais e inclusive o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre a ilegalidade cometida pela administração pública em requisitar as instituições bancárias informações relativas a determinado contribuinte, quebrando assim diversas garantias constitucionais consagradas na Constituição Federal de 1988.

O Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento de que é inconstitucional o acesso direto do Fisco às informações bancárias quando solicitadas aos bancos que não sejam motivadas por ordem judicial. Ainda assim, as informações derivariam de investigação criminal ou instrução processual penal.

De tal modo, todos e quaisquer processos que derivarem de requisições sem o amparo judicial para instruir processos penais são nulos de pleno direito, como constatado no acordão a seguir:

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001275-05.2008.4.03.6104/SP

                                2008.61.04.001275-0/SP

RELATOR             :              Desembargador Federal MÁRCIO MORAES

APELANTE          :              KIRIOITI IKEOKA

ADVOGADO      :              SP166965 ANDRÉ LUIS DA SILVA CARDOSO e outro

APELADO(A)      :              Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)

ADVOGADO      :              SP000003 JULIO CÉSAR CASARI E CLAUDIA AKEMI OWADA

DECISÃO

Cuida-se de apelação interposta por KirioitiIkeoka nos autos de mandado de segurança, com pedido de liminar, em que se objetiva, em síntese, que a autoridade impetrada se abstenha de utilizar informações extraídas de extratos bancários obtidos por meio de requisição de informações sobre movimentação financeira.

Sustenta a inconstitucionalidade da LC nº 105/ 01 que possibilitou ao Fisco utilizar informações fornecidas por bancos à Receita Federal, pertinentes à movimentação financeira dos contribuintes. Diz que a quebra do sigilo fiscal somente é possível por determinação judicial.

A sentença denegou a segurança, deixando de condenar em honorários advocatícios nos termos da Súmula 105/STJ e Súmula 512/STF.

O impetrante alega, em suas razões de apelação, que a utilização em processo administrativo fiscal de informações constantes em extratos bancários, obtidos sem autorização judicial, viola os princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

Regularmente processado o feito, subiram os autos à Superior Instância.

O MPF opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

Decido.

O feito comporta julgamento nos termos do artigo 557, do CPC.

Alega o impetrante que o procedimento administrativo fiscal lastreou-se em extratos bancários obtidos mediante quebra de sigilo de dados sem a devida autorização judicial.

No que tange à ilegalidade do procedimento fiscal pela obtenção de extratos bancários sem autorização judicial, razão assiste à recorrente.

Isto porque, atualmente, tenho acompanhado o julgado do STF, no sentido da inconstitucionalidade do acesso direto do Fisco às informações sobre movimentação bancária, sem prévia autorização judicial, para fins de apuração fiscal, afastando também a aplicação da Lei Complementar n. 105/2001 e da Lei n. 10.174/2001, conforme RE 389.808, Relator Ministro Marco Aurélio, publicado no DJE de 9/5/2011.

Eis o acórdão publicado:

“SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a quebra do sigilo – submetida ao crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal.

SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte.”

Na conformidade do decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a Terceira Turma desta Corte já decidiu pela anulação de auto de infração lavrado com base no cruzamento de dados decorrentes do acesso direto do Fisco à movimentação bancária do contribuinte, o que se depreende da leitura da ementa a seguir:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. AGRAVOS RETIDOS E ALEGAÇÃO DE NULIDADE. REQUISIÇÃO JUDICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. AUTO DE INFRAÇÃO. IRPF. APURAÇÃO DE DÉBITOS FISCAIS. OMISSÃO DE RENDIMENTOS. DEPÓSITOS BANCÁRIOS. ORIGEM. SIGILO BANCÁRIO E PROFISSIONAL. LEIS 9.311/96, 9.430/96 E 8.906/94. LC 105/01. ANO-BASE DE 1998. INCONSTITUCIONALIDADE. SUPREMA CORTE.

1. Rejeitada a alegação de nulidade da sentença, primeiramente porque firme a jurisprudência no sentido de que somente quando provada, além da pertinência da prova, a recusa da repartição fiscal em fornecer ao interessado a cópia do procedimento fiscal é que cabe a sua requisição judicial (AGRESP 1.117.410, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJE 28/10/2009); e, em segundo lugar, porque tanto a documentação estava disponível que foi juntada na contestação na quase totalidade, como constou da decisão agravada, com a falta apenas da impugnação, que o próprio autor anexou juntamente com outros documentos quando da interposição do agravo retido, a demonstrar a regularidade do processo e do julgamento promovido, até porque se o direito de vista de documentos era da Fazenda Nacional, não pode o contribuinte invocar, em seu favor, nulidade fundada no artigo 398 do CPC, além do que o conteúdo do procedimento fiscal não configurava, efetivamente, novidade para qualquer das partes.

2. Em ação anulatória como a presente, em que se impugna um certo lançamento feito por omissão de receitas tributáveis, se a autuação fiscal decorre de valores que, conforme o contribuinte, não são rendimentos da pessoa física, próprios e omitidos, caberia ao autor da demanda produzir, de logo, a prova com a respectiva inicial, ainda que eventualmente a mesma já conste do procedimento administrativo, cuja requisição somente se justificaria se houvesse recusa fiscal em fornecer, o que não se comprovou, e exclusivamente quanto à documentação oficial, que não fosse do próprio contribuinte ou de que tivesse posse para juntar em Juízo. Assim, não existe nulidade a ser acolhida, nem se sustenta o agravo retido do indeferimento da requisição do processo fiscal e, quanto à negativa de antecipação de tutela, resta prejudicada pelo presente julgamento.

3. No âmbito da Corte já se decidiu acerca da validade do lançamento tributário, fundado no artigo 42 da Lei 9.430/96, a partir da apuração do fato gerador com base em informes decorrentes da movimentação financeira do contribuinte, obtidos em conformidade com o artigo 11, § 3º, da Lei 9.311/96, alterado pela Lei 10.174/2001, e com a LC 105/2001, sem qualquer ofensa a princípios constitucionais ou à legislação, inclusive o Código Tributário Nacional, como revelam diversos precedentes de todas as Turmas de Direito Público desta Corte. Além do mais, quanto à regularidade do procedimento fiscal, fundado no regime legal assim estabelecido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça: RESP 792.812, Rel. Min. LUIZ FUX, DJU 02/04/2007.

4. Por outro lado, o sigilo profissional em favor do advogado (artigo 7º, II, da Lei 8.906/94) não impede o Fisco de intimar e instaurar procedimento de apuração de exigibilidade fiscal até porque, em nome do sigilo, profissional algum pode obstar o exercício da competência administrativa de fiscalização e de apuração de tributos. Ainda que não queira nem possa fornecer dados de clientes ou de processos ou consultas profissionais, evidente que o Fisco em relação ao próprio profissional pode exigir que este, como todo contribuinte, faça todos os esclarecimentos de interesse da arrecadação fiscal, assim, os rendimentos que, no exercício da profissão ou fora dela, auferiu, sob pena de instituir-se regime fiscal de favorecimento excepcional aos profissionais da advocacia, incompatível com o Estado de Direito. A propósito, assim tem decidido esta Corte (AMS 2002.61.00.020248-2, Rel. Des. Fed. CONSUELO YOSHIDA, DJU 12/11/07).

5. Todavia, em relação à questão do cruzamento de dados para fins de apuração fiscal, a partir da movimentação financeira feita pelo contribuinte, após julgamento da MC 33-5, que foi favorável ao Fisco, na sessão plenária de 15/12/2010, ao julgar o mérito do RE 389.808, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, a Suprema Corte firmou interpretação diametralmente oposta, declarando inconstitucional a normatização lesiva ao sigilo bancário dos contribuintes (artigo 5º, XII, CF), assim tornando nulo o auto de infração, lavrado com base no cruzamento de dados decorrentes do acesso do Fisco à movimentação bancária do contribuinte, na conformidade do que declarado inconstitucional pelo Excelso Pretório.

6. Desprovimento do agravo retido contra o indeferimento de requisição judicial do processo administrativo; prejudicado o agravo retido contra a negativa de antecipação de tutela; e parcial provimento da apelação do contribuinte, rejeitada a preliminar de nulidade, mas acolhido o pedido de reforma para anular o auto de infração, fixada a verba honorária de 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil.”

(AC n. 2008.61.00.019889-4, Relator Desembargador Federal Carlos Muta, j. 4/8/2011, DJe 12/8/2011)

Cumpre ressaltar que a Terceira Turma tem, inclusive, decidido monocraticamente os processos que envolvem tal hipótese: AC n. 0003369-93.2012.4.03.6100, Relator Desembargador Federal Carlos Muta, DJe 6/12/2012; AC n. 0011745-39.2010.4.03.6100, Relatora Desembargadora Federal Cecília Marcondes, DJe 26/7/2012; AC n. 0031192-23.2004.4.03.6100, Relator Des. Federal Nery Júnior, DJe 21/2/2013.

Ante o exposto, dou provimento à apelação, para conceder a segurança, determinando que a autoridade coatora se abstenha de utilizar dados bancários obtidos sem autorização judicial nos autos do procedimento administrativo.

Decorrido o prazo para interposição de recurso, baixem os autos à Vara de Origem, observadas as formalidades legais.

Publique-se. Intimem-se.

São Paulo, 02 de junho de 2014.

MARCIO MORAES

Desembargador Federal

 

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