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27 ago 21 06:52

GESTÃO ESCOLAR: COMO DIRETORES PODEM TRANSFORMAR SUAS ESCOLAS EM TERRITÓRIOS EDUCATIVOS?

 

Nesse mês de agosto de 2021, um dos acontecimentos mais marcantes do noticiário esportivo internacional foi a transferência do supercraque do futebol Lionel Messi, que deixou o Barcelona rumo ao Paris Saint-Germain, onde jogará ao lado de Neymar e outras estrelas.

Até quem não é muito familiarizado com o esporte sabe que o argentino Messi é um gênio do futebol, verdadeira unanimidade em todos os quesitos. Ainda assim, mesmo estando desde 2008 classificado entre os três finalistas do prêmio Bola de Ouro da Federação Internacional de Futebol (FIFA), a maior consagração do futebol mundial (tendo vencido por seis vezes), e mesmo sendo multicampeão pelo seu agora ex-clube Barcelona, Messi conseguiu apenas recentemente, em julho de 2021, o seu primeiro título vestindo a camisa da seleção argentina, após longos anos de espera e muitos questionamentos por parte da torcida.

O caso de Messi deixa evidente uma máxima: seja nos esportes, ou em quaisquer outras atividades coletivas, mesmo indivíduos virtuosos e fora de série como ele encontrarão limites – muitas vezes intransponíveis – caso não tenham ao seu lado uma boa equipe. E nesse ponto, convenhamos, amigo leitor e amiga leitora, se tem um lugar onde a coletividade é exigida cotidianamente, esse lugar é a escola, não é mesmo?

O objetivo principal de qualquer unidade escolar deve sempre ser a construção de conhecimento e o fomento da troca de saberes, num contexto marcado por diálogo, reflexão crítica e construção coletiva. No entanto, precisamos ter em mente um detalhe: todas essas ações não se restringem à sala de aula – pelo contrário. É essencial que elas se expandam para outros ambientes da unidade escolar, como o gabinete da direção, e que consigam se amplificar para além disso, consolidando-se por todo o território em que a escola está presente.

 

O trabalho do diretor escolar e as complexidades da pandemia

Apesar de termos consciência desses pontos fundamentais relacionados ao trabalho nas escolas, sabemos também que, em sua rotina, o diretor escolar é quase que um “bombeiro”, que passa o dia “apagando incêndios” em suas mais variadas formas. Eu sempre brinco dizendo que o meu “batizado” como diretor aconteceu no dia em que tive que acompanhar um aluno até o hospital, por conta de uma queda na Educação Física. Os telefones dos pais não atendiam, era uma emergência, o menino estava sangrando e pronto: foi assim que conheci o Hospital Municipal Albert Schweitzer, aqui no Rio de Janeiro (RJ).

Além disso, quando pensamos no dia a dia de escolas que estão atendendo presencialmente, temos aí uma série de demandas típicas da direção como solicitação de compra de material para professores; tentativas de manter contato com pais e responsáveis por meio de números que em boa parte das vezes eles não atendem; planejamento de gastos; lidar com a prestação de contas sobre as verbas executadas, e muito mais.

Para tornar tudo ainda mais complexo, como venho compartilhando nas minhas últimas colunas, em tempos de pandemia os gestores estão chegando ao limite: nunca trabalhamos tanto e fomos tão cobrados como nesse último ano e meio. A realidade das aulas remotas trouxe uma série de novas responsabilidades, como a profusão de links de formulários para preencher; reuniões frequentes com representantes das áreas da Educação e da Saúde; intervenções no espaço escolar para adequação de protocolos; necessidade da realizarmos a busca ativa de alunos faltosos; entre outras demandas.

Com todos esses “incêndios” ocorrendo quase que simultaneamente, nós diretores e diretoras escolares precisamos ter consciência de que simplesmente não vamos conseguir responder a todas essas demandas sozinhos. A solução para isso, mais do que nunca, está em descentralizar decisões e estabelecer parcerias no próprio entorno escolar. Afinal, várias dessas demandas citadas anteriormente podem ser atendidas em parceria com pessoas da comunidade. Basta, para isso, ampliarmos a participação e o poder de decisão dessas pessoas – o que nos leva, então, aos territórios educativos.

O conceito e a prática de territórios educativos

Geralmente, são os contextos que exigem grandes mudanças estruturais – como é o caso da pandemia – que trazem a possibilidade de pensarmos em organizar a coletividade no entorno escolar, trazendo ainda mais significado para o impacto do nosso trabalho na perspectiva da comunidade. Lembre-se do exemplo do começo dessa coluna: só quando a seleção da Argentina se organizou é que foi possível proporcionar a tão sonhada primeira taça ao Messi. Mesmo em tempos iluminados, o craque não conseguiu ser campeão sozinho. Enquanto diretores, precisamos ter esse mesmo olhar de que, sozinhos, não vamos a lugar algum.

Assim, dessa necessidade de se partilhar e de desenvolver trabalhos de forma coletiva, podem surgir caminhos que vão amplificar a democracia e proporcionar à comunidade o protagonismo que ela sempre mereceu. Trata-se de algo que deveria ser uma busca corriqueira, mas sabemos que infelizmente não é tão simples de se implantar – em alguns momentos porque a própria comunidade escolar não está muito motivada a se envolver, e em outros, por um receio nosso mesmo, enquanto diretores e diretoras, de afrouxamos o comando e, assim, “perdermos a mão” da gestão.

Nessas horas, é fundamental recorrermos àquilo que particularmente considero meu sonho e minha meta de escola: os territórios educativos. Mas o que seria esse tipo de território? Basicamente, é uma comunidade escolar que traz como paradigma a presença de quatro elementos principais, descritos no box abaixo:

Territórios educativos – 4 elementos principais

 

  1. A criação de um fórum interdisciplinar, intergeracional e intersetorial, onde os membros da comunidade escolar e de seu entorno ficam responsáveis pelas ações e intervenções que terão impacto dentro e fora da escola;
  2. O desenvolvimento de Projetos Pedagógicos (PPPs) que reflitam as vozes e os saberes da comunidade, e que sejam desenvolvidos democraticamente, sob a perspectiva da integralidade;
  3. A compreensão de que há espaços de aprendizagem em outros ambientes do território para além do prédio escolar (elemento crucial na pandemia);
  4. O desenvolvimento de um diálogo permanente entre as áreas da Educação e a Saúde, que tenha como base a garantia dos direitos sociais e humanos dos alunos (outro elemento-chave no período da covid-19)

Em relação ao primeiro desses pontos, quando pensamos na criação de um fórum, é preciso idealizar uma composição com indivíduos de todas as idades e de diversos setores da comunidade, para dar legitimidade às ações no território, principalmente em possíveis intervenções que ocorram fora dos limites da unidade escolar.

Por exemplo: é difícil trabalharmos coleta seletiva com nossos alunos, se há espaços irregulares de descarte de lixo no entorno do colégio que precisam deixar de existir – isso ilustra como, muitas vezes, a ação deve ocorrer de fora para dentro. A base de um fórum como esse está, desse modo, na consolidação de um lugar de fala, de ação e de decisão, permeado pela ideia de que a escola deve ser alicerce para o crescimento da comunidade, e vice-versa.

Para consolidar esse fórum amplo, chegamos ao segundo ponto: é necessário que o Projeto Político-Pedagógico seja legitimado pela comunidade, refletindo as suas vozes, saberes e demandas. Dessa forma, torna-se essencial envolver a comunidade num processo de revisitar o PPP, configurando-o como um documento norteador das práticas no ambiente escolar.

Por fim, em relação aos dois últimos itens do quadro, que ganharam ainda mais importância no contexto da pandemia, precisamos frisar que o processo de ensino e aprendizagem é amplo, não se restringe à relação professor/aluno, e embora tenha o chão da escola como base para o seu desenvolvimento, não ocorre apenas nesse espaço. Dialogar com projetos sociais, abrir a escola para estas ações e criar parcerias para que os alunos tenham acesso a oportunidades de aprendizado em todo o território, são iniciativas fundamentais para integrarmos a escola ao seu entorno.

Além disso, não podemos perder de vista a compreensão do aluno em sua integralidade, o que passa pela percepção de que por vezes precisaremos recorrer a intervenções junto a equipes de Saúde e de Assistência Social, para garantirmos os direitos básicos dos discentes. Afinal, o processo educativo não se desenvolve plenamente sem que haja uma série de outras garantias para o crescimento da criança em relação ao seu bem estar e à sua vida cotidiana, especialmente durante uma pandemia.

Fonte: Nova Escola, acesso em 27/08/21

 


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