TJ-MG INDEFERE PEDIDO DE DESCONTO NAS MENSALIDADES
DECISÃO
Vistos. Fundação Percival Farquhar, mantenedora da Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE, interpõe Agravo de Instrumento da decisão (DE-34) que, nos autos da Ação Revisional contra si ajuizada por Maressa Ribeiro Vieira, deferiu a liminar pleiteada na inicial para determinar que a Ré conceda, de forma retroativa ao dia 17.03.2020, desconto de 50% das mensalidades escolares relativas ao curso de medicina, enquanto não houver possibilidade de aula presencial.
Em minuta recursal, alega a Agravante que a suspensão das aulas presenciais decorre de determinação governamental, sem qualquer espaço de liberdade, adotada como medida de prevenção à disseminação do agente causador da pandemia de Covid-19. Com tal premissa, argumenta que a adoção das aulas virtuais é a única via possível para levar a cabo a atividade escolar do curso de medicina.
Alega que a substituição/conversão de aulas presenciais em remotas encontra assento em sucessivas Portarias editadas pelo Ministério da Educação e pelo Conselho Nacional de Educação, posteriormente ratificadas pela Lei 14.040/2020. No ensejo, destaca que o ano em que se encontra matriculada a Agravada – 6º período – robora a possibilidade de adoção do ambiente escolar virtual para a continuidade da graduação, sem qualquer risco de prejuízo ao conteúdo essencial ministrado em sala de aula ou de redução da carga horária prevista na avença.
Discorre a Agravante sobre a inexistência de vantagem econômica que lhe tenha gerado posição contratual privilegiada no ajuste das partes. Para tanto, assevera que o simples transplante das aulas para o mundo digital não justifica, por si só, a redução das mensalidades, tampouco implica diminuição de custos operacionais, a exemplo das despesas com energia elétrica. No ensejo, aduz inexistir obrigação legal de conceder descontos a seus alunos, por muito que se possa lamentar do cenário de pandemia que assola a humanidade.
Ao final, pugna pelo recebimento do recurso no duplo efeito.
É o breve Relatório.
Como se sabe, para a concessão de efeito suspensivo ao recurso, exige-se a satisfação de três requisitos: pedido expresso, probabilidade de êxito e perigo de grave dano ou de difícil reparação (art. 995, §ún. c/c 1.019, I, do CPC).
In casu, sem discorrer sobre a – confessada – mora da Agravada, não entrevejo, ao menos em sede de cognição sumária, inadimplemento contratual da Agravante que justifique a redução das mensalidades escolares.
A substituição da aula presencial para a modalidade de ensino remoto atende a medidas de proteção sanitárias, na conformidade com as Portarias editadas pelo Ministério da Educação. E tais diretrizes agora estão condensadas na recente Lei 14.040/2020, que estabelece, como regra, o desenvolvimento de aulas a distância para fins de integralização da carga horária exigida na constância da pandemia.
Especificamente sobre o curso de medicina, antes mesmo da edição da novel Lei, verifica-se que a Portaria 544 do MEC, de 16.06.2020, em seu art. 1º, §5º, já autorizava a adoção de aulas em ambiente digital para os alunos do primeiro ao quarto ano do curso. E, no ponto, é de se destacar que a Agravada é aluna graduanda de período inserido dentro de tal faixa permissiva.
De todo modo, o simples transplante do ambiente escolar para o meio virtual não desnatura a prestação dos serviços educacionais ofertados, mormente à míngua de maior dilação probatória. Não olvido, a propósito, a inversão do ônus da prova estabelecida na origem e sequer impugnada em grau recursal, circunstância que até poderia, eventualmente, justificar a procedência da demanda, se comprovado o inadimplemento contratual – não necessariamente atrelado à modalidade de aulas a distância, ou melhor, à redução de custos pela implementação de ensino remoto.
No atual estágio embrionário do processo, revela-se prematura a concessão de descontos com base em hipotética redução de custos operacionais havidos na Universidade Agravante, porque ainda não se vislumbra qualquer eiva na prestação de serviços escolares. A transmutação do sistema de ensino não implica, por si só, vício de qualidade ou quantidade da grade curricular (Art. 18, CDC).
Por ora, não há rastro que elucide a redução da carga horária ou da qualidade das disciplinas ministradas no curso de medicina. E isto, mormente porque nada impediria a realização de aulas práticas em momento oportuno para tanto, a ser estatuída pela Agravante, consoante dispõe o art. 207 da Constituição.
Assim, ao menos por enquanto, não há como se falar em rompimento da base objetiva do contrato – a relação é de consumo, o que dispensa a incidência da denominada teoria da imprevisão – que coloque em posição jurídica mais favorável a parte ré em detrimento da estudante autora.
E, à cata de especulação, se alguma aposta se puder realizar, supondo que o inadimplemento esteja umbilicalmente ligado a despesas operacionais, afirmar-se-ia que os autos tendem a evidenciar a redução de custos (com impressão, água, energia e aumento de velocidade da internet), embora também não se possa desconsiderar o surgimento de eventuais despesas inerentes ao implemento de um sistema de ensino a distância.
De tal modo, os percentuais de redução – se cabível – devem ser precedidos de documentos bastantes à respectiva depuração; do contrário, a ingerência judicial a respeito resvala para o risco de o próprio Judiciário colapsar o sistema de pagamentos. Em outras palavras, ao tentar resolver a celeuma e “aplicar a justiça no caso concreto”, paradoxalmente o Judiciário pode incorrer no erro de erigir uma nova crise. Daí a cautela em casos de tal jaez.
Em tal linha, revela-se flagrantemente arbitrário o desconto de 50% calcado em especulação. À míngua de prova, prevalece a velha expressão, ne sutor ultra crepidam: não é dado a este Juízo espaço para especular a respeito de questões afetas à matéria de economia.
Ante o exposto, recebo o recurso no efeito suspensivo.
Comunique-se ao MM. Juízo a quo, com urgência. Intime-se a parte agravada para, querendo, apresentar resposta ao recurso no prazo legal.
P e I.
Belo Horizonte, 19 de outubro de 2020.
DES. JOSÉ MARCOS RODRIGUES VIEIRA
Relator