Suspende eficácia da decisão no tocante à parte em que sustou a obrigação de pagamento das mensalidades por seis meses – RN
Agravo de Instrumento com Suspensividade n° 0802946-79.2020.8.20.0000
Origem: 3ª Vara Cível da Comarca de Mossoró
Agravante: APEC – Sociedade Potiguar de Educação e Cultura Ltda.
Agravado: Francisco Jarismar Chaves
Relatora: Desembargadora Judite Nunes
D E C I S Ã O
Trata-se de Agravo de Instrumento com pedido de atribuição de efeito suspensivo interposto por APEC – Sociedade Potiguar de Educação e Cultura Ltda. em face de decisão proferida pelo Juízo de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Mossoró, nos autos de Ação Ordinária (visando reequilíbrio econômico-financeiro em relação contratual) autuada sob o nº 0844997-71.2020.8.20.5106, proposta pelo ora Agravado, Francisco Jarismar Chaves.
Narra a Agravante, em síntese, que o Recorrido, na condição de aluno da instituição recorrente (estudante do curso de Direito), ajuizou a citada demanda objetivando, em sequência: “(i) a suspensão de pagamento do valor da mensalidade do curso de Direito, pelo período de seis meses; (ii) a redução no patamar de 50%, e, alternativamente, nos percentuais de 40%, 30% e 20%, sobre o valor da mensalidade, durante o período que perdurar a interrupção das aulas presenciais; e (iii) a proibição de cancelamento da bolsa acadêmica e de negativação do seu nome”, sustentando, basicamente, que é profissional autônomo e presta serviços no ramo da construção civil, tendo sua fonte de renda fortemente comprometida nesse período de paralisação das atividades em decorrência da pandemia do novo coronavírus.
Nesse contexto, alegou o Recorrido, desde a inicial da ação ordinária, que haveria ônus contratual excessivo ao contratante, a partir da interrupção das aulas presenciais, restando impossibilitado de manter o pagamento das mensalidades do curso, havendo, por outro lado, vantagem excessiva em favor do Agravante, tendo em vista a redução de seus custos operacionais, inclusive aqueles relacionados a taxas e impostos, uma vez que o Poder Público teria anunciado redução na cobrança de contribuições, suspensão no pagamento de FGTS, dentre outras medidas.
A plausibilidade do direito autoral, reconhecida parcialmente na decisão agravada, estaria lastreada, assim, na seguinte tríade: “(i) situação de desemprego do Agravado e demonstração de pagamento das mensalidades anteriores ao advento da pandemia; (ii) interrupção das aulas presenciais; (iii) nas medidas econômicas do Poder Executivo para reduzir o impacto da crise para as empresas”, e o perigo na demora, por outro lado, no alegado risco iminente de ter seu nome incluso em cadastros de restrição de crédito, cancelamento de contrato ou perda de bolsa acadêmica.
Nas razões recursais, o Agravante argumenta que não existe essa situação de desequilíbrio relatada; que mantém a prestação dos serviços de formas remota, com a mesma carga horária; que a interrupção das aulas presenciais decorreu de fato alheio à sua vontade e domínio, seguindo apenas determinação do MEC (Ministério da Educação); que já existem manifestações oficiais de inúmeros órgãos de proteção ao consumidor, no sentido de recomendar a manutenção das condições contratuais; que o agravado sequer juntou aos autos comprovação de rendimentos; que a situação de excepcionalidade vivenciada por todos tem aumentado sensivelmente as estatísticas de inadimplência, prejudicando a própria saúde financeira da instituição; e que a maior parte de seus custos operacionais segue inalterada.
Defendendo, assim, a ausência dos requisitos autorizadores da tutela antecipada deferida, requer a Agravante o deferimento de efeito suspensivo ao agravo, a fim de seja sobrestada a eficácia da decisão combatida, até julgamento meritório deste recurso. No mérito, pretende a reforma da decisão interlocutória com o indeferimento total da tutela antecipada.
Trouxe ao recurso os documentos identificados do ID. 5705548 ao ID. 5705559, incluindo o comprovante de pagamento das custas recursais.
É o relatório. DECIDO.
Preenchidos os requisitos extrínsecos da espécie recursal, conheço do agravo e passo ao enfrentamento do pedido de urgência.
Importante destacar, de imediato, o conteúdo da decisão agravada (acostada às páginas 3-5 do ID. 5705549) que, após examinar a causa acima relatada, chegando a enfatizar, por exemplo, que não haveria cabimento na pretensão de redução das mensalidades, uma vez que a demandada, ora agravante, não teria dado causa à situação de aulas “on line”, e que “do mesmo modo que o autor está tolhido de auferir renda durante o período de quarentena social, a instituição de ensino terá que suportar níveis incomensuráveis de inadimplência, de maneira que a diminuição do valor da mensalidade concomitante à suspensão do seu pagamento implicaria real comprometimento da saúde financeira da demandada”, deferiu parcialmente a tutela antecipada, ao final, para “determinar a suspensão do pagamento das mensalidades devidas à ré pelo período de seis meses e que esta se abstenha de cortar a bolsa universitária de 50%, de que goza o autor, sob pena de bloqueio sobre os aplicativos financeiros da parte ré, no valor de R$ 10.000,00”.
Ainda sobre os fundamentos de tal decisão, destacou o Juízo a quo que a plausibilidade do direito residiria na necessidade de “solidarização dos prejuízos”, e que o periculum in mora decorreria do risco real do autor ter seu contrato resolvido ante a sua inadimplência.
Compulsando os elementos contidos nos autos, e contrapondo-os necessariamente a tais fundamentos, entende-se – mesmo em exame prefacial do recurso – que a decisão guerreada merece ter seus efeitos parcialmente sustados.
É inevitável destacar, a priori, que existe incongruência nos fundamentos sopesados, tendo em vista que a mesma decisão que simplesmente autorizou a suspensão (por seis meses) do pagamento das mensalidades do curso contratado, afirmou claramente que eventual diminuição proporcional no valor dessa mensalidade “implicaria real comprometimento da saúde financeira da demandada”. A decisão acatou, em outras palavras, o pedido mais extremado após rechaçar plausibilidade naquela pretensão que seria, em tese, economicamente mais equilibrada e menos gravosa.
Não se trata de menosprezar os graves efeitos decorrentes da paralisação (forçada) das atividades econômicas, mas não há como dar guarida, especialmente neste momento, à suspensão total do pagamento das mensalidades acadêmicas, não apenas por ser medida drástica e de intervenção abrupta na liberdade contratual privada, mas também porque as consequências da pandemia mundialmente enfrentada, sabidamente deletérias, são COMUNS às partes contratantes. Não se está diante de situação em que apenas um lado sofre com os inconvenientes do momento de extrema excepcionalidade social e econômica, e deve o Judiciário estar atento aos reclamos individuais, e também coletivos, advindos desse grave momento.
Adentrando nas circunstâncias pontuais do caso concreto, é forçoso reconhecer, do ponto de vista processual, inclusive, que sequer a situação de imediata hipossuficiência econômica do Agravado restou demonstrada, valendo-se a decisão agravada de mera presunção a esse respeito.
Ademais, a própria existência de medidas econômicas oficiais do Poder Executivo, voltadas ao amparo momentâneo de pequenas e grandes empresas, evidencia a ciência geral (e governamental) da gravidade do momento que será e já está sendo enfrentado por instituições como a Agravante. As medidas macro econômicas, dessa forma, não importam em desequilíbrio contratual no que tange à relação “instituição de ensino/aluno”, mas – pelo contrário – na tentativa governamental de manter essas instituições “de portas abertas”, diante do aumento já esperado da inadimplência, o que também atende aos interesses primários da parte contratante.
É relevante enfatizar, neste ponto, que não existe nos autos qualquer evidência no sentido de uma suposta intenção real da Agravante, diante do cenário retratado, de incluir o nome dos alunos, de imediato, em cadastros restritivos, ou mesmo de suspender contratos ou bolsas, não havendo razão, assim, nos fundamentos lançados, na origem, como ensejadores do reconhecimento do perigo na demora.
Por outro lado, é certo observar que a interrupção até agora ocorrida, especialmente no curso contratado pelo Agravado, foi “somente” das aulas presenciais. Há, sem dúvida, um prejuízo acadêmico claro nessa interrupção, não se nega isso. Porém, é também certo que ela não foi causada por conduta ou vontade da instituição de ensino, e é igualmente justo observar que esta, assim como as demais escolas e universidades locais (pelo que se tem notícia), têm buscado se adequar rapidamente ao momento de excepcionalidade imposto pela pandemia do COVID-19, tentando manter a transmissão de conteúdo da forma que é possível.
Quanto à alegação de redução de custos da Agravante, deve-se considerar que a instituição segue pagando, em tese, os salários de seus profissionais contratados e demais obrigações contratuais, e, além disso, haverá uma natural situação de compensação futura quando da necessária implantação de regime de reposição de aulas. É possível afirmar, no contexto do que registrado mais acima, que até pode haver redução de alguns custos fixos, por óbvio, mas também é natural presumir que já está havendo redução de receita e, o que parece processualmente mais importante, essa mensuração de eventual desequilíbrio contratual só poderá ser feita após dilação probatória, e depois de período mais sedimentado de enfrentamento e vivência da crise.
Assim, em suma, a decisão de suspender o pagamento das mensalidades, além de prematura, não tem o condão de restabelecer equilíbrio contratual ou mesmo de gerar “solidarização de prejuízos”, pelo menos neste momento, podendo, pelo contrário, contribuir para a formação de efeito cascata capaz de inviabilizar, a curto ou médio prazo, a própria sobrevivência da instituição, o que não traria nenhum benefício futuro ao autor da demanda e demais estudantes.
Tais considerações, entretanto, não impedem nem desaconselham a busca consensual (e casuística), entre as próprias partes, de composição desta e de outras lides similares, sendo tal postura, aliás, aquela que certamente melhor atingirá os parâmetros da Justiça em cada caso concreto.
Por todo o exposto, defiro parcialmente a tutela recursal antecipatória, de modo a suspender a eficácia da decisão agravada no tocante à parte em que sustou a obrigação de pagamento das mensalidades por seis meses, mantendo inalterada a ordem de abstenção quanto ao eventual corte de bolsa universitária, da qual decorre, logicamente, o impedimento natural quanto à resolução contratual decorrente de possível situação de inadimplemento, tendo em vista todo o contexto de excepcionalidade sabido e acima descrito.
Comunique-se ao MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Mossoró o inteiro teor desta decisão.
Intime-se a parte agravada para oferecer resposta ao recurso no prazo de 15 (quinze) dias.
Em seguida, remetam-se os autos à Procuradoria de Justiça para os fins que entender pertinentes.
Após, à conclusão.
Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se.
Natal, 7 de abril de 2020.
Desembargadora JUDITE NUNES