ESCOLA CONDENADA A INDENIZAR ALUNO POR ABUSO SEXUAL DIVIDE RESPONSABILIDADE COM PAIS DE COLEGAS QUE COMETERAM O ATO
Os Desembargadores da 9ª Câmara Cível do TJRS, por maioria, reconheceram o direito de regresso de uma escola contra pais de alunos infratores. Condenada a indenizar um estudante que sofreu abuso sexual dentro das suas dependências, a instituição conseguiu que os responsáveis pelo ato também sejam responsabilizados. Eles terão que pagar parte do valor da indenização por danos morais a que a vítima tem direito.
Caso
A escola, onde houve abuso sexual de um aluno de sete anos por parte de outros dois estudantes de 15 anos, foi condenada a indenizar a vítima e a família em R$ 55 mil por danos morais. A mantenedora do colégio ingressou com ação indenizatória contra os adolescentes que cometeram o crime.
A ação foi julgada improcedente em primeira instância. A defesa da escola apelou ao Tribunal de Justiça alegando estar comprovada a atitude dos acusados, o que causou grave lesão patrimonial à autora. No recurso, também foi citado o fato dos adolescentes terem sido submetidos à medida socioeducativa, de modo que a condenação no juízo criminal faz coisa julgada no cível. Sustentou também que o Código Civil prevê responsabilização dos pais pelos atos dos filhos menores de idade que estão sob sua guarda.
Em 1º Grau, na Comarca de Porto Alegre, o pedido de responsabilização dos pais foi negado. A escola então apelou ao Tribunal de Justiça.
O relator do recurso, Desembargador Carlos Eduardo Richinitti, também negou o pedido, entendendo que a escola tinha o dever de zelar pela segurança e guarda de todos os três estudantes.
Voto divergente
O Desembargador Eugênio Facchini Neto divergiu do relator, concedendo divir a responsabilidade. Para ele, há cabimento ao direito regressivo da escola contra os pais dos dois adolescentes que praticaram o abuso.
Ele ressaltou a responsabilidade da escola pelos danos sofridos por seus alunos durante o período em que eles estão em atividades escolares. O magistrado lembrou que este é um dever inerente ao contrato educacional firmado com os pais dos alunos, pelo qual o educandário assume um dever de incolumidade relativa no que toca aos alunos. Isto é, o educandário garante que os alunos não sofrerão danos à sua integridade psicofísica.
Todavia, em todos aqueles casos em que o aluno já tem maturidade suficiente para entender o que está fazendo, bem como a malícia inerente para saber que está fazendo algo errado, e principalmente quando se trata de situação não facilmente evitável mediante um sistema natural de controle, o educandário, após indenizar a vítima, pode, sim, agir regressivamente contra os pais dos alunos que diretamente causaram o dano.
O magistrado considerou que os réus devem ser solidariamente condenados ao pagamento do valor de R$ 55 mil pago pela escola à vítima por danos morais e mais R$ 1.422,66 por danos materiais.
Os Desembargadores Tasso Caubi Soares Delabary, Eduardo Kraemer e Catarina Rita Krieger Martins acompanharam o voto divergente.
Inteiro Teor
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS SUPORTADA POR INSTITUIÇÃO DE ENSINO. AÇÃO DE REGRESSO CONTRA ALUNOS QUE COMETERAM aTO INFRACIONAL NAS DEPENDÊNCIAS DA ESCOLA. POSSIBILIDADE DE RESSARCIMENTO.
- Não se olvida que o educandário responde pelos danos causados pelos seus alunos, durante o período que se encontram sob sua vigilância.
- No caso o educandário foi corretamente condenado a indenizar os danos sofridos pelo menor e seus pais, por abuso sexual praticado por outros dois alunos mais velhos, pois não havia qualquer causa jurídica de exclusão do nexo de causalidade. A base legal dessa condenação é o art. 932, inc. IV, do CC.
- A ação regressiva movida pela escola contra os pais dos alunos menores infratores, no caso, está expressamente prevista no art. 934 do CC. Por outro lado, a responsabilidade dos pais pelos atos praticados pelos seus filhos encontra-se prevista no art. 932, I, do CC.
- Portanto, perfeitamente possível que, em casos como o dos autos, possa o educandário que teve que indenizar os danos causados por seus alunos infratores, voltar-se não só diretamente contra seus alunos maiores (mesmo por fatos praticados quando ainda eram menores, quando invocável o disposto nos arts. 928 e 186 do CC), como também contra seus pais, cuja responsabilidade decorre do estatuído no art. 932, I, do CC. Doutrina e jurisprudência a respeito.
- Distinções entre hipóteses em que tal direito regressivo não é admissível e aquelas em que tal direito se mostra viável, como no caso.
- Respondem os réus, de forma solidária, pela obrigação de reembolsar os valores pagos pelo educandário, cujas verbas deverão ser atualizadas monetariamente desde a data dos seus respectivos desembolsos, bem como devem sofrer a incidência de juros moratórios, a partir da data da citação.
APELAÇÃO PROVIDA.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, vencido o Relator, deram provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além dos signatários, os eminentes Senhores Des. Tasso Caubi Soares Delabary (Presidente), Des. Eduardo Kraemer e Desa. Catarina Rita Krieger Martins.
Porto Alegre, 17 de julho de 2019.
DES. CARLOS EDUARDO RICHINITTI,
Relator.
DES. EUGÊNIO FACCHINI NETO,
Redator.
RELATÓRIO
Des. Carlos Eduardo Richinitti (RELATOR)
Trata-se de recurso de apelação interposto pela COOPERATIVA DE TRABALHO DOS PROFESSORES DA GRANDE PORTO ALEGRE – COOPROGRAN, mantenedora do COLÉGIO MESQUITA, nos autos da ação indenizatória ajuizada contra G. B., R. B., C. L. C. C., W. F. L., N. S. L. e I. F. F. L., em face da sentença, fls. 286/291, que julgou improcedente a demanda, condenando a autora a pagar custas processuais e honorários advocatícios aos procuradores dos réus, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa a cada um.
Em suas razões, fls. 294/305, aduz que, devido à ação dos apelados, a escola restou condenada a pagar indenização por danos morais no valor acordado, de R$ 55.000,00, estando comprovada a responsabilidade dos recorridos no evento danoso. Alega que a sentença fere a legislação que trata da responsabilidade civil, destacando estar comprovada a atitude dos recorridos, que causou grave lesão patrimonial à parte autora. Afiança que a ação ilícita dos apelados causou dano, estando caracterizado o dever de indenizar. Alega que os recorridos foram submetidos à medida socioeducativa, de modo que a condenação no juízo criminal faz coisa julgada no cível. Acrescenta que o Código Civil responsabiliza os pais pelos atos dos filhos menores que estão sob sua guarda, sendo dever objetivo de vigilância imposto por lei. Salienta não ser proibida ação de regresso para o caso em tela e nega a necessidade de se perquirir culpa dos recorridos. Menciona que só respondeu à ação indenizatória por falha na prestação do serviço em decorrência do cometimento de ato infracional pelos réus dentro da sede da apelante. Insurge-se quanto ao valor arbitrado a título de honorários advocatícios, referindo que 10% do valor da causa são R$ 5.642,26, sendo que, multiplicado por seis réus, totaliza R$ 33.853,56 de verba honorária sucumbencial, o que é excessivo. Afiança que o patamar de 10% deve ser dividido entre os réus, em caso de manutenção da improcedência. Requer a reforma da sentença.
Apresentadas contrarrazões por I., N. e W., fls. 309/324, subiram os autos a esta instância.
Não foram apresentadas contrarrazões por G., R. e C., conforme certidões das fls. 327 e 329.
Após, vieram-me os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTOS
Des. Carlos Eduardo Richinitti (RELATOR)
Recebo o recurso interposto, porquanto atendidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.
Narra a autora, na inicial, que G. e W. foram alunos da escola no ano de 2010 e que, na ocasião, ambos menores de idade, praticaram atentado violento ao pudor, tendo respondido a processo por ato infracional (nº 001/5100011000-1). Alega que os requeridos foram condenados a cumprir medida socioeducativa, e que o ato ilícito foi praticado em face de um outro aluno da parte autora. Refere ter respondido a duas demandas indenizatórias (números 001/1120311401-0 e 001/1120311357-0), formalizando acordo no valor de R$ 55.000,00. Destaca que, além do valor pago para colocar fim ao litígio, também desembolsou valores a título de custas recursais e finais dos processos. Afiança que a atitude de G. e W. lhe trouxe grave prejuízo, razão pela qual ajuizou a presente ação de regresso em face dos infratores e de seus genitores. Menciona o dever objetivo de guarda e vigilância desempenhado pelos pais, tutores e curadores, afirmando a necessidade de concessão de medida liminar para garantir o patrimônio dos réus. Requer a procedência da demanda a fim de ser condenada a parte ré a pagar indenização por danos materiais, com os valores devidamente atualizados desde o desembolso pela parte autora.
A sentença foi de improcedência, fls. 286/292, insurgindo-se a postulante nas fls. 294/305. O provimento dado pelo Magistrado de origem merece reparo apenas para ser readequada a verba honorária.
In casu, é incontroverso que a autora foi condenada a pagar indenização à vítima decorrente da prática de ato infracional por parte dos réus G. e W. em suas dependências.
A controvérsia do presente feito reside na ocorrência – ou não – de responsabilidade da parte requerida pela condenação sofrida pela autora a justificar a ação regressiva ora ajuizada.
Tenho que não se pode imputar aos réus o dever de ressarcimento intentado pela autora, na medida em que a falha na prestação do serviço se deu através e por responsabilidade exclusiva da própria instituição de ensino.
Os réus G. e W. eram alunos da escola, assim como a vítima do ato infracional, de modo que o centro educacional tinha o dever de zelar pela segurança e guarda de todos os três estudantes.
Não se ignora que a atitude dos corréus G. e W. tenha sido grave, causando repercussões expressivas no menor abusado, assim como ensejado prejuízo patrimonial à instituição de ensino, que teve de arcar com indenização por danos morais à vítima e sua genitora.
Ocorre que, tendo em vista que os menores estavam em horário escolar e nas dependências do estabelecimento educacional quando do cometimento do ato infracional, é cristalino que era dever da parte autora ter zelado pela incolumidade dos alunos, impedindo a ocorrência do fato, o que não foi observado.
A toda evidência, houve má prestação de serviços por parte da autora, que deixou de observar o dever de segurança, vigilância e guarda de seus educandos ao permitir que dois deles cometessem ato infracional em suas dependências contra um outro aluno.
A corroborar:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ABUSO SEXUAL PRATICADO POR CRIANÇAS DENTRO DA ESCOLA, DURANTE ATIVIDADE RECREACIONAL. FALHA NO DEVER DE GUARDA E VIGILÂNCIA SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADA. DANOS MATERIAIS VERIFICADOS. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. QUANTUM. REDUÇÃO. A prova constante dos autos é suficiente para permitir concluir que o menor impúbere autor da ação foi, de fato, vítima de abuso sexual praticado por outros coleguinhas da mesma idade, durante atividade recreativa no ginásio da Escola demandada, sem que as professoras/cuidadoras presentes tivessem visto. Logo, deve a demandada responder pela reparação integral dos danos sofridos pelo autor, conforme previsto no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, bem como nos arts. 932 e 933 do CCB. Os danos materiais consubstanciam-se nos valores despendidos com honorários médicos (consultas com psicólogos e psiquiatras), bem como com as medicações que o autor necessitou fazer uso por conta do referido episódio desde o evento danoso, conforme notas fiscais e recibos colacionados aos autos. O dano moral é presumido na hipótese, dispensando prova maior. Não obstante, o que veio aos autos é suficiente para confirmar a sua ocorrência. Não há dúvidas de que um episódio de abuso sexual, mormente em tão tenra idade, gera sofrimento e estresse relevante. Quantum fixado na origem em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), que é reduzido para R$15.000,00, tendo em vista as circunstâncias trazidas aos autos. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70077501401, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 12/07/2018).
Ora, tendo sido praticado o ato dentro da escola, inequivocamente se percebe a falha na prestação do serviço tanto com relação à vítima quanto aos menores infratores, de modo que não se pode permitir que a apelante busque ressarcimento de seus alunos e seus respectivos pais, que também obtiveram um serviço inadequado por parte da escola. Os educandos que cometeram o abuso deveriam ter sido, em tempo hábil, impedidos de cometer o ato infracional.
Ademais, é justa e legítima a expectativa dos pais de que um menor, quando sob os cuidados da escola – que faz às vezes de guardiã no período em que os alunos lá se encontram -, esteja sendo vigiado para evitar condutas perigosas ou inadequadas, passíveis de serem praticadas por quem ainda não tem o total discernimento para avaliar o risco e as consequências do que faz.
A forma de organização para fins de separação dos alunos maiores dos menores e a fiscalização das dependências do estabelecimento de ensino é ônus que competia à apelante administrar, para o fim de evitar que casos como o presente acontecessem, o que, lamentavelmente, não ocorreu.
Os menores de idade, enquanto pessoas em desenvolvimento, precisam ser orientados e direcionados para que estruturem sua formação pessoal, esperando-se, aí, que a escola, além dos próprios pais, guardiões ou tutores, também auxilie nesse papel.
É claro que não se pode transferir ao educandário a total responsabilidade na estruturação do ser humano em formação; mas, por outro lado, é inegável que as instituições de ensino atuam concorrentemente em tal formação.
A responsabilidade civil das escolas em relação aos seus alunos e o dever de indenizar eventuais danos surgem quando evidenciada a omissão específica no dever de guarda e de preservação da incolumidade física (e psíquica) dos estudantes que lhes são confiados.
Na espécie, a autora tinha a obrigação de empregar a mais diligente vigilância, a fim de prevenir e evitar qualquer ofensa ou dano aos educandos, o que não logrou êxito em realizar.
Veja-se que a sentença que julgou procedente as demandas da vítima do abuso (nº 001/1.12.0311401-0) e de sua genitora (nº 001/1.12.0311357-0), fls. 94/96v., de lavra do Juiz de Direito, Dr. Silvio Tadeu de Avila, muito bem observou na fl. 95v:
“No caso concreto, a escola falhou em seu dever fundamental de segurança, ao permitir o abuso sexual entre menores dentro do estabelecimento de ensino (..)”.
Grifei.
Assim, não havendo dúvidas de que todos os envolvidos no lamentável fato estavam sob a vigilância do educandário quando do acontecimento do ato infracional, sem razão a apelante.
A grave circunstância referida, por si, se revela situação que desborda do tolerável em termos de supervisão dos menores e cuidado com as instalações escolares, sendo inequívoca a omissão da apelante a impossibilitar a responsabilização de seus alunos (e respectivos pais) pelo evento danoso nesta ação regressiva.
Importante considerar, ainda, que a responsabilidade dos pais por ato dos filhos, advém do inc. I do art. 932 do Código Civil, que assim dispõe:
Art. 932 – São também responsáveis pela reparação civil:
Inc. I – Os pais, pelos filhos menores, que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia.
…
Ora, no caso de ilícitos perpetrados no âmbito da escola, por falha na fiscalização e controle de atos praticados por alunos no âmbito escolar, a responsabilidade é exclusiva do educandário, pois há, por assim dizer, uma transferência momentânea da guarda e, em consequência, da autoridade dos pais ao colégio, enquanto os filhos estejam frequentando o ambiente escolar.
No âmbito da responsabilidade civil, na expectativa do justo, a interpretação do direito aplicável não pode, a meu ver, se desconectar de todo um contexto que envolvem as relações que dão causa a uma ação litigiosa resultante de uma pretensão ressarcitória.
É o caso dos autos. A responsabilidade por desvios de condutas que gerem prejuízos a terceiros é, em regra, imputável aos pais, responsáveis primeiros pela educação e guarda dos filhos.
No entanto, questões de abuso sexual no âmbito escolar, que são de todo lamentáveis, mas que sabidamente ocorrem com frequência, por uma série de circunstâncias que envolvem esse tipo de ambiente (aglomeração de jovens em idade hormonal aguçada, descobrindo o sexo…) devem, em regra, ser imputadas ao educandário e não aos pais que naquele momento, naquele local, não tinham o poder de vigilância e com a guarda transferida, ainda que de forma parcial e provisória, à escola.
Destarte, não há como reformar a sentença no mérito.
Outrossim, tenho que o recurso merece guarida no que tange aos honorários advocatícios. Conforme se verifica do dispositivo sentencial, fl. 291, a autora restou condenada a pagar 10% sobre o valor atualizado da causa para os procuradores de cada um dos réus, o que, com efeito, se mostra exacerbado.
Em face do resultado do presente feito, por haver decaimento integral da autora/apelante, inequívoco que esta deve arcar com a integralidade dos honorários advocatícios às procuradoras da parte adversa.
Todavia, considerando que as manifestações foram apresentadas em sua grande maioria conjuntamente, ou, ao menos, com razões idênticas, entendo que não há motivo para dividir o pagamento da verba pelo número de réus, mas, sim, pelas defesas apresentadas (duas).
Logo, a fim de observar a razoabilidade, entendo necessário readequar os ônus sucumbenciais para que a verba seja suportada pela autora à razão de 10% do valor atualizado da causa para a procuradora de C., R. e G. (fls. 190, 201 e 212) e 10% do valor atualizado da causa para a patrona de I., N. e W. (fls. 239/241).
No mais, resta mantida a sentença.
Por fim, sabe-se que, no sistema de persuasão racional adotado no processo civil brasileiro, o juiz não está obrigado a se manifestar sobre todas as alegações e disposições normativas invocadas pelas partes, bastando menção às regras e fundamentos jurídicos que levaram à decisão de uma ou outra forma. Assim, dou por devidamente prequestionados todos os dispositivos constitucionais, legais e infralegais suscitados pelas partes no curso do processo, a fim de evitar a oposição de aclaratórios com intuito prequestionador.
Registro, por entender oportuno, que será considerada manifestamente protelatória eventual oposição de embargos declaratórios com propósito exclusivo de prequestionamento ou com notória intenção de rediscussão da decisão da Câmara, na forma do artigo 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil.
Do exposto, voto por PROVER PARCIALMENTE a apelação apenas para readequar a verba honorária nos termos da fundamentação.
Deixo de aplicar o disposto no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, diante do teor do AgInt nos EREsp nº 1539725/DF, tendo em vista que o presente recurso resta parcialmente provido.
Para as diligências de praxe, atentar que a causa tramita em segredo de justiça.
Des. Eugênio Facchini Neto (REDATOR)
Eminentes colegas.
A questão jurídica controvertida nos autos é relativamente simples de ser identificada, embora de não tão fácil solução.
Trata-se de saber se o educandário, que responde pelos danos causados pelos seus alunos, durante o período que se encontram sob sua vigilância, pode agir regressivamente contra os pais dos alunos que praticaram o ato danoso, buscando ressarcir-se das despesas que teve com a reparação de tal dano.
Entendeu o eminente julgador originário, acompanhado pelo eminente Relator, ser inviável o direito regressivo, razão pela qual entenderam de desacolher a pretensão autoral.
A posição dos eminentes colegas não é desprovida de razoabilidade, haja vista contar, por exemplo, com o apoio de Sérgio Cavalieri Filho (Programa de Responsabilidade Civil, 11ª ed., 2014, p. 254/255), embora não aprofunde sua argumentação, limitando-se a dizer que as crianças estavam sob a guarda do colégio e por isso deve este responder. No mesmo sentido opinam Caio Mário da Silva Pereira (Responsabilidade Civil, 10ª ed., 2012, p. 136) e Carlos Roberto Gonçalves (Direito Civil Brasileiro – Vol. 4 – Responsabilidade Civil, 5ª Ed., 2010, p. 136.). A questão, porém, não é pacífica. Ao contrário, como se verá.
Com a devida vênia, estou por divergir da solução encontrada pelos colegas.
Não há dúvidas, inicialmente, que o educandário é responsável pelos danos sofridos por seus alunos, durante o período em que eles se encontram em atividades escolares – dentro ou fora do estabelecimento (como em visita organizada a algum outro local). Trata-se de um dever inerente ao contrato educacional firmado com os pais dos alunos, pelo qual o educandário assume um dever de incolumidade relativa no que toca aos alunos. Isto é, o educandário garante que os alunos não sofrerão danos à sua integridade psicofísica.
Esse dever de incolumidade relativa existe também em relação a outros contratos, como o de transporte (o transportador assume a obrigação de levar o passageiro ao destino, incólume – Súmula 187 do STF e art. 935 do CC) e o de internação hospitalar.
A questão é regida pelo Código de Defesa do Consumidor e complementada pela dogmática jurídica. Trata-se de uma responsabilidade objetiva, mas não por risco integral. Isto porque esse dever obviamente pode ser afastado, diante dos eventos jurídicos que excluem o nexo de causalidade: caso fortuito ou de força maior (um terremoto, por exemplo), culpa exclusiva da vítima (um adolescente que repentinamente, de forma deliberada, se joga do alto de uma escadaria, ferindo-se ou até morrendo, por exemplo) ou ato de terceiro (uma perseguição policial nos arredores da escola, com troca de tiros, vindo uma bala perdida a acertar uma criança antes que fosse possível adotar qualquer atitude visando colocar as crianças fora da zona de perigo).
Assim, não tenho dúvidas em concordar com os colegas no sentido de que era patente a responsabilidade do educandário pelos danos sofridos por aluno do educandário que, com sete anos de idade, foi violentado sexualmente por dois outros alunos do mesmo educandário, Guilherme e Willian, com 15 anos à data dos fatos (doc. de fl. 214 e 265 – ambos nasceram em 1995 e o fato danoso ocorreu em 2010).
Portanto, o educandário foi corretamente condenado a indenizar os danos sofridos pelo menor e seus pais, pois não havia qualquer causa jurídica de exclusão do nexo de causalidade.
O que se pretende nesse processo, porém, é o exercício do direito regressivo contra os pais dos dois adolescentes que praticaram o ato danoso, buscando ressarcir-se dos valores pagos às vítimas. Ambos os causadores diretos dos danos também eram alunos da escola.
Enquanto a vítima direta encontrou a proteção do CDC para lastrear seu direito à indenização, a ação regressiva do educandário contra os pais encontra apoio no Código Civil. E tenho que encontra apoio expresso – art. 934 do CC (embora inexplicavelmente não indicado na petição inicial – o que é irrelevante, diante dos vetustos princípios jurídicos do da mihi factum, dabo tibi jus e do jura novit curia. Os fatos estão narrados na inicial, de forma que o correto enquadramento jurídico pode ficar a cargo do julgador).
Os artigos do CC que devem ser chamados para solucionar o caso são os do art. 932, I e IV, 933 e 934. Reproduzo-os:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.
Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.
Ou seja, no caso em tela, o dano sofrido pelo menor Luis Gustavo foi causado pelos alunos do educandário Guilherme e Willian – réus nessa demanda, juntamente com seus genitores. Assim, apesar de se tratar de ato de terceiros (no sentido de não serem empregados ou prepostos do estabelecimento – não sendo, portanto, invocável o disposto no art. 932, III, do CC), esses terceiros eram educandos, por cujos atos danosos respondem os educandários, com base expressa no art. 932, IV, do CC. Trata-se de norma antiga e tradicional, pois é idêntica à existente já no Código Civil de 1916 (art. 1.521, IV).
Acontece que, por força do disposto no art. 934, quem ressarcir dano causado por outrem, pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, já que inocorre, no caso, a exceção prevista na parte final daquele dispositivo legal.
Tenho que, assim, a pretensão autoral encontra perfeito amparo na previsão normativa.
Para evitar dúvidas e impedir indevida invocação em casos futuros – mas potencialmente distintos -, quero deixar claro que vislumbro possibilidade de se distinguir hipóteses em que tal direito regressivo não deve ser admitido. Seria o caso, por exemplo, de o dano causado pelo aluno não ter sido intencional (pense-se no caso de um aluno atabalhoadamente tropeçar ao descer uma escadaria e esbarrar em um colega à frente, vindo a causar-lhe uma queda com danos físicos); ou um dano causado por um aluno a seu colega, não tendo aquele, em razão de sua pouca idade, noção do perigo da situação (recordo caso antigo, ocorrido numa aula de ciências naturais, em que o professor estava explicando aos seus aluninhos a estrutura fisiológica dos aracnídeos. Colocou os pequenos alunos ao redor de uma mesa, em cujo centro colocou uma pequena gaiola contendo uma espécie de aranha que apresentava a característica de, no seu dorso, conter um fino pó tóxico que ela dispersava no ar diante de suas pequenas presas. O pó, ao ser inalado por suas pequenas presas, paralisava seu sistema respiratório. Antes que o professor explicasse tudo isso, um dos aluninhos teve a ideia de “assustar” a aranha, assoprando em sua direção. Ao fazê-lo, projetou o referido pó tóxico na direção da coleguinha que se encontrava do outro lado da mesa, causando-lhe dificuldades respiratórias); ou ainda situações em que a atividade danosa praticada pelo aluno foi diretamente supervisionada, dirigida ou orientada, por seu professor (pense-se no exemplo de uma aula de educação física envolvendo a prática de arco e flecha. Não tendo o professor tomado todas as cautelas necessários para garantir um ambiente seguro a todos, eventual flecha disparada não intencionalmente na direção de outro aluno, ferindo-o). Em todas essas hipóteses, obviamente não exaustivas, o educandário responderia perante as vítimas, devendo indenizar os danos causados por seus alunos. E em nenhum desses casos, poderia agir regressivamente contra os seus pais, pois esses são os riscos normais de danos que podem acontecer num educandário, pelos quais deve o educandário responder e absorver, sem se falar em direito regressivo.
Todavia, em todos aqueles casos em que o aluno já tem maturidade suficiente para entender o que está fazendo, bem como a malícia inerente para saber que está fazendo algo errado, e principalmente quando se trata de situação não facilmente evitável mediante um sistema natural de controle, o educandário, após indenizar a vítima, pode, sim, agir regressivamente contra os pais do(s) aluno(s) que diretamente causaram o dano.
O direito regressivo, no caso, está expressamente previsto no art. 934 do CC, como vimos. Por outro lado, a responsabilidade dos pais pelos atos praticados pelos seus filhos encontra-se prevista no art. 932, I, do CC. Assim, tenho que é perfeitamente possível que, em casos como o dos autos, possa o educandário que teve que indenizar os danos causados por seus alunos, voltar-se não só diretamente contra seus alunos maiores (mesmo por fatos praticados quando ainda eram menores, por força dos arts. 928 e 186 do CC), como também contra seus pais, cuja responsabilidade decorre do estatuído no art. 932, I, do CC.
Nesse sentido, aliás, já se posicionou o STF, na época em que tinha competência para dar a última palavra também em casos envolvendo fundamento infraconstitucional. Como a legislação não se alterou a respeito do tema (já que o antigo art. 1.524 – “O que ressarcir o dano causado por outros, se este não for descendente seu, pode reaver, daquele por quem pagou, o que houver pago” – foi substituído de forma praticamente inalterada pelo art. 934 do novo CC, antes citado), o acórdão continua tendo força como precedente. Trata-se de acórdão publicado no RJTJSP 25/611, cujo teor essencial é reproduzido por Carlos Roberto Gonçalves (op. cit., p. 135). O caso envolvia uma ação de indenização movida por um condomínio em razão de danos causados por alunos de um educandário lá instalado. O STF manteve a responsabilização do educandário, afirmando que “assim agindo, faltou o réu com a necessária vigilância, indiferente à indisciplina dos alunos no interior do edifício. Deve, portanto, responder pelos atos daqueles que, na escola, no seu recinto, estavam sujeitos ao seu poder disciplinar, ficando-lhes assegurado o direito de ação regressiva contra os responsáveis pelos menores e contra os alunos maiores que participaram dos fatos determinantes do dano”.
Na doutrina, sustentam o direito regressivo do educandário em face dos pais ou responsáveis pelos menores educandos:
CRISTIANO CHAVES DE FARIAS; FELIPE BRAGA NETTO; NELSON ROSENVALD (Novo Tratado de Responsabilidade Civil. 2ª ed. Saraiva, 2017, p. 633 e 634):
“Em linha de princípio, as escolas respondem pelos danos que seus alunos, nessa qualidade, causem a terceiros ou mesmo a outros alunos. (…)” Em seguida, os autores referem a “questão delicada do direito de regresso”, dizendo ser controvertida. Mas se posicionam no sentido de sua possibilidade, dizendo que “não nos parece possível isentar – de modo apriorístico e peremptório – os pais de tal responsabilidade. Transferir, integralmente, a responsabilidade pelos filhos para a escola é medida extrema, sem relação causal clara. Os danos causados pelos alunos advêm, muitas vezes, não de um antecedente imputável às escolas, mas aos pais. Isso não afasta a obrigação delas de reparar as vítimas, mas tampouco lhes pode retirar o direito à ação regressiva contra os pais”. Mais adiante referem que “não queremos com isso afirmar que a ação de regresso contra os pais deva ser julgada procedente em todos os casos. Absolutamente. Há casos em que os pais não devem responder pelos danos causados pelos filhos dentro de escolas ou faculdades. Só as circunstâncias poderão esclarecer a proporcionalidade das respostas jurídicas”, já que “a vigilância integral é impossível, seja para as escolas, seja para os pais”.
No mesmo sentido opinam, embora com menor taxatividade e clareza, CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO e SÉRGIO CAVALIERI FILHO (Comentários ao Novo Código Civil – Vol. XIII – Arts. 927 a 965. Forense, 2004, p. 229). Analisando o âmbito de incidência do art. 934, os citados autores excluem as hipóteses previstas no art. 932, I, II e V, concluindo que:
“Resulta do exposto que, a rigor, estão no campo de incidência deste artigo 934 apenas as hipóteses dos incisos III e IV do art. 932”.
ARNALDO RIZZARDO (Responsabilidade Civil. 5ª. ed. Forense, 2011, p. 116):
“A responsabilidade objetiva não afasta o direito de regresso contra aquele que causou o dano. Nessa ótica, o hospedeiro ou dono do estabelecimento legitima-se em buscar o ressarcimento junto ao causador, mesmo que menor, situação frequente nas escolas. Na eventualidade, pode agir contra os pais, que respondem pelos danos que os filhos causarem com fulcro no inc. I do art. 932”. Isso porque “o dever de vigilância que passa para a escola não é absoluto, no sentido de conter os impulsos do internado, de refrear sua agressividade, de anular a sua índole para o mal. Incumbe à escola e, assim, aos educadores, a orientação, a manutenção da disciplina interna, e, sobretudo, ministrar o ensino, ou preparar o aluno para uma profissão. Não está dentro de suas finalidades formar o caráter, a personalidade, e afastar o ímpeto para o mal”.
Igualmente comentando o disposto no art. 934/CC, dizem GUSTAVO TEPEDINO, HELOÍSA HELENA BARBOSA e MARIA CELINA BODIN DE MORAES (Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República, vol. II – art. 421 a 965 -, p. 836/837):
“A regra, já se viu, é de que cada um responda apenas pelo dano a que deu causa. Ao lado dessa responsabilidade direta ou por ato próprio, o ordenamento jurídico admite uma outra espécie de responsabilidade, indireta ou por fato de terceiro”. (…) E prosseguem: “Em qualquer caso, não se exonera de responsabilidade o terceiro, autor do dano. Ao contrário, tendo o responsável arcado com a indenização, assiste-lhe o direito de regresso, ou seja, o direito de receber do efetivo causador do dano o valor desembolsado com a reparação do dano”. E, no ponto, arrematam: “O CC, à semelhança do anterior, estabeleceu uma única exceção à possibilidade de regresso. Trata-se da hipótese em que o autor do dano seja descendente, absoluta ou relativamente incapaz, daquele que arcou com a indenização. Neste caso, o ordenamento brasileiro não admite o exercício do direito regressivo contra o descendente”.
Por último, referimos o magistério de MARIA HELENA DINIZ (Curso de Direito Civil Brasileiro – vol. 7 – Responsabilidade Civil. 21ª ed. Saraiva, 2007, p. 523). Após referir que o educandário responde objetivamente pelos danos causados por seus alunos, refere que:
“A escola, que pagou o dano, terá ação regressiva contra os pais do aluno que praticou o ilícito ou contra o próprio aluno se ele for maior de 16 anos, ante o disposto no Código Civil, arts. 934 e 928 e parágrafo único (RJTJSP, 26:611).
Assim, colegas, embora respeitando o entendimento do nobre Relator, que, como visto, tem amparo em excelente doutrina, ouso divergir, entendendo ser caso de se prover o recurso para se julgar procedente a ação regressiva. Consequentemente, devem os réus ser solidariamente condenados ao pagamento do valor pago pela autora à vítima, por ocasião do processo anterior (R$55.000,00), bem como aos valores de R$55,40, R$719,31 e R$647,95, referidos à fl. 04, sendo que todos esses valores deverão ser atualizados monetariamente desde a data dos seus respectivos desembolsos, bem como devem sofrer a incidência de juros moratórios, a partir da data da citação.
VOTO, pois, por DAR PROVIMENTO AO RECURSO e julgar procedente a ação regressiva, condenando os réus ao pagamento, em forma solidária, dos valores referidos no item anterior, com os acréscimos ali indicados.
Em consequência, reverto os ônus sucumbenciais, devendo os réus suportar as despesas processuais, além de honorários advocatícios, que fixo em 15% sobre o valor atualizado da condenação. A exigibilidade de tais ônus, contudo, fica suspensa, em razão da AJG que lhes foi deferida.
É como voto.
Des. Tasso Caubi Soares Delabary (PRESIDENTE)
Colegas.
Peço licença ao ilustre Relator e também ao nobre Juiz sentenciante, para acompanhar a divergência, brilhantemente formulada pelo Des. Facchini, em tema envolvendo fato relativamente singelo mas de extrema relevância no campo das consequências jurídicas, onde sua excelência, o autor do voto divergente, como soi, aprofundou a questão com argumentação irrefutável e sopeso de doutrina ajustada ao caso, além de precedente do Colendo Sodalício, em época que ainda se admitia abordagem de cunho infraconstitucional, especialmente pela imutabilidade das disposições legais de regência da matéria.
Acompanha a divergência, pois.
Des. Eduardo Kraemer
Com a divergência.
Desa. Catarina Rita Krieger Martins
Acompanho a divergência inaugurada pelo Des. Facchini, com a vênia do eminente Relator.
DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY – Presidente – Apelação Cível nº 70079810222, Comarca de Porto Alegre: “POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO O RELATOR QUE PROVIA PARCIALMENTE.”
Julgador(a) de 1º Grau: LUCAS MALTEZ KACHNY