Jurisprudência
09 jun 16 14:23

TRANSTORNO DE TDAH – NEGATIVA DE MATRÍCULA A PORTADOR DE NECESSIDADE ESPECIAL NÃO CABE DANO MORAL (F)

 AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. Entidade educacional que aplicou sanção disciplinar de transferência compulsória a aluno infante, indeferindo sua renovação de matrícula.


TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO

São Paulo

Registro: 2016.0000400557

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0003160-26.2013.8.26.0439, da Comarca de Pereira Barreto, em que são apelantes CICERO FIAIS PEREIRA, CELIA APARECIDA DA SILVA e RODOLFO DA SILVA FIAIS PEREIRA, é apelado ASSOCIAÇÃO DE ENSINO E CULTURA URUBUPUMGA – AECU.

ACORDAM, em 25ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores HUGO CREPALDI (Presidente) e CLAUDIO HAMILTON.

São Paulo, 9 de junho de 2016

MARCONDES D’ANGELO

RELATOR

Assinatura Eletrônica

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO

São Paulo

Recurso de apelação nº 0003160-26.2013.8.26.0439.

Comarca: Pereira Barreto.

01ª Vara Cível.

Processo nº 0003160-26.2013.8.26.0439.

Prolator: Juiz Eduardo Luiz de Abreu Costa.

Apelante (s): Cícero Fiais Pereira, Célia Aparecida da Silva e

Rodolfo da Silva Fias Pereira.

Apelado (s): Associação e ensino e cultura Urubupungá

Colégio XI de agosto.

VOTO Nº 36.478/2016.

RECURSO APELAÇÃO CÍVEL – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS SANÇÃO DISCIPLINAR – AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. Entidade educacional que aplicou sanção disciplinar de transferência compulsória a aluno infante, indeferindo sua renovação de matrícula. Insurgência dos autores, genitores e aluno, ao fundamento de que houve tratamento ilegal por parte da instituição de ensino, que não observou ser o infante portador de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH. Conjunto processual a comprovar que a instituição de ensino, em regular procedimento administrativo disciplinar instaurado em razão de denúncia de pais de outros alunos, concluiu pela incompatibilidade do aluno, indisciplinado, agressivo, violento e desrespeitoso com as normas regimentais internas, aplicando-lhe a sanção de transferência compulsória. Prática de ato ilícito pela instituição de ensino não verificada. Imposição de sanção que se traduz em exercício regular de direito, máxime para preservar a integridade física e mental de outros alunos. Improcedência. Sentença mantida. Recurso de apelação não provido.

Vistos.

Cuida-se de ação de reparação de danos materiais e morais movida por CÍCERO FIAS PEREIRA, CÉLIA APARECIDA DA SILVA e RODOLFO DA SILVA FIAS PEREIRA contra a ASSOCIAÇÃO DE ENSINO E CULTURA URUBUPUNGÁ – COLÉGIO XI DE AGOSTO , sustentando os dois primeiros nomeados serem genitores do terceiro nomeado, infante de 10 (dez) anos de idade na data da propositura da ação, que teve seu pedido de renovação de matrícula indeferido pela requerida por suposto convívio escolar antissocial, em total desrespeito à sua condição pessoal, vez que é portador de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH. Asseveram os genitores que, em 23 de novembro de 2012, seu filho ameaçou de morte alunos e afrontou professores da requerida, o que deu azo à instauração da “Portaria de Designação de Comissão de Apuração nº 01/2012”, que culminou na aplicação de pena de transferência compulsória ao aluno, e, pois, indeferimento da matrícula. Dizem os genitores terem se sentido humilhado com o tratamento dado ao filho, que, ao invés de receber a sanção, deveria ter recebido tratamento especial por parte da prestadora de serviços educacionais. Ponderam que o filho foi tratado como delinquente e julgado literalmente como réu aos olhos da sociedade. Buscam seja a requerida condenada ao pagamento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de reparação moral, ademais de R$ 57.000,00 (cinquenta e sete mil reais) de danos materiais, correspondentes aos gastos que despenderão para matricular o filho em outra escola e transportá-lo até o novo local de ensino, até que complete o ensino médio.

O Ministério Público do Estado de São Paulo interveio em razão da presença do menor no polo ativo da ação. Ao cabo da instrução processual, apresentou o respeitável e bem fundamentado parecer opinando pela improcedência dos pedidos reparatórios deduzidos na inicial (folhas 555/565).

A respeitável sentença de folhas 567/570, cujo relatório se adota, reconheceu que o indeferimento da rematrícula do aluno decorreu de atos de indisciplina e violência praticados por ele contra alunos e professores, e não por ser portador de TDAH, e, em consequência, julgou improcedentes os pedidos iniciais. Diante da sucumbência, carreou aos autores o custeio das despesas processuais e dos honorários advocatícios dos patronos da parte contrária, arbitrados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), cuja exigência foi condicionada à observância das regras da assistência judiciária gratuita.

Inconformados, recorrem os autores objetivando a reforma do julgado (folhas 574/587). Alegam, em suma, que ao excluir o aluno de seu quadro de alunos, a requerida praticou ato ilícito, porquanto violou o princípio da igualdade de condições para acesso e permanência na escola, previsto no artigo 206, inciso I, da Constituição Federal, repetido no artigo 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente e no artigo 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96). Afirmam que de acordo com os regramentos legais, é dever das escolas propiciar tratamento adequado ao desenvolvimento psicossocial da criança e do adolescente, não lhes sendo lícito expulsar alunos por questões de indisciplina. Argumentam que era fato conhecido da escola o TDAH do aluno, com reflexos em sua paciência e agressividade, mas nada de concreto foi adotado por ela para tentar socializa-lo, preferindo bani-lo do convívio social por questão de conveniência. Assertoam que a requerida não conseguiu demonstrar no processo a adoção de práticas especializadas a promover a inclusão do aluno ao convívio social. Indicam a adequação do tratamento dado ao aluno pela nova escola, para onde foi transferido, como prova da desídia da requerida no trato da questão. Suscitam ainda comportamento segregacional da escola, ao fazer com que o aluno fizesse provas separado do grupo e fosse dispensado mais cedo das aulas. Além disso, diz que a escola incitou 07 (sete) pais de alunos a formalizarem requerimento por escrito solicitando a transferência do aluno. Enfim, dizem que a aplicação da sanção ao aluno, de transferência compulsória, foi ilegal e caracterizadora de ilícito passível de reparação. Pugnam pelo provimento do recurso para que a sentença seja reformada e os pedidos iniciais sejam julgados procedentes.

Recurso tempestivo e oportunamente respondido (folhas 593/597), subiram os autos.

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso destacando que o Inquérito Civil instaurado por denúncia dos genitores do aluno concluiu que o indeferimento da matrícula não decorreu do fato de ser ele portador de TDAH, mas de atos de indisciplina que violaram o regimento interno da unidade escolar (folhas 601/606).

Este é o relatório.

A respeitável sentença recorrida foi proferida em 12 de janeiro de 2015, disponibilizada no DJe em 24 de março de 2015 e publicada em 25 de março de 2015 (certidão de publicação à folha 572). O prazo recursal começou a fluir em 26 de março de 2015, primeiro dia útil seguinte ao da publicação. Recurso de apelação tempestivo protocolado em 06 de abril de 2015 (protocolo à folha 574). Preparo recursal à folha 588. Presentes os demais requisitos de admissibilidade, conhece-se do recurso de apelação.

A respeitável sentença recorrida não comporta o menor reparo.

Os genitores do infante RODOLFO DA SILVA FIAIS PEREIRA afirmam que a requerida não se portou adequadamente no curso da relação negocial privada, à luz da legislação de regência, ao obstar a renovação de sua matrícula e impor-lhe sanção de transferência compulsória a outra instituição de ensino, para não ter de implantar política educacional especial necessária ao bom atendimento da criança, portadora de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH.

No entanto, da análise dos autos do processo, retira-se que a instituição de ensino, depois de anos de convívio com o discente e de dividir com seus genitores problemas acadêmicos e de personalidade, foi instada por pais de outros alunos para que apurasse conduta desconforme de RODOLFO com relação a seus filhos (documentos de folhas 184/188).

E foi a partir da representação que a instituição de ensino baixou “Portaria de Designação de Comissão de Apuração” (nº 01/2012), com o propósito de investigar as ocorrências e tomar as devidas previdências (folha 189).

Da Portaria constou que seria constituída uma comissão processante para apurar os fatos e as denúncias apresentadas pelos pais de outros alunos, “(…) referente aos fatos que foram praticados e vem ocorrendo desde 2010, pelo aluno RODOLFO DA SILVA FIAIS PEREIRA, no Colégio ‘XI de Agosto1, prejudicando o andamento escolar da sala (onde 29 alunos estão sendo prejudicados). Práticas como ameaças físicas e verbais, chegando às vezes a agressões, deixando, muitas vezes, os alunos psicologicamente abalados, com medo das atitudes do mesmo, muitas vezes não querendo assistir as aulas, dizendo que todos os dias ocorrem os mesmos fatos, com medo de suas ameaças. Chama a classe de mentirosos, fala palavrões, não para sentado, desafia a capacidade da professora, não respeita a Direção e nem a Coordenação, promete que vai pegar uma faca e matar todos dentro da sala de aula. Solicitam providências necessárias e cabíveis para o bom andamento das aulas e também pela integridade física e mental dessas crianças, o que vem caracterizar infração ao artigo 41 do Regimento Escolar” (folha189, sem destaques no original).

Instalada a Comissão, deu-se a citação do aluno na pessoa de seus genitores, para que acompanhassem o procedimento administrativo, inteirassem-se dos fatos, apresentassem defesa, indicassem testemunhas e, se quisessem, fizessem-se representar ou acompanhar por advogado, em total respeito ao contraditório administrativo (folha 192).

Durante o procedimento foram ouvidas diversas testemunhas, parte das quais foram ouvidas também em juízo, e todas afirmaram prática de atos de indisciplina, agressões físicas e ameaças por parte de RODOLFO contra colegas, professores e funcionários da instituição de ensino, como bem observou o Ministério Público em seu parecer (folha 546).

E foi assim que, ao cabo do procedimento disciplinar, sobreveio decisão do Conselho de Classe aplicando a RODOLFO a pena de transferência compulsória, prevista no artigo 41 do Regimento Escolar, por ter o docente incidido na vedação prevista no artigo 39, inciso VII, do Regimento Escolar, que dispõe: “portar-se, no recinto da Escola ou fora dele, em desacordo com a legislação vigente no País e com o disposto neste Regimento Interno, bem como descumprir princípios comportamentais, éticos, morais e de cidadania”.

O que revela o caderno processual, essencialmente, é que a requerida felizmente conseguiu, por certo tempo (do 1º ao 5ª ano do ensino fundamental), manter o aluno integrado ao grupo social que compunha, com todas as suas peculiaridades (irritabilidade, dificuldade de receber ordens, questionamentos de autoridades, conflitos com amigos e etc.), até que em determinado momento da vida do aluno um perfil mais agressivo se aflorasse, acabando por refletir negativamente sobre a integridade física e mental de outros alunos de sua classe, ainda que a escola acompanhasse de perto a questão.

Descarta-se, por qualquer sorte, a alegação de que o aluno foi segregado do grupo escolar por ser portador de TDAH e não ter a escola estrutura para lidar com sua deficiência, na medida em que a escola conseguiu dar a ele atendimento adequado quanto a tanto por anos, como revela o seu histórico escolar satisfatório.

De se notar, por fim, que o perfil violento e agressivo do aluno ainda continuou durante certo tempo na escola para a qual foi transferido, abrandando-se somente depois de aproximadamente um ano de inserção no novo grupo, o que pode ter ocorrido, por exemplo, em razão de ter mais maturidade, ou mesmo de ter se submetido a tratamentos médicos mais intensos, os quais não eram aplicados enquanto aluno da requerida, mas a evidenciar que a transferência lhe foi benéfica.

Destarte, não se verifica qualquer ilegalidade na conduta da prestadora de serviços educacionais ao aplicar a sanção de transferência compulsória ao aluno RODOLFO que possa lhe impor dever de reparação civil de danos.

Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso de apelação dos autores, nos moldes desta decisão.

MARCONDES D’ANGELO

DESEMBARGADOR RELATOR

 


Veja também: TRANSTORNO DE TDAH – NEGATIVA DE MATRÍCULA A PORTADOR DE NECESSIDADE ESPECIAL

 

Tags: