Jurisprudência
18 jul 16 16:16

BRASILEIRA TEM VAGA EM COTA NEGADA POR TER ESTUDADO NOS ESTADOS UNIDOS

O direito às cotas nas universidades brasileiras é dedicado somente aos estudantes que cursaram todo o ensino médio em escola pública nacional, segundo entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A corte negou recurso de uma candidata brasileira aprovada em Psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) porque parte dos seus estudos do 2º grau foi feito em escola pública dos Estados Unidos.

O pedido de matrícula por cota social para egressos do sistema público e com renda superior a 1,5 salário mínimo da acadêmica foi indeferido no começo deste ano. Para a UFRGS, a Lei das Cotas (Lei 12.711/2012) está vinculada ao contexto histórico, político e social específico do Brasil e o ingresso da estudante pela cota seria ilegal.

Com o pedido negado, a acadêmica entrou com mandado de segurança sustentando violação do direito à educação e alegou “se sentir rejeitada por ter sido agraciada, por mérito, com um intercâmbio de seis meses em escola pública americana”. A 6ª Vara Federal de Porto Alegre julgou o pedido improcedente, levando a autora a recorrer ao tribunal.

“A situação em análise fere o objetivo das ações afirmativas, que é facilitar a inclusão social dos menos favorecidos às universidades públicas, os quais não desfrutaram de estudos em instituições melhores do que aqueles matriculados, por exemplo, em escolas particulares ou beneficiados com bolsas de estudo”, observou o desembargador federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, relator do processo. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF4.


INTEIRO TEOR

 Processo 5008336-37.2016.4.04.7100/TRF Revista Consultor Jurídico, 15 de julho de 2016, 12h25

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5008336-37.2016.4.04.7100/RS

RELATOR     :           LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

APELANTE  :           RAQUEL BORGMANN CRESTANI

ADVOGADO            :           LEANDRO KEITEL

APELADO    :           UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – UFRGS

MPF   :           MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. AÇÃO AFIRMATIVA. ALUNO QUE CURSOU DESDE O ENSINO FUNDAMENTAL ATÉ O ENSINO MÉDIO EM ESCOLA PÚBLICA. BOLSA PARA CURSAR UM SEMESTRE DO SEGUNDO ANO EM ESCOLA PÚBLICA AMERICANA.

A situação em análise fere o objetivo das ações afirmativas, que é facilitar a inclusão social dos menos favorecidos às Universidades Públicas, os quais não desfrutaram de estudos em instituições melhores do que aqueles matriculados, por exemplo, em escolas particulares ou beneficiados com bolsas de estudo, etc.

Considerando, pois, o objetivo da norma e das ações afirmativas, entendo que a frequência em escola no exterior, em especial nos Estados Unidos onde se destaca a excelência de ensino, é impeditivo para o ingresso na Universidade Pública pelo sistema de reserva de vagas.

ACÓRDÃO

 Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 06 de julho de 2016.

Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle

Relator

RELATÓRIO

Raquel Borgmann Crestani impetrou Mandado de Segurança contra ato do Reitor da Universidade Federal do RGS em que objetiva a concessão de ordem para realizar a sua matrícula na vaga para o curso de Psicologia.

Narra ter prestado o concurso vestibular 2016 para a vaga do curso de Psicologia, oferecido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tendo sido classificada na condição de optante pelo sistema de reserva de vagas para egressos do sistema público de ensino. Relata que sua matrícula não foi homologada, em razão de ter cursado a ‘2ª série do Ensino Médio nos Estados Unidos, não satisfazendo assim às exigências do Edital do Concurso’. Insurge-se contra o indeferimento, explicando que cursou somente 1 semestre da 2ª Série do Ensino médio em escola pública dos EUA, sendo que todas as outras séries foram em escola pública na cidade de Tapera/RS. Defende que a Universidade não pode limitar o que a lei assim não o faz, porquanto, conforme art. 1º da Lei 12.711/2012, ‘considera-se escola pública toda aquela criada ou incorporada, mantida e administrada pelo Poder Público, seja ela brasileira ou estrangeira’. Pediu a concessão da liminar. Juntou documentos. Recolheu custas.

A sentença denegou a segurança.

A autora apela. Requer:

… sejam enfrentadas diretamente as questões postas, decidindo o viés constitucional representado pelo artigo 205 da CF de 1988 e pelos Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade; decidindo e declarando se é aplicável o artigo 1º da Lei 12.711/2012, o artigo 2º do Decreto 7.824/2012 e o artigo 19, inciso I, da Lei 9.394/1996; decidindo se é possível as Universidades criarem normas mais gravosas que a Lei em seus editais e, por fim, enfrentem os casos análogos representados pela farta jurisprudência colacionada para, ao final, reformar a decisão e/ou, pelo menos, tornar a matéria prequestionada para efeitos de recurso a Corte Superior.

Por último, cumpre compelir Vossas Excelências para que decidam a questão dentro dos Princípios Constitucionais que norteiam o direito brasileiro e garantem a todo cidadão brasileiro acesso aos bancos escolares mas, principalmente, norteiem sua decisão paro o fato de que se está decidindo a vida de uma estudante egressa de escola pública, que teve a ‘infelicidade’ de ser agraciada, por seus méritos, com um intercâmbio de 6 meses em escola pública americana e, por isso, está sendo alijada da Universidade Pública.

Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.

O MPF, em seu parecer, opina pelo desprovimento do apelo.

É o relatório.

VOTO

Consta da sentença:

Mérito

A parte Impetrante prestou vestibular para curso de Psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul na modalidade ‘Candidato egresso do Sistema Público de Ensino Médio Brasileiro com renda familiar bruta mensal superior a 1,5 salário-mínimo nacional per capita’. Teve sua matrícula negada com a justificativa de que não se enquadrava em tal modalidade, uma vez que cursou o Ensino Médio em escola pública nos Estados Unidos.

Ao ser analisado o pedido de liminar, foi proferida a seguinte decisão:

‘A concessão de medidas liminares em mandados de segurança está atrelada ao disposto no artigo 7º, III, da Lei nº 12.016/09, segundo o qual o Juiz, ao despachar a inicial, poderá suspender o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante (fumus boni iuris) e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida (periculum in mora).

Em que pesem os argumentos da parte Impetrante, não verifico a verossimilhança a ensejar o deferimento do pedido liminar.

Em se tratando de processo seletivo, realizado em âmbito nacional, destinado ao ingresso junto às universidades públicas, tenho que as regras constantes no edital relativamente ao critério no preenchimento das cotas de egressos das instituições de ensino pública devem ser rigorosamente observados pelos candidatos, sob pena de relativização de critério válido para milhares de brasileiros – em iguais, ou mesmo piores, condições econômicas e sociais da impetrante e de sua família.

Neste sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o qual já rechaçou a possibilidade de interpretação extensiva de norma que impõe como o critério de acesso a realização do ensino fundamental e médio exclusivamente em escola pública.

A Impetrante alega que cursou 1 semestre do 2º ano do Ensino Médio em escola pública dos Estados Unidos.

Todavia, entendo que a situação em análise fere o objetivo das ações afirmativas, que é facilitar a inclusão social dos menos favorecidos às Universidades Públicas, os quais não desfrutaram de estudos em instituições melhores do que aqueles matriculados, por exemplo, em escolas particulares ou beneficiados com bolsas de estudo, etc.

Considerando, pois, o objetivo da norma e das ações afirmativas, entendo que a frequência em escola no exterior, em especial nos Estados Unidos onde se destaca a excelência de ensino, é impeditivo para o ingresso na Universidade Pública pelo sistema de reserva de vagas.

Ademais, com base na autonomia universitária se faculta às universidades a adoção de programas de inclusão social e racial, através da reserva de vagas, cabendo a cada universidade estabelecer as regras de suas ações afirmativas, inclusive quanto à forma de concorrência às vagas reservadas.

Ainda, e não menos importante, as informações da autoridade apontada como coatora, cujos argumentos são percucientes:

‘A impetrante não comprovou ter cursado o Ensino Médio integralmente em escola da rede pública brasileira, conforme determinam o artigo 4º, I do Decreto 7824/12 e o item 1.5.2 do Edital do certame, razão pela qual sua documentação escolar não foi homologada e seu ingresso na vaga obtida, indeferido. Alega ter realizado seus estudos integralmente em escola pública, inclusive período cursado em escola estrangeira.

Ocorre que a reserva de vagas de que trata a Lei 12711/12 é destinada a estudantes egressos do sistema público de ensino no Brasil. O já mencionado Decreto 7824/12, em seu artigo 2º, parágrafo único, determina que, para os fins a que se destina, consideram-se escolas públicas aquelas de que trata o artigo 19, I da Lei 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Este dispositivo da LDB, por sua vez, estabelece que são instituições públicas de ensino aquelas criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público. Ao estabelecer tal definição, a Lei logicamente se refere ao Poder Público pátrio, haja vista a ausência de competência legislativa para dispor sobre os sistemas de ensino estrangeiros. (…)’

Ante o exposto, indefiro o pedido liminar.’.

Não verifico motivos para alterar esse entendimento, de modo que adoto os fundamentos supra aduzidos como razões de decidir desta sentença.

A corroborar este entendimento, o parecer do representante do MPF, cujo excerto abaixo transcrevo:

‘Ora, se o objetivo é justamente fomentar a igualdade de oportunidades àqueles estudantes provenientes da rede pública de ensino, onde este é sabidamente deficitário, as vagas na modalidade ‘L3’, para a qual inscreveu-se a impetrante (Candidato egresso do Sistema Público de Ensino Médio Brasileiro com renda familiar bruta mensal superior a 1,5 salário-mínimo nacional per capita) devem, necessariamente, ser preenchidas por candidatos egressos de escola pública, assim entendida aquela compreendida no sistema de ensino brasileiro em razão de ser sabidamente inferior qualitativamente. E note-se que estudar em colégio americano, ainda que ‘público’, é privilégio (se é que assim pode ser chamado) de uma minoria.

Não resta, pois, ilegalidade ou abuso de poder a sustentar o presente writ. Diante do exposto, o Ministério Público Federal opina pela denegação da segurança.’

Assim, diante do panorama fático e probatório dos autos, a denegação da segurança é medida que se impõe.

Por partilhar do meso entendimento do Juiz da causa, mantenho a sentença.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.

Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle

Relator

 

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