Jurisprudência
06 jun 16 16:58

Não existe irregularidade da cobrança de matrícula ou 13ª mensalidade (F)

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ajuizou a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido liminar, em face de CENTRO EDUCACIONAL DA LAGOA, objetivando a condenação da ré a permitir o pagamento da anuidade ou semestralidade vigente por um ano em, respectivamente, doze ou seis parcelas mensais iguais, facultada a disponibilização de outros planos de pagamento, sob pena de multa diária de R$ 15.000,00.

Além disso, requereu a condenação à obrigação de indenizar os danos materiais e morais dos consumidores, individualmente considerados, sendo os valores apurados em fase de liquidação. Pleiteou, também, a condenação à obrigação de indenizar os danos materiais e morais coletivos no valor mínimo de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), cujo valor seria revertido para o fundo indicado no art. 13 da Lei 7347/85. Requereu a publicação de edital de intimação de terceiros interessados ao qual se refere o art. 94 do CDC.

Alega, em síntese, que os fatos teriam sido apurados no Inquérito Civil 710/2014, por meio do qual teria sido ratificada a informação de que a instituição de ensino em questão não apresentava plano de pagamento com divisão em seis ou doze parcelas iguais. Afirma que, ao apresentar tão somente planos alternativos de pagamento, a ré viola a disposição do art. 1º, §5º, da Lei 9870/99.

À fl. 13, foi proferida decisão postergando a apreciação do pedido liminar para após a instauração do contraditório e foi determinada a publicação do edital de intimação de terceiros interessados (fls. 383-385), previsto no art. 94 do CDC. Devidamente citada, a ré apresentou contestação às fls. 21-155, com documentos.

Sustenta, preliminarmente, a inexistência de interesse de agir.

No mérito, sustenta que os valores correspondentes à anuidade poderiam ser pagos de três formas, pelo que estaria de acordo com o exigido pela Lei 9870/99. Afirma também que, por cumprir com as disposições legais, não haveria dano material ou moral individual a ser indenizado. Por fim, aduz que os danos morais seriam incompatíveis com a noção de transindividualidade.

O Ministério Público manifestou-se em réplica às fls. 159-170v., no sentido de que deva ser afastada a preliminar arguida. Sustentou ainda que inexiste livre escolha do plano de pagamento, pugnando pela condenação aos danos materiais e morais, nas esferas individual e coletiva. Em provas, pretendia a parte ré a produção de amostra documental suplementar e testemunhal (fl. 172). Às fls. 174-176, pronunciou-se o Ministério Público requerendo o julgamento antecipado da lide. Foi indeferida a produção das provas requeridas pela ré, conforme decisão às fls. 198/199. Vieram os autos conclusos para sentença.

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

Inicialmente, cabe salientar que a preliminar de falta de interesse processual já foi conhecida e rejeitada na decisão às fls. 198/199. Assim, sendo desnecessária a produção de novas provas em audiência, passo ao julgamento da lide.

No mérito, cabe mencionar que, de acordo com a Lei 9870/99, a instituição de ensino deve informar aos alunos, ao final de cada período letivo os valores das anuidades fixadas conforme planilha de custo. Inerente à tal dever de informação, o estabelecimento de ensino deve apresentar opções de plano de pagamento, respeitando a disposição do art. 1º, §5º, da lei retrocitada:

Art. 1º O valor das anuidades ou das semestralidades escolares do ensino pré-escolar, fundamental, médio e superior, será contratado, nos termos desta Lei, no ato da matrícula ou da sua renovação, entre o estabelecimento de ensino e o aluno, o pai do aluno ou o responsável.

§5º O valor total, anual ou semestral, apurado na forma dos parágrafos precedentes terá vigência por um ano e será dividido em doze ou seis parcelas mensais iguais, facultada a apresentação de planos de pagamento alternativos, desde que não excedam ao valor total anual ou semestral apurado na forma dos parágrafos anteriores.

Verifica-se, então, que a celebração do contrato de prestação de serviços escolares pode prever plano de pagamento alternativo ao determinado pela legislação específica como obrigatório, desde que não exceda o valor total do serviço.

Interessante perceber que a Lei das Anuidades Escolares não mais fala em mensalidade escolar, como era estabelecido na Resolução 3/1989 do Conselho Federal de Educação, mas em anuidade, com a previsão de pagamento em parcelas. Nesse sentido, não há falar-se em prejuízo, a embasar indenização por danos materiais, quando o usuário do serviço opta por não realizar o pagamento à vista, independentemente do número de parcelas previsto no contrato. Ademais, esse é o posicionamento do PROCON-SP manifestado na resposta sobre a possibilidade do pagamento em 13 parcelas:

´A matrícula nada mais é do que uma parcela da anuidade ou semestralidade. Na assinatura do contrato, é pactuado um valor total, que normalmente é dividido em doze ou seis parcelas iguais de acordo com o regime didático da instituição. Porém, poderão existir outras formas de pagamento do valor estabelecido, desde que não ultrapasse o total contratado.´

Sendo assim, e diante da análise do conjunto de fatos e documentos, concluo que não merece prosperar a pretensão autoral, eis que o parquet não logrou êxito em comprovar que a parte ré vedava a opção do consumidor pelo plano de pagamento obrigatório em 12 parcelas.

Aliás, evidenciou-se por meio das provas juntadas aos autos, que a cobrança da denominada 1ª cota de anuidade integrava o valor total contratualmente estabelecido, respeitando, portanto, a disposição legal.

Vale destacar que o dever da instituição escolar é o de informar os valores das anuidades aos interessados na matrícula ou renovação, apresentar o plano de pagamento e divulgar a proposta de contrato, o que pode ser observado na conduta praticada pela ré. A propósito, inexiste na legislação especial vedação à cobrança de taxa de matrícula ou reserva de vaga, contanto esta esteja embutida no valor total, situação esta corroborada pelo plano de pagamento à fl. 88, bem como pela ficha financeira e pelo contrato às fls. 131 e 134, por exemplo.

Deve-se salientar ainda, que a opção de pagamento em 13 parcelas prevista no plano enviado aos usuários do serviço não comprova a inexistência da modalidade obrigatória. Ora, conforme os documentos juntados às fls. 203-208, a instituição informava expressamente sobre a existência de outros planos de pagamento, hipótese na qual dever-se-ia consultar a secretaria administrativa. Em suma, o valor total das mensalidades escolares deve ser fixado no ato da matrícula, entre o estabelecimento de ensino e o aluno, ou o responsável. Ainda segundo as disposições da Lei 9870/99, o estabelecimento de ensino deverá informar, 45 dias antes da data final da matrícula, em local de fácil acesso ao público, o texto da proposta de contrato, o novo valor da mensalidade e o número de vagas por sala-classe. Além disso, as taxas de matrícula, reserva de matrícula ou rematrícula devem integrar a anuidade, ou seja, o estabelecimento de ensino não pode cobrar a anuidade mais a taxa de matrícula, visto que a matrícula não pode constituir uma parcela a mais, como uma 13ª mensalidade, devendo fazer parte do valor integral da anuidade. Dessa forma, inegável que o Ministério Público não obteve sucesso em demonstrar a ocorrência de ilícito a consubstanciar indenização por danos materiais ou morais, seja na esfera individual, seja na esfera coletiva.

Sobre os danos morais, leciona Sérgio Cavalieri Filho:

´Só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar.´

Sendo assim, evidente que a mera discordância sobre as cláusulas de um contrato ao qual voluntariamente aderiram os usuários do serviço, não é suficiente à configuração dos danos morais.

Ademais, em relação ao dano moral coletivo, deve-se salientar que o Superior Tribunal de Justiça vem admitindo sua existência desde que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade, causando intranquilidade social não percebida no caso concreto.

Diante de todo o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos constantes da inicial. Dispensado o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. Após o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquivem-se os autos. P.R.I. Dê-se ciência ao MP.(ACP n.º 0010431-66.2015.8.19.0001 – 4ª Vara Empresarial – TJRJ – Publicada no site em 06/06/2016)

 

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